Mirabel é uma adolescente aparentemente normal de uma família muito peculiar - talvez até demasiado normal aos olhos de alguns. Da superforça ao controlo do clima, passando por capacidades curativas ou transmorfas, todos os elementos do clã Madrigal têm habilidades especiais. Todos, menos a protagonista de "Encanto", que cresceu com a frustração de pensar não estar à altura do que muitos esperam dela - embora isso não abale, à primeira vista, a sua atitude confiante e espirituosa.

Mas as coisas começam a mudar quando acontecimentos inusitados vão tomando conta do quotidiano da família, muito por culpa de alterações repentinas na casa encantada que acolhe as 12 personagens do novo filme da Disney.

"A Mirabel não tem nenhuma capacidade especial, e é muito fácil para mim relacionar-me com isso, porque houve muitas alturas da minha vida em que achei que estava à parte, que não estava à altura, que não era suficientemente talentosa, que tinha síndrome do impostor", confessa Stephanie Beatriz, a voz da personagem principal de "Encanto" na versão original.

Stephanie Beatriz

"Mas descobri, à medida que fui crescendo e que trabalhei mais na minha autoconfiança, que tenho algo a oferecer, e que é especial", acrescenta a atriz americana nascida na Argentina e conhecida como a temperamental agente Rosa Diaz de "Brooklyn Nine-Nine". Tal como nessa série ou em "Encanto", a comédia tem sido uma aliada valiosa de Beatriz para lidar com o desconforto. "Quando não sei como lidar com uma situação, muitas vezes tento fazer uma piada com isso", conta. "E tentei levar essa postura para a Mirabel - gosto de improvisar, gosto de piadas. E é de loucos que, nesta grande família, a Mirabel esteja frequentemente sozinha e dependente dela própria. Torna-se a sua própria aliada e fala muito sozinha".

"Fizemos da família a nossa tese"

Entre o crescimento pessoal da protagonista e a forma como os outros a encaram, a comédia de animação musical dirigida por Jared Bush e Byron Howard (ambos responsáveis por "Zootrópolis"), ao lado da correalizadora Charise Castro (produtora e argumentista de "A Maldição de Hill House"), propõe uma jornada individual e familiar que cruza legados e gerações.

Lin-Manuel Miranda

"Quem cresceu com uma família tem ideia da tensão entre a forma como nos vemos e aquela como a família nos vê, e como se desenvolve e transforma com o tempo", assinala Lin-Manuel Miranda, autor das canções do filme. "Isso é multiplicado pelos nossos irmãos, tias, tios, primos e pelo modo como interagimos com eles. Por isso, há muito material de escrita complexo. Sinceramente, acho que não há ninguém que veja este filme e não consiga identificar-se com uma personagem", salienta o compositor, dramaturgo e cantor norte-americano de origem porto-riquenha que se tem feito notar em musicais como "Hamilton" ou "Ao Ritmo de Washington Heights".

"Fizemos da família a nossa tese. O filme não é sobre algo que lhe acontece, é sobre as relações entre os seus elementos. E isso é muito complicado", complementa.

"Os elementos desta família estão a descobrir mais sobre quem são. Há pessoas que achamos que conhecemos, com quem crescemos, mas que têm histórias espantosas de tragédias, força, amor e resiliência", diz Byron Howard. Mas embora possa ter apelo universal, a família de "Encanto" não é uma família qualquer. Além de ter capacidades especiais (tirando Mirabel, como é tantas vezes lembrado), é uma família colombiana, fator decisivo para o seu lugar nas inúmeras famílias da Disney.

John Leguizamo

"A minha família colombiana é assim"

O clã Madrigal surge numa encruzilhada de "cultura, dança, gastronomia ou tradição", aponta Howard. "Tentámos ter neste filme tanto da Colômbia quanto conseguíssemos", garante Byron Howard.

