Uma aposta louca ou um filme a mais na carreira do padrinho do cinema americano?

A partir de quinta-feira, o público português pode julgar a última obra de Francis Ford Coppola: “Megalópolis”, filme-testamento no qual investiu parte da sua fortuna, estreia em mais de 41 salas.

O lançamento sucede após o lançamento na América do Norte no fim de setembro, onde se revelou um fracasso comercial, numa distribuição independente depois de Hollywood lhe virar as costas e de algumas reações calorosas que saíram da antestreia mundial em maio no Festival de Cannes.

Ignorando as perspetivas comerciais, o autor da trilogia “O Padrinho” (1972-1990) e “Apocalypse Now” (1979), que também foi criticado na Croisette, vê "Megalopolis" como a sua obra-prima definitiva após uma gestação de décadas.

Parar o tempo

Na Cidade de Nova Roma, uma megalópolis fictícia que cruza Nova Iorque, a Roma antiga e a Gotham das sagas "Batman", Coppola imagina o confronto entre Franklyn Cicero, um velho presidente da câmara (interpretado por Giancarlo Esposito), que continua comprometido com um "status quo" reacionário, perpetuando a ganância, a corrupção e a guerra partidária, e o jovem presidente da sua comissão de planeamento, Cesar Catilina (papel de Adam Driver).

Este artista de génio que tenta alcançar um futuro utópico e idealista quer reconstruir a cidade, cujas estátuas estão em colapso, utilizando um material revolucionário que inventou, o Megalon, que substituirá o betão. E apaixona-se por Julia Cicero, a filha do rival (Nathalie Emmanuel, de "A Guerra dos Tronos" e "Velocidade Furiosa").

"Megalópolis" explora muitos caminhos – Adam Driver pode parar o tempo com um estalar de dedos, o que o impede de cair vertiginosamente do topo de um edifício; um satélite soviético ameaça cair e desviar-se da sua trajetória; Shia LaBeouf conspira contra aqueles que estão no poder – apenas para abandoná-los.

Vai de uma citação de Shakespeare a uma imagem de arquivo de Hitler e transporta uma crítica à sociedade capitalista e ao populismo 'à la' Donald Trump. Poderíamos esperar que esta última parte fosse mais nítida por parte do autor de “Apocalypse Now”, que ressoou na sua época com as feridas de uma América emergindo da Guerra do Vietname.

Um filme dedicado à esperança e às crianças

O que resta é a escolha de grandes atores, estrelas dos anos 1970 como Jon Voight e amigos íntimos de Coppola, incluindo a sua irmã, Talia Shire, que interpreta a mãe da personagem de Adam Driver, ou mesmo Laurence Fishburne, que interpretou um soldado adolescente em "Apocalypse Now".

“Dedico o meu filme à esperança e às crianças. Criemos um mundo para as crianças”, disse Coppola, muito emocionado, após a exibição oficial em Cannes.

Os fortes aplausos na sala a esta lenda do cinema, de 85 anos, não impediram que a maioria dos críticos criticasse como pomposo este cocktail de ficção científica, pensamento 'new age' e estilo neoclassicista, que quer comparar a América contemporânea ao decadente Império Romano.

Outros ficaram entusiasmados, como Jean Labadie, o líder de distribuidora francesa Le Pacte, uma das poucas que acreditaram no projeto e apostou num lançamento em cerca de 400 cinemas no país, incluindo as salas Imax, formato para o qual foi filmado. O que não será possível em Portugal, apesar da estreia em 41 cinemas.

Críticas inventadas

A Le Pacte respeitou até o desejo de Coppola de colocar uma pessoa de carne e osso em plena sala, bem na marca dos 138 minutos, o fim do filme, para falar diretamente para o ecrã e dialogar com a personagem de Adam Driver.

O sistema seria replicado “em tantos cinemas quanto possível, mesmo que os exibidores nem sempre encontrem alguém para fazer isso em todas as sessões”, explicava Labadie à France-Presse no fim de setembro.

Na América do Norte, o filme teve maior dificuldade em convencer um distribuidor. Após iniciar a promoção de "Megalopolis", a Lionsgate teve que pedir desculpas: um trailer citava críticas negativas aos clássicos de Coppola... completamente inventadas.

O público português terá agora também uma palavra da dizer sobre se o cineasta estava certo em persistir neste projeto de 120 milhões de dólares. A indústria não quis segui-lo, por isso ele investiu parte da sua fortuna pessoal no negócio, incluindo vender parte do seu vinhedo de sucesso na Califórnia.

Não há arrependimentos: os filhos, Roman, que o ajudou com as câmaras, e Sofia Coppola, têm “carreiras de muito sucesso” e, portanto, “sem necessidade de herdar fortunas”, enfatizou Coppola.

TRAILER.