“É uma perda irreparável para a literatura portuguesa do século XX. A Agustina era uma das suas vozes mais originais, o seu desaparecimento representa isso”, considerou o ensaísta.

Sobre uma relação que abrangeu “cerca de oito filmes”, iniciada em 1981, com “Francisca”, Preto lembra uma relação por vezes “bastante atribulada, pelas personalidades muito fortes” de ambos, Oliveira e Bessa-Luís, que se pareceu “a um despique criativo”, tendo originado uma junção que deu azo a trabalhos “desafiantes e originais”, na literatura e no cinema.

Obras como “Vale Abraão” ou “O Convento” nasceram de transposições de Oliveira de romances de Agustina, tendo os dois “‘enfants terribles’”, como os descreve António Preto, gerado trabalhos que “desafiaram os limites” das convenções das artes em que se inseriam.

Em “Porto da Minha Infância”, de 2001, a própria Agustina “lê um texto da sua autoria sobre a condição da mulher, mais especificamente da gueixa”, num apontamento sobre uma temática - exatamente “a condição da mulher” - que também teve espaço na sua obra.

PORTUGAL - AGUSTINA BESSA LUIS

“Assumiu sempre uma postura desafiadora e contra-corrente. (...) Foi senhora de uma grande liberdade, também na maneira como se pensava a si própria no meio das letras, até há não muito tempo predominantemente masculino, como pensou nos seus romances o lugar da mulher, muitas vezes à revelia das perspetivas feministas mais ou menos consensuais” daquele tempo, reforça o docente universitário.

Esta “figura inspiradora”, que assumiu “sempre uma postura iconoclasta e desafiadora de todas as convenções e modelos”, acabou por criar “obras absolutamente magníficas”, à semelhança de Oliveira, disse António Preto à Lusa.

Entre os frutos de uma colaboração em que o cineasta chegou a ‘encomendar’ romances à autora de “A Sibila” (1954), mas sem lhe pedir que preparasse argumentos, estão “O Princípio da Incerteza” (2002) e “Espelho Mágico” (2005), que escreveu sabendo que iam ser representados por dois netos, Leonor Baldaque, de Bessa-Luís, e Ricardo Trêpa, de Oliveira.

Por outro lado, o filme póstumo “Visita ou Memórias e Confissões”, rodado em 1982 mas exibido publicamente apenas após a morte do cineasta, é baseado “em parte num texto de Agustina, ‘A Casa’, que será brevemente publicado pela Relógio D’Água”.

O olhar “muito irónico” de ambos para a atualidade política e social do país, uma visão nortenha, “do Porto e do Douro”, bem como a vontade de desafiar expectativas e normas vigentes, são outros marcos de ambos os criadores, aponta António Preto à Lusa.

Nascida em 1922 em Vila Meã, Amarante, a escritora Agustina Bessa-Luís morreu hoje, aos 96 anos, no Porto, disse à Lusa fonte da família.

Destacou-se em 1954, com a publicação do romance “A Sibila”, que lhe valeu os prémios Delfim Guimarães e Eça de Queiroz, sendo galardoada em 2004 com os Prémiso Camões e Vergílio Ferreira.

Recebeu igualmente o Grande Prémio de Romance e Novela, da Associação Portuguesa de Escritores, em 1983, pela obra "Os Meninos de Ouro", e em 2001, por "O Princípio da Incerteza I - Joia de Família".

Foi distinguida pela totalidade da sua obra com o Prémio Adelaide Ristori, do Centro Cultural Italiano de Roma, em 1975, e com o Prémio Eduardo Lourenço, em 2015.

Foi condecorada como Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada, de Portugal, em 1981, elevada a Grã-Cruz em 2006, e com o grau de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, de França, em 1989, tendo recebido a Medalha de Honra da Cidade do Porto, em 1988.

Questionada sobre o que escrevia, a autora disse, num encontro na Póvoa de Varzim: “É uma confissão espontânea que coloco no papel”.

A cerimónia fúnebre da escritora Agustina Bessa-Luís decorrerá na terça-feira, na Sé Catedral do Porto, seguindo depois para o cemitério do Peso da Régua, Vila Real, onde será sepultada “na intimidade da família", revelou hoje o Círculo Literário Agustina Bessa-Luís.

O Governo decretou um dia de luto nacional, na terça-feira, pela morte da escritora.