O realizador são-tomense Silas Tiny, produtor do premiado documentário “Constelações do Equador”, exibido esta terça-feira no DocLisboa, considera que as fotografas das crianças esfomeadas do Biafra aceleraram o seu auxílio, mas deram uma imagem negativa do continente.

Em declarações à agência Lusa, o realizador congratulou-se com a apresentação do filme nas salas de cinema portuguesas, depois de este documentário sobre a guerra do Biafra (1967-1970) ter sido distinguido com o Prémio Especial do Júri da Competição Internacional do Festival de Sheffield - DocFest 2021, em junho deste ano.

Natural de São Tomé e Príncipe, país determinante na ajuda humanitária ao povo biafrense, dada a sua posição geográfica que permitiu o estabelecimento da primeira ponte aérea de iniciativa civil, responsável pelo resgate de milhares de crianças da morte certa, Silas Tiny considera que este conflito, “com o passar do tempo, foi completamente esquecido, tanto na memória africana, como europeia”.

Localizado no sudeste da Nigéria, o estado do Biafra foi proclamado pelo coronel Chukwuemeka Odumegwu (Emeka) Ojukwu, em 30 de maio de 1967, desencadeando um ataque das forças armadas nigerianas, acompanhado de um bloqueio que impediu o acesso a alimentos, medicamentos e armamento.

O conflito resultou em cerca de três milhões de mortos e uma crise humanitária sem precedentes no continente africano.

O mundo ocidental acordou para a tragédia, em parte devido às imagens de crianças que sobreviviam num ambiente muito atroz, famélicas e com um olhar sem esperança, as quais Silas Tiny encontrou retratadas nos arquivos em São Tomé e Príncipe, a par de testemunhos que contribuíram para “Constelações do Equador”.

Constelações do Equador

O filme foi preparado no arquivo digital de São Tomé na Fundação Mário Soares, em Lisboa, tendo como centro uma pasta contendo vistos de centenas de crianças retiradas da República do Biafra para a ilha de São Tomé durante a guerra do Biafra.

Quando Silas Tiny chega ao Arquivo Histórico de São Tomé, teve a oportunidade de ver e tocar nas fichas das crianças refugiadas que tinha visto em versão digital em Lisboa e também o diagnóstico de cada uma, ao dar entrada e ao sair.

“A ponte aérea terminou com a rendição incondicional do Biafra e a ilha despediu-se das vítimas depois de ter posto todos os seus esforços à disposição para dar um horizonte às crianças”, refere o realizador na apresentação da obra, produzida pela Divina Comédia, com o apoio do Instituto de Cinema e do Audiovisual (ICA).

À Lusa, o realizador afirmou que estas imagens – ainda tão presentes na memória de muitos portugueses, e não só, - tiveram um impacto a dois níveis. Por um lado, “foram vitais para dar o sentido de urgência e para salvar as pessoas que estavam à beira da morte”.

Mas, por outro, e após conflitos seguintes também terem recorrido à utilização de imagens do mesmo conteúdo para expor a situação, principalmente junto da comunidade internacional, levou a uma associação quase permanente do continente a atrocidades como a pobreza extrema e crianças sem esperança.

“A utilização das imagens, que eram muito atrozes, muito difíceis, tinha dois pressupostos. Um deles era fazer uma pressão sobre o Governo nigeriano, por parte das forças biafrenses, para que eles pudessem ceder e o mundo pudesse ver o que estavam a passar, que era uma coisa bastante difícil”, disse.

Por outro lado, acrescentou, “essas imagens transformaram-se quase automaticamente como um ponto de vista sobre todos os conflitos africanos”, uma “espécie de bíblia de imagens que depois foram quase que repetidas em outros conflitos africanos e que marcou muito depressivamente a imagem que se tinha de África”.

Ao mesmo tempo, “se não fossem estas imagens, possivelmente não tinha havido uma pressão muito grande e esta urgência na construção da ponte aérea e este auxílio ao povo biafrense”, prosseguiu o realizador, que vive em Portugal desde os cinco anos.

Aos 29 anos, Silas Tiny, que assinou outras produções documentais, como "O Canto de Ossobó” (2018) e "Bafatá Filme Clube" (2013), continua a trabalhar em temas ligados a São Tomé e Príncipe e na sua primeira longa-metragem de ficção, para a qual espera obter em breve financiamento.

“Constelações do Equador” é exibido durante o DocLisboa, na qual irá integrar a competição nacional.

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