John Leguizamo não foi indiferente às cores, sons e sabores colombianos de uma aventura com influências diretas do realismo mágico associado aos universos literários de Gabriel Gárcia Márquez e Isabel Allende. O ator nascido em Bogotá dá voz a Bruno, tio de Maribel e figura-chave para uma viragem na dinâmica familiar. Mas a sua personagem não foi a única a marcar uma experiência à qual não conseguiu evitar ficar com "lágrimas a cair". "A minha família colombiana é assim", sublinha. "Uns são negros mais escuros, ou mais claros, com cabelo liso ou super encaracolado. Esta é igual à família com que cresci. Agora posso dizer 'Oh, meu Deus, chegámos'. Nós, enquanto latinos, chegámos quando inspiramos um filme da Disney".

Além da diversidade de tons de pele e de texturas dos cabelos, Leguizamo foi surpreendido pela profusão musical que inclui cumbia, vallenato ou o cantor Carlos Vives. "Isto foi demais para mim, foi incrível".

Encanto

Clark Spencer, presidente da Disney Animation, considera que "Encanto" tem "um pé na nossa história e outro no futuro", um lugar que vê como ideal para a 60.ª longa-metragem de animação dos estúdios. "Tem música incrível, as canções, e as canções sempre foram icónicas nos nossos filmes. E o que o Lin trouxe para este filme foi absolutamente incrível. É belo visualmente, tem coração, tem emoção, tem comédia, tem deslumbramento, tem magia, e sempre tivemos esses elementos". Mas tem mais, aponta o norte-americano. "Quando vemos o filme, percebemos o quão longe fomos enquanto estúdio. Acho que este é o filme mais visualmente complexo que já fizemos".

Stephanie Beatriz subscreve e mostra-se "muito orgulhosa" por fazer parte desse legado. "A Disney tem a tradição incrível de criar personagens femininas que são protagonistas das suas próprias histórias, raparigas e mulheres corajosas, muito boas no que fazem, de bom coração, que querem o melhor para os que estão à sua volta, e que estão dispostas a aceitar aventuras perigosas, loucas e mágicas", nota a atriz. "Espero honrar o trabalho de todas essas mulheres que vieram antes de mim e que estiveram no meu lugar, e trazer algo de novo".

"Queria passar mais tempo com toda a gente"

Além de Maribel, que se junta ao panteão de heroínas Disney (ao contrário do que às vezes parece, nem todas são princesas), "Encanto" pode orgulhar-se de trazer uma dose generosa de personagens memoráveis. E e um dos seus méritos é conseguir dar tempo e espaço a todas num filme que não chega às duas horas de duração. "Sabíamos desde o início que queríamos contar uma história com 12 personagens", recorda Jared Bush. "Demorou muito tempo e, à medida que fomos avançando, percebemos que o filme seria ancorado na Mirabel e que ela tinha de ser uma figura de corpo inteiro para alicerçar tudo", explica o realizador e argumentista norte-americano.

Encanto

"Mas ela também teria de interagir com todos os elementos da família de uma forma que parecesse verosímil", sublinha. O truque, revela, foi fazer com que todos (não) falassem de Bruno, a ovelha-negra da família, que acaba por ser o elo narrativo e conduz a entrada do espectador nesta casa. E a casa vai-se tornando também ela uma personagem. "É uma mágica, viva, alegre, queríamos que refletisse a família que lá vive", descreve Charise Castro. "Optámos pela metáfora da casa a comportar-se como o cão da família. Tem ligações diferentes com cada elemento".

Jared Bush diz que "queria passar mais tempo com toda a gente. Espero que os espectadores sintam o mesmo quando virem o filme. Adoro todas estas personagens. Veria filmes de todas". Pistas para um spin-off? "Isso agora é com o Clark", responde entre risos. Por agora, as portas desta casa encantada estão abertas nas salas de cinema, num dos programas familiares mais convidativos da temporada.

TRAILER DE "ENCANTO":

Tudo o que se passa à frente e atrás das câmaras!

Receba o melhor do SAPO Mag, semanalmente, no seu email.

Os temas quentes do cinema, da TV e da música!

Ative as notificações do SAPO Mag.

O que está a dar na TV, no cinema e na música!

Siga o SAPO nas redes sociais. Use a #SAPOmag nas suas publicações.