O encerramento das quatro salas de cinema da Medeia Filmes no Saldanha Residence, em Lisboa, anunciada ontem, deve-se, segundo a empresa, a desigualdades de mercado estimuladas pelos grandes grupos e à falta de actuação das autoridades competentes.

Em declarações à Lusa, o distribuidor, exibidor e produtor de cinema
Paulo Branco recordou que há muito tem vindo a alertar a Autoridade da Concorrência, o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e a ministra da Cultura para a situação da exibição em Portugal, «e nada foi feito».

Paulo Branco sublinhou a concorrência que representam «as ofertas de bilhetes que a Zon Lusomundo faz, com as campanhas da televisão por cabo, com os grandes grupos financeiros» que levam a que «cerca de 40 por cento das idas ao cinema nalgumas salas são gratuitas».

O proprietário da Medeia Filmes explica: «Eles compensam isso com outras empresas do grupo e nós não temos essa capacidade».

Outro factor de desequilíbrio foi «a passagem ao digital de uma maneira abrupta, de um dia para o outro».

Segundo Paulo Branco, «enquanto noutros países houve entendimentos para prolongar isso no tempo, devido ao esforço financeiro que representava, e a uma procura de entendimentos financeiros que ajudassem os independentes a financiar-se, em Portugal houve um alheamento total por parte dos operadores principais e das entidades públicas».

Assim, a decisão de encerrar as quatro salas do centro comercial Saldanha Residence é «dolorosa mas não é grave», pois a empresa tem em Lisboa mais onze salas – quatro no Monumental, três no Fonte Nova, uma no Nimas e três no King. No Porto, mantém a programação numa sala no Campo Alegre, com 70 lugares.

«Essas salas estão quase todas equipadas ao nível do digital e isso permite-nos manter o esforço de sermos o único grupo independente em termos de oferta de outro tipo de cinematografias em Portugal». O encerramento das quatro salas deixou sem trabalho nove pessoas.

Para Paulo Branco, a situação fora de Lisboa é muito mais grave e «irrecuperável», pois «praticamente desapareceu qualquer tipo de exibição independente, tirando os cineclubes».

E acusa: «é inadmissível a atitude de avestruz do Ministério da Cultura relativamente a isto».

A Medeia Filmes, segundo Paulo Branco, registou quebra no número de espectadores de algumas salas, nomeadamente no Monumental, mas o contrário aconteceu nos cinemas King e Fonte Nova onde até houve um aumento.

Paulo Branco criticou a atribuição de apoios «descomunalmente mais importantes» a festivais do que às salas de exibição e lamentou o «alheamento de muitas câmaras municipais em relação a estas questões».

«Vamos continuar o nosso trabalho, vamos tentar parcerias nalgumas cidades com instituições de modo a poder mostrar os nossos filmes. Estamos a fazer um esforço muito grande para não só manter como desenvolver a nossa oferta», concluiu.

Paulo Branco está por estes meses principalmente em Toronto, Canadá, onde dentro de três semanas começam as filmagens de
«Cosmopolis» de
David Cronenberg, por ele produzido. Simultaneamente, está na fase final a rodagem do novo filme de
Bruno de Almeida sobre a morte do general Humberto Delgado e entrou em produção o próximo filme de
Fernando Lopes.

Dados de bilheteira

Em seis anos, a exibidora Medeia filmes perdeu metade das receitas de bilheteira nas salas de cinema, registando em 2010 1,9 milhões de euros, segundo dados estatísticos do Instituto do Cinema e Audiovisual.

A empresa do produtor Paulo Branco, que anunciou o encerramento de quatro salas em Lisboa, é a quinta exibidora de cinema em Portugal em termos de receita de receitas de bilheteira, mas em 2010 ficou abaixo dos dois milhões de euros e muito longe da Zon Lusomundo, líder do mercado.

A Zon Lusomundo Cinemas - com 30 recintos e mais de 200 ecrãs - é a empresa líder na exibição de cinema comercial em Portugal, com 44,9 milhões de euros de receita de bilheteira.

Nas quinze salas de cinema exploradas pela Medeia Filmes estiveram 390.286 espectadores em 2010.

Fundada há 20 anos, a Medeia Filmes vocaciona-se sobretudo para a exibição de cinema europeu independente, embora tenha que fazer o compromisso com o cinema norte-americano dito mais comercial.

Actualmente tem em cartaz, por exemplo, o filme de animação
«Rio», de
Carlos Saldanha,
«Thor», de
Kenneth Branagh, e também
«Sem Destino», de
Monte Hellman, e
«O Estranho Caso de Angélica», de
Manoel de Oliveira.

Em 2005, Paulo Branco deixou de explorar as salas de cinema no Freeport de Alcochete e em 2010 encerrou as quatro salas que tinha abertas no Centro Comercial Cidade do Porto.

SAPO/Lusa