Morreu esta segunda-feira na sua casa Jean-Paul Belmondo, o emblemático rosto da Nouvelle Vague e que se distinguiu com excelência como o polícia ou criminoso do cinema francês.

O ator, a quem chamavam ‘Bébel’, tinha 88 anos e participou em cerca de 80 filmes.

"Estava muito cansado há bastante tempo. Ele morreu tranquilamente", disse o seu advogado Michel Godest à agência France-Presse.

A expressão evoca outra, dita por Belmondo aos 26 anos através de uma das suas personagens mais famosas, Michel Poiccard, no desfecho de "O Acossado": "Estou cansado... quero dormir".

Nascido a 9 de Abril de 1933, filho do famoso escultor Paul Belmondo (1898-1982) e da pintora Sarah Rainaud-Richard (1901-1994), Jean-Paul Belmondo não era um bom estudante na sua adolescência, mas desenvolveu uma grande paixão pelo boxe e pelo futebol.

Chegou a ponderar tornar-se pugilista profissional, mas desistiu após três combates amadores em que saiu vencedor ao primeiro assalto entre 1949 e 1950: "Parei quando o rosto que vi no espelho começou a mudar", recordaria mais tarde.

Seguiu-se a representação aos 17 anos no teatro, conseguindo ingressar mais tarde no Conservatório de Paris em 1954, iniciando a sua carreira no cinema no ano seguinte, com diversos papéis secundários.

"Com esse físico, nunca vai ter sucesso nesta profissão", foi o julgamento perentório do decano da Comédie Française, que ainda o fazia rir ao contar a história, já com oitenta anos e 70 filmes depois. Mas um encontro selou o seu destino.

"Venha a minha casa, faremos um filme e dar-lhe-ei 50 mil francos", disse-lhe Jean-Luc Godard, com quem se cruzara na rua e o vira num pequeno papel em "Un Drôle de Dimanche" (1958, Marc Allégret), quando ainda era crítico da revista Cahiers du Cinema.

O filme chamou-se "À bout de souffle", "O Acossado" em Portugal, e o papel de jovem ladrão de automóveis que matava um polícia e tentava persuadir uma rapariga americana a fugir com ele para Itália (Jean Seberg) tornou-o a partir de março de 1960 um dos grandes atores e rostos da "Nova Vaga" do cinema francês.

O Acossado

Em 2016, ao anunciar um Leão de Ouro pela sua carreira, o Festival de Veneza descreveu-o como um “ícone do cinema francês e internacional [que] soube interpretar como ninguém a inspiração da modernidade típica da ‘Nouvelle Vague’ através dos personagens alienados de ‘Pedido de Divórcio’ (1959), de Claude Chabrol; ‘O Acossado’ e 'Pedro, o Louco’, ambos de Jean-Luc Godard”.

A organização destacava especialmente a forma como vestiu a pele de Michel Poiccard em “O Acossado”, em que compôs “a figura do anti-herói provocador e sedutor, muito diferente dos estereótipos hollywoodianos em que se inspirava o próprio Godard”.

Com altos salários no cinema francês e a recusar propostas milionárias de Hollywood, a carreira excecional dividiu-se por filmes artísticos como comerciais.

Numa primeira fase, destacaram-se títulos como "Duas Mulheres" (1960, Vittorio de Sica) e "A Herança" (Mauro Bolognini, em 1961), que o tornaram popular em Itália, "Uma Mulher É Uma Mulher" (1961, Godard), "Amor Proibido" (1961, Jean-Pierre Melville), "Um homem chamado Rocca" (1961, Jean Becker), "Cartouche" (1962, Philippe de Broca), "Um Macaco no Inverno" (1962, Henri Verneuil), "O Denunciante" (1962, Melville), "Um Homem de Confiança" (1963, Melville), "Casca de banana" (1963, Marcel Ophüls), "O homem do Rio" (1964, de Broca), "Cem Mil Dólares ao Sol" e "Os Longos Dias de Junho" (1964, Verneuil), "Escape livre" (1964, Jean Becker), "Pedro, o Louco" (1965, Godard), "O Aventureiro de Tahiti" (1966, Becker) e "O Ladrão de Paris" (1967, Louis Malle).

Pedro, o Louco

Ícone da masculinidade, sedutor duro, carismático e eternamente bronzeado, Jean-Paul Belmondo extravasava neste período o cinema para se tornar uma estrela da cultura popular, inspirando canções e até o rosto do protagonista da banda desenhada franco-belga "Blueberry", chegando mesmo aos EUA: um episódio da série de comédia "Olho Vivo" de 1967 homenageou-o dando o nome de nome de Paul John Mondebello a um dos agentes vilões.

