O espectro do #MeToo atingiu "Corsage - Espírito Inquieto", a produção descrita como "feminista" pela sua realizadora e atriz principal e escolhida para ser a candidatura da Áustria ao Óscar de Melhor Filme Internacional.

Lançada nos cinemas portugueses a 8 de dezembro, a produção de Marie Kreutzer sobre a imperatriz austro-húngara do século XIX Isabel da Baviera (popularizada como Sissi), interpretada por Vicky Krieps, e o seu turbulento casamento com o imperador Francisco José I, já ganhou vários prémios em festivais internacionais de cinema e é um sucesso de bilheteira.

A 13 de janeiro, foi noticiado que Florian Teichtmeister, de 43 anos, estrela do país e que ganhou proeminência internacional com a interpretação do imperador, está indiciado pelas autoridades por posse de pornografia infantil. Uma exibidora retirou então o filme das suas salas.

Entretanto, o jornal austríaco Exxpress avançou no último domingo que um segundo ator, cuja identidade está impedida por lei de divulgar, foi acusado de agressão sexual por uma pessoa anónima na indústria.

"Corsage" está na lista dos 15 finalistas às nomeações para Melhor Filme Internacional e o primeiro escândalo surgiu durante a votação dos membros da Academia. As nomeações serão anunciadas no dia 24.

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Florian Teichtmeister
Florian Teichtmeister Florian Teichtmeister em outubro de 2021

Convidado de honra no Parlamento austríaco para ler cartas de crianças abusadas em 2016, as autoridades terão encontrado mais de 58 mil imagens de menores sexualizados pelo menos com 14 anos em vários dispositivos digitais de Teichtmeister, que foi denunciado no verão de 2021 pela sua então namorada após a descoberta de uma delas no seu telemóvel.

Um advogado do ator confirmou a acusação e que o seu cliente se declararia culpado no julgamento, marcado para começar a 8 de fevereiro, do que descreveu como "um crime puramente digital", uma vez que não existem indícios de que o material tenha sido redistribuído. Pode ser condenado a uma pena de prisão até dois anos.

Um dos principais patrocinadores de "Corsage" distanciou-se no domingo após as acusações e o canal de televisão estatal ORF disse que não produziria nem transmitiria filmes do ator.

A Film & Music Austria (FAMA), que escolheu "Corsage" como a candidatura da Áustria aos Óscares, disse que mantinha a decisão, concordando com a produtor que era preciso distinguir entre o filme e o ator.

A realizadora e argumentista Marie Kreutzer disse que estava "triste e com raiva que um filme feminista no qual mais de 300 pessoas de toda a Europa vêm trabalhando há anos fosse tão manchado e prejudicado pelas ações horríveis de uma única pessoa".

Vários distribuidores internacionais do filme emitiram comunicados a concordar com a produtora e a realizadora, mantendo-se a exibição nas salas.

Já o teatro nacional da Áustria, o Burgtheater, anunciou que tinha demitido Teichtmeister com efeitos imediatos.

Segundo escândalo à espreita

Florian Teichtmeister em "Corsage"

A 18 de junho de 2022, a realizadora austríaca Katharina Mückstein partilhou nas redes sociais que "Esta noite, um abusador subirá ao palco e será aplaudido. E não há nada que possamos fazer para conter isto. É devastador. Desejo a todos os afetados bons nervos. O #MeToo nem começou na Áustria".

O único evento nesse dia era a antestreia de "Corsage" em Viena. Mais tarde, a realizadora disse que não podia revelar o nome do homem por razões legais e posteriormente que não se estava a referir a Teichtmeister.

A partilha gerou um novo #MeToo no país, com outras mulheres a denunciarem assédio sexual, sexismo, racismo, homofobia e abuso de poder nas comunidades artísticas do cinema e teatro.

Em declarações à revista Profil a 2 de julho, a realizadora de "Corsage" disse que sabia dos rumores sobre este segundo ator "há muito tempo", já com o projeto em andamento, mas que nunca removeria um membro da sua equipa sem denúncias concretas ou processos.

Kreutzer salientou que apoiava Katharina Mückstein, mas teria escolhido um caminho diferente: "Não há nem alegações concretas nem as vítimas contactaram as autoridades para articular algo concreto. É isto que torna o caso tão problemático. Embora tenha trabalhado muito bem com ele e goste dele, não posso colocar as minhas mãos no fogo por ele. Não investigo a reputação dos meus atores ou da minha equipa. O que está no passado deles não posso e não quero examinar completamente. Só posso pedir que sejam incluídos contactos oficiais e que tudo isto não seja feito apenas entre colegas e pessoas que pensam da mesma maneira. É preciso tomar medidas, não apenas falar sobre isso à porta fechada. Sem dúvida que houve relatos sobre este homem, mas, uma vez mais, só vieram de pessoas que ou não foram afetadas ou não tinham diretamente nada a testemunhar. Devemos manter-nos nos factos porque espalhar boatos pode prejudicar seriamente as pessoas".

Já esta segunda-feira, Kreutzer confirmou ao Der Standard que a sua resposta no verão passado não era sobre Teichtmeister.

O jornal avança que o segundo ator desmentiu sempre os rumores nas várias conversas mantidas com a realizadora e que esta recomendou que se dirigisse ao centro de contacto e aconselhamento da indústria cinematográfica e televisiva da Áustria. O ator terá seguido o conselho e dado conta da disponibilidade para aí responder se fosse alvo de acusações concretas.

Esta terça-feira, a produtora do filme Film AG, lançou um comunicado sobre este caso, garantindo que levavam as alegações a sério mesmo que não tivessem diretamente a ver com a produção: "A realizadora Marie Kreutzer falou detalhadamente sobre isto no último verão. Nessa altura, ela tentou esclarecer os rumores tanto com o ator e muitos denunciantes. Ontem, tivemos outra conversa pormenorizada com o ator. Esta conversa também não nos trouxe nenhuma informação nova".

Em declarações ao jornal Kleine Zeitung, o advogado diz que não existe nenhuma investigação sobre o seu cliente.