O documentário “Salvo pela Língua,” que narra como uma criança judia bósnia se salvou do Holocausto por falar ladino, será apresentado à comunidade judaica portuguesa na quinta-feira, em Lisboa, disse esta quarta-feira um dos produtores do filme.
“Eu morei em Sarajevo, na Bósnia, entre 2000 e 2001, e foi lá que conheci o senhor Moris Albahari, que me contou como utilizou o ladino para salvar a sua vida durante a II Guerra Mundial”, declarou à Lusa Susanna Zaraysky, uma das produtoras e realizadoras do documentário.
A produtora afirmou que Moris Albahari lhe contou que tinha apenas 11 anos e estava com a sua família e outros judeus jugoslavos num comboio com destino aos campos de extermínio nazis, quando escapou com a ajuda de um coronel italiano, com quem se comunicou em ladino.
O ladino é uma língua falada pelos judeus sefarditas, originários da Península Ibérica, que foram expulsos da região por portugueses e espanhóis no século XV e XVI.
“O filme é um documentário de 53 minutos, falado em inglês e ladino com legendas em português. O protagonista do filme é o Moris Albahari”, sublinhou a realizadora.
“Também há outros três falantes do ladino no filme (David Kamhi, Erna Debevec Kaveson e Jakob Finci), que abordam a influência da língua nas suas vidas e a nostalgia que têm pela língua, pelas músicas e a cultura sefardita”, acrescentou.
O documentário foi filmado em Sarajevo, entre 2012 e 2014, e lançado em janeiro de 2015, tendo sido já exibido em vários países, como Bósnia, Estados Unidos, Brasil, Bulgária, Cuba, entre outros.
“Agora, no mundo, perdemos uma língua praticamente a cada duas semanas. Quando perdemos uma língua, perdemos a história, a cultura, o conhecimento de medicina, as ervas, a cozinha”, disse Susanna Zaraysky, que é professora de línguas e fala oito idiomas, inclusivamente português e espanhol.
Para a produtora, “no caso do ladino, é mais fácil salvar a língua porque é muito parecida ao espanhol moderno”.
“Não é importante salvar o ladino só pelos judeus, mas também pelos espanhóis (e portugueses) porque o ladino, sem as palavras novas do hebreu, turco, grego, sérvio e de outras línguas que foram adicionadas quando os judeus foram expulsos da Península Ibérica, é o espanhol falado na Espanha do século XV”, declarou.
“Ao nível linguístico e histórico, é importante salvar a língua para saber como se falava em Espanha (na Península Ibérica) e que, por exemplo, sons como o "v" existiam e já não aparecem no espanhol de hoje”, argumentou, sublinhado que a língua faz parte da identidade de um povo.
Susanna Zaraysky disse que é importante notar que, no documentário, Moris Albahari abordou como Sarajevo é uma "pequena Jerusalém", com várias religiões a viver juntas (católicos, cristãos ortodoxos, muçulmanos e judeus).
“As orações cristãs, muçulmanas e judaicas são iguais e nós somos todos irmãos. Na época dos mouros (entre os séculos IX e XV), havia uma boa coexistência na Península Ibérica entre as três religiões”, disse a realizadora.
O filme "Salvo pela Língua" será apresentado na quinta-feira, na biblioteca Doutor Elias Baruel na sinagoga, em Lisboa, para a comunidade judaica e Susanna Zaraysky estará presente no evento.
De acordo com a realizadora, que dirigiu e produziu o filme com Bryan Kirschen, a partir de 27 de janeiro o documentário poderá ser visto pelos interessados no tema na rede social Youtube.
Susanna Zaraysky nasceu na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e mora atualmente nos Estados Unidos. Já viajou por mais de 50 países e ensina línguas através da música, tendo escrito sobre o tema o livro "Língua é Música (Language is Music)", entre outras obras.
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