Sophia Loren, Claudia Cardinale, Ursula Andress, Anna Karina, Françoise Dorléac, Catherine Deneuve, Annie Girardot, Emmanuelle Riva, Jacqueline Bisset, Raquel Welch, Marie-France Pisier e, mais tarde, Sophie Marceau, foram algumas das suas parceiras mais célebres no grande ecrã. Algumas tornaram-se parceiras na vida real, como Ursula Andress e Laura Antonelli.

Belmondo regressou com grande sucesso com "O Cérebro" (1969, Gérard Oury), "A Sereia do Mississípi" (1969, François Truffaut) e "Um Homem de Quem Eu Gosto" (1969, Claude Lelouch), antes de formar uma célebre dupla com o amigo Alain Delon: um mais simpático e adorado pelos franceses, o outro especialista em papéis sombrios e trágicos, os dois "monstros" do cinema representaram juntos em "Borsalino", de Jacques Deray (1970) e foram rivais nas bilheteiras nos anos 1970 e 1980.

Borsalino

Recordado pelos 130 milhões de espectadores dos seus filmes, continuou em grande forma com "Os Noivos da Revolução" (1970, Jean-Paul Rappeneau) e "O Golpe" (1971, Verneuil) e, seguindo o exemplo de Delon, assumiu maior controlo sobre a carreira, tornando-se o produtor dos seus projetos.

Com exceção de "Stavisky, o Grande Jogador" (1974, Alain Resnais), os exemplos deste período nitidamente mais comercial, muitas vezes de "arma" na mão e grandes cenas de ação em que dispensava os duplos foram "A Casa dos Desejos" (1972, Claude Chabrol), "O Bandido Bem-Amado" (1972, José Giovanni), "O Herdeiro"(1973, Philippe Labro), "O Magnífico" e "O Incorrigível" (1973 e 1975, de Broca), "Medo Sobre a Cidade" (1975, Verneuil), "O Implacável" (1976, Labro), "O Corpo do Meu Inimigo" (1976, Verneuil), "O Belo Animal" (1977, Claude Zidi), "Polícia ou Ladrão", "O Irresistível Aventureiro" e "O Profissional" (1979, 1980, 1981, todos de Georges Lautner), "O Ás dos Ases", (1982, Gérard Oury), "O Marginal" (1983, Jacques Deray), "Os Destemidos" (1984, Verneuil), "Páscoa Feliz" (1984, Lautner) e "O Golpe do Génio" (1985, Alexandre Arcady).

Apesar da presença sistemática no TOP10 das bilheteiras francesas, estes filmes dececionaram parte da crítica e afetaram a sua reputação.

"O que os intelectuais não gostam é de sucesso. Sucesso na França é sempre mal visto, não pelo público, mas pelos intelectuais. Se estou nu num filme, está bem para os intelectuais. Mas se salto de um helicóptero, acham que é péssimo", comentaria mais tarde.

O Profissional

Já o público recompensou-o generosamente. Durante mais de 20 anos, 48 dos seus filmes venderam mais de um milhão de bilhetes, até o fracasso de "Le solitaire" (1987, Jacques Deray).

"Já estava farto e o público também", confessou.

A desilusão comercial, aliados ao tempo gasto na produção e a escassez de argumentos de qualidade, levaram Belmondo praticamente a abandonar o cinema e regressar aos palcos, a paixão da juventude, onde conheceu alguns dos seus melhores amigos, como Jean-Pierre Marielle, Jean Rochefort e Pierre Vernier. Foi muito aplaudido em "Kean" e "Cyrano", no seu parisiense Théâtre des Varietés.

No cinema, "Itinerário de uma Vida" (1988, Claude Lelouch) foi o seu último grande sucesso no cinema e um dos seus melhores papéis, que lhe valeu um César de Melhor Ator. Foi a única nomeação e conquista no equivalente francês dos Óscares, que recusou receber.

Em 1998, reencontrou Alain Delon em "1 chance sur 2", que ainda levou mais de um milhão de espectadores franceses aos cinemas, mas fisicamente debilitado após um acidente vascular cerebral (AVC) sofrido em 2001, regressou apenas para um último filme, o discreto "Un homme et son chien" (2008, Francis Huster), a história de um idoso rejeitado pela sociedade.

Além do Leão de Ouro de carreira do Festival de Veneza em 2016, recebeu a Palma de Ouro honorária do Festival de Cinema de Cannes em 2011 e foi-lhe atribuído outro César, desta vez, honorário, em 2017.

Significativamente, as suas memórias receberam como título ("Mille vies valent mieux qu'une" [Mil vidas são melhores do que uma, em tradução literal, de 2016] e aos jornalistas que em setembro de 2016 o questionaram em Veneza sobre a sua carreira tanto em filmes artísticos como comerciais, afirmou "divertir-se em ambos" e rematou: "é como a vida, um dia rimos, no outro choramos".

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