Falecido esta terça-feira aos 91 anos, Jean-Luc Godard (JLG) dirigiu dezenas de filmes, além de curtas-metragens e trabalhos em vídeo.

Um dos realizadores mais incontornáveis de toda a história do cinema, fundador de uma estética e de uma linguagem cujos ecos ainda hoje se fazem sentir, ele também rompeu claramente com a indústria cinematográfica em maio de 1968, fazendo a sua pequena revolução e causando escândalo nas escadarias do Festival de Cannes para chamar a atenção para o movimento estudantil que acontecia em paralelo.

Virando-se para o cinema político, esta foi uma fase em que praticamente "desapareceu" como realizador e os filmes passaram a ser assinados coletivamente, em que passou a ser militante e o seu cinema está ao serviço de uma causa. Um ativismo político deixou um pesado legado de mal-entendidos e polémicas, a mudança radical consolidou a separação entre 'godardianos' e 'não-godardianos'.

Mas antes dessa fase, três filmes entraram para a história do cinema de forma deslumbrante: "O Acossado", "O Desprezo" e "Pedro, O Louco", todos eles filmados nos anos 1960.

"O Acossado" (1960)

É a primeira longa-metragem de Godard, rodada com um orçamento muito baixo.

O filme segue o itinerário de um ladrão mesquinho (Jean-Paul Belmondo) que acaba de roubar um carro e matar um polícia. Perseguido pelas autoridades, ele tenta convencer a sua namorada americana (Jean Seberg) a ir para a Itália.

"Uma experiência louca: não havia luzes, nem maquilhagem, nem som [profissional]", recordou anos depois Jean Seberg .

"Mas era tão contrário à maneira de trabalhar em Hollywood que ficou muito natural", acrescentava.

O filme tornou-se a bandeira da 'Nouvelle Vague' do cinema e foi uma verdadeira declaração dos princípios de Godard. Uma longa-metragem cheio de referências culturais, com uma montagem agitada, música repetitiva, bares, carros, hotéis...

A caminhada de Belmondo e Seberg pelos Campos Elísios, ela vendedora do jornal New York Herald Tribune, ele com um cigarro entre os lábios, é uma cena antológica.

O filme recebeu o prémio Jean-Vigo em 1960 e Godard ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim.

"O Desprezo" (1963)

"O Desprezo"

A mulher (Brigitte Bardot) de um argumentista (Michel Piccoli) distancia-se do seu marido e confessa o seu desprezo durante os preparativos de um filme, no qual o realizador de cinema Fritz Lang também participa, interpretando-se a si mesmo.

É o sexto filme de Jean-Luc Godard e o seu maior sucesso, em grande parte graças à carga erótica da estrela do momento, Brigitte Bardot.

Durante a rodagem de "O Desprezo", "BB" é assediada pelos paparazzi. Os produtores querem a todo custo que ela apareça nua. JLG acaba por ceder, em parte. Adiciona ao filme uma sequência que se tornou outro ícone da história do cinema: Bardot, na cama, pergunta ao seu marido sobre qual a parte do seu corpo que prefere: "Você gosta do meu rosto? Da minha boca? Dos meus olhos? Do meu nariz? Das minhas orelhas?".

O filme é uma adaptação de um romance de Alberto Moravia e passa-se na Casa Malaparte, que o escritor Curzio Malaparte construiu às margens do Mediterrâneo, em Capri. Segundo Piccoli, trata-se de uma obra extremamente autobiográfica.

Godard era casado na época com a atriz Anna Karina. Eles separaram-se em 1965.

"Pedro, O Louco" (1965)

"Pedro, o Louco"

JLG dirige Anna Karina pela sexta vez. O fenómeno da Nouvelle Vague já começa a declinar e Godard, mais livre do que nunca, roda um filme de cores brilhantes, um verdadeiro festival de fogo de artifício.

Pierrot (novamente Belmondo) é um homem que deixa tudo para trás para fugir com Marianne (Anna Karina), uma velha amiga com quem se cruza novamente por acaso.

O filme é um "road movie" em que se misturam tráfico de armas, grandes conversas sobre amor, tudo filmado com insolência, mesclando tomadas de grande angular e conversas surrealistas.

O filme foi proibido para os menores de 18 anos na França por "anarquismo intelectual e moral". Décadas depois, realizadores como Quentin Tarantino e Leos Carax reconheceram a influência do filme sobre a sua obra.

... e o resto

Jean-Luc Godard rodou 125 filmes, entre longas e curta-metragens, obras de ficção e documentários.

Outros filmes de destaque são "O Soldado das Sombras" (1963), "Viver a Vida" (1962), "Alphaville" (1965), "Eu vos Saúdo, Maria" (1984).

Este último filme, uma visão moderna da virgindade de Maria, provocou polémica em países católicos, que organizaram protestos em frente aos cinemas onde era exibido.