Realizado por Vicente Alves do Ó, num registo muito diferente de “Florbela”, a sua bem-sucedida longa-metragem anterior, o filme narra as aventuras de Amélia (Inês Patrício), abandonada pelo namorado, sem emprego e para quem corre mal. Quando vai trabalhar num restaurante, no entanto, aparecem novos pretendentes e descobre um insuspeito talento para cantar fado.

Rueff, atualmente na TV com Herman José em “Nelo e Idália” e no teatro Meridional com a peça “António e Maria”, é Gigi, uma típica mãe à moda antiga – protetora, indiscreta, espontânea e, por vezes, rude. A atriz conversou com o SAPO MAG sobre o filme, a experiência de trabalhar com novos atores e, principalmente, a relativa desvalorização que os comediantes sempre enfrentaram entre os mais críticos.

Como entrou num projeto de uma escola de teatro repleta de estreantes?

Foi um convite muito bonito do Vicente Alves do Ó, que acompanhava o meu percurso desde sempre e tinha esse sonho de fazer comédia. Portanto atreveu-se, num bom sentido, a enviar-me um guião, eu fiquei encantada e disse imediatamente que sim. É um guião escrito no feminino, o que não é muito vulgar em Portugal – tanto para comédia quanto para cinema. E depois houve a componente de ser um filme de escola. Eu sempre me pautei por gostar de sangue novo, de talento, de gente que vai nos dar coisas novas ao mesmo tempo que podemos contribuir com a nossa experiência e aprender com eles. Portanto, não tinha de todo como dizer que não.

Era uma personagem com muitas possibilidades cómicas, mas também dramáticas…

O bonito no filme é que, como era uma escola e a primeira comédia do Vicente e eu, enfim, já tenho 20 anos de comédia, ele deixou que eu estivesse nas aulas preparatórias. Assim, trabalhámos todos em conjunto. Isto decorreu não só no sentido de construir a minha personagem mas também de criar com eles os vários tipos sociais que o filme apresenta. Há muita coisa que já estava no argumento, mas muitas outras que criámos – como no caso da minha personagem.

Trouxe elementos novos, portanto…

Na verdade o que eu trouxe mais foi uma liberdade que o comediante tem de ter e que os realizadores nem sempre entendem. Neste sentido, Vicente teve essa enorme generosidade de entender, de gostar e de até ir atrás disto. Foi muito bom porque pudemos trabalhar vários tipos de humor – o humor físico, o lado mais de comédia romântica e ingénua com a protagonista, os pares e os possíveis namorados, trabalhar características como no meu caso e da filha atriz…

Como foi a integração com os jovens atores? Sei que houve muitos nervos na rodagem…

Foi muito bom, eu tive uma rápida integração com o Vicente e também com a Inês, a protagonista. Ela lembra-me muito como eu comecei, é uma lutadora com um sonho – não no sentido de ganância, mas com o sonho de ser atriz. Somos muito parecidas, eu entrei no mundo da arte porque me é vital e não porque tivesse querido chegar ao sucesso, à fama, nem nada disto. Foi logo muito encantador e muito bonito. Percebi bem os nervos deles porque já estive nos seus lugares e tive a sorte de começar logo com o maior. Neste sentido tentei pô-los à vontade e acho que consegui.

Com os seus 20 anos de carreira, o que a estimula hoje a entrar num projeto?

Acreditar nas coisas, nas pessoas, no projetos que me ponham em causa, que me desafiem. Acho que o mais triste para um artista é quando ele começa a repetir-se, a viver de fórmulas. Estou nisto porque me é vital, quero ir sempre mais longe, desafiar-me.

A comédia no cinema em Portugal tem dificuldades em obter o reconhecimento da crítica. Como vê isso?

Sabes, acho que isso é mundial. Só quando a Holly Hunter, que era comediante, fez “O Piano”, é que se começou a pensar que os atores cómicos eram capazes de outros registos. Isso é interessante, pois ainda há dias morreu o Umberto Eco, que escreveu sobre o facto dos “livros de comédias” se terem perdido nos tempos.

Nunca se percebe devidamente a dificuldade de se fazer comédia –  que é uma arte tão nobre quanto a tragédia. Essa coisa é herdada de muitos anos, os saltimbancos eram sempre olhados de lado, os atores cómicos eram sempre vistos como um bando de malucos, de excêntricos. A comédia é das artes mais difíceis de fazer. E em Portugal tivemos a sorte de ter tido bons comediantes nos anos 40 e o azar de, depois disso, o género ter sido abandonado.

E estes comediantes dos anos 40 eram mal vistos…

De todo! Esses filmes eram completamente arrasados porque os comediantes nunca são muito amados pela crítica, mas depois são muito amados pelo público. Esta crise trouxe pessoas à comédia, espectadores, em teatro também, e espero que se aproveite esta nova leva – como o filme do Vicente e “As Mil e uma Noites”, do Miguel Gomes, no qual também participo e que é uma visão cómica sobre o país. Eu espero que se perceba que a comédia tem vários espectros, que não é só divertir, que alfineta onde tem que alfinetar, que põe a lupa no defeito, que provoca catarses também. Neste momento atuo numa peça baseada no António Lobo-Antunes que mostra como o humor também pode ser trágico.

E, além disso, dá muito trabalho. Antes das pessoas pegarem numa caneta para fazer uma crítica deveriam passar um dia no "set" a ver o rigor e o trabalho de um comediante – e também o esforço de um argumentista de comédia, não há nada mais demolidor que produzir alguma coisa com humor, pois a gente só ri da graça uma vez e acabou-se. Essa angústia puxa muito por nós. É difícil fazer rir.