Em Lisboa, a Festa do Cinema Italiano decorre entre 29 de março e 6 de abril, tendo como espaços principais os cinemas São Jorge e El Corte Inglês, além da Cinemateca Portuguesa, e outras atividades extra cinematográficas espalhadas pela cidade. Partes da programação chegam também a outras nove cidades portuguesas até ao final de maio.
O SAPO Mag conversou com o diretor da Festa, Stefano Savio, sobre as novidades deste ano, a começar pelo filme de abertura: com uma grande variação ao longo dos anos, onde se prioriza ora algo mais acessível, ora filmes mais experimentais, a escolha recaiu em “L'immensità - por Amor”, que parece juntar as duas coisas: o enredo anda à volta de uma adolescente a viver uma crise de identidade de género, enquanto é acompanhada pela mãe, vivida por Penélope Cruz.
A história baseia-se na experiência do próprio realizador Emanuele Crialese, que declarou ter nascido mulher na última edição do Festival de Veneza.
Conforme lembra o diretor da Festa, Crialese apareceu no momento do ressurgimento do cinema italiano, no início do século XXI, e era um dos seus nomes mais promissores, ao lado de Paolo Sorrentino e Matteo Garrone. Sem filmar desde 2013 por problemas pessoais, ele agora retorna com aquilo que Stefano Savio define como um projeto “muito caloroso, muito poético - misturando, ao mesmo tempo, o desejo de alcançar um público mais amplo como uma carga pessoal muito forte”.
Toni Servillo, o “workaholic”
A grande estrela do evento deste ano é Toni Servillo, o ator celebrizado internacionalmente pela parceria com Sorrentino em obras como "As Consequências do Amor", "Il Divo - A Vida Espectacular de Giulio Andreotti", “A Grande Beleza”, "Silvio e os Outros" e "A Mão de Deus".
Foi difícil trazer o ator?
“Bom, estivemos a tentar durante 16 anos!”, diz Savio.
O facto é que Servillo é conhecido justamente por ser um “workaholic” [trabalhador compulsivo] e a maneira de o trazer envolveu também a vinda da peça “A Voz de Dante”, apresentada no teatro Maria Matos, na qual ele declama versos da “A Divina Comédia”.
O ator estará assim presente também na sessão de encerramento de “A Estranha Comédia da Vida”, e ainda na apresentação de “L'uomo in più"”: no primeiro, ele encarna Luigi Pirandello, o grande dramaturgo do início do século XX numa comédia dramática; o segundo, de 2001, é a estreia pouco conhecida na realização de Sorrentino e onde se dá o grande arranque da carreira de ambos.
Elio Petri, o político
Outro grande destaque é a retrospetiva dedicada a Elio Petri (1929-1982), um dos realizadores italianos mais políticos dos anos 60 e 70, e cujos destaques na sua filmografia incluem “Investigação a um Cidadão acima de Qualquer Suspeita” e “A Classe Operária vai ao Paraíso”.
Segundo Stefano Savio, talvez resida aí, inclusive, o facto de ele hoje não ser tão conhecido como os seus famosos pares da altura - contribuindo para isso sua morte prematura em 1982, com 53 anos. A partir daí, houve uma “espécie de cancelamento” da sua obra.
“É importante, depois de muitos anos de escapismo e de um cinema que não quer se comprometer com o mundo que está a viver, redescobrir essa faceta do Petri, um realizador que falava da sua contemporaneidade. Ele não tinha medo de enfrentar o seu presente”, observa o diretor da Festa.
Chapéus de sol a caminho do cinema
Tem a sua graça especial o cartaz da Festa do Cinema Italiano desde ano: chapéus de sol amontoam-se em primeiro plano, com o azul do mar ao fundo. Mas que ninguém se engane: conforme estabelece o diretor da festa, eles “também” estão a caminho do cinema!
A ideia, segundo ele, foi inspirada na exposição dedicada a Luigi Ghirri (“Obra Aberta”), atualmente quase um astro “pop” em Itália e cujas fotos serão exibidas no Centro Cultural de Belém.
Ao mesmo tempo, demonstram esse tempo de mudança de temperatura da altura do festival - onde o calor ainda não chegou, mas pressente-se já um novo clima de fim de inverno.
“Aqui temos uma procissão rumo ao cinema nesta tela que é o mar”, brinca.
Fascistas, bibliófilos e mestres
Mark Cousins, muito conhecido pelas suas gigantescas “histórias do cinema”, agora debruça-se sobre a famosa “Marcha sobre Roma”, peça de propaganda que serviu de apoio à ascensão de Mussolini ao poder, em 1922.
O realizador irlandês faz uma análise detalhada da representação não só dos fascismos antigos (o Estado Novo português incluído), como também chega aos circos mediáticos de atores da política contemporânea, nomeadamente Giorgia Meloni, a atual primeira-ministra italiana.
Para além do cinema, um dos grandes objetivos do festival sempre foi diversificar os temas e as formas de expressão.
Assim, a literatura e a questão das bibliotecas surge em “Umberto Eco - la Biblioteca del Mundo”. Um dos grandes eruditos mundiais, o escritor falecido em 2016 deixou um espólio de 30 mil livros e 1500 obras raras e antigas. O tema é abordado por Davide Ferrario, que trabalhou com ele numa Bienal do Festival de Veneza.
Outro destaque é a vinda do cineasta Francesco Zippel, autor do documentário “Sergio Leone - L’Italiano che Inventò l’America”, que reúne um universo assinalável de devotos do grande mestre do “western spaghetti”, cujas obras (“Por um Punhado de Dólares”, “O Bom, o Mau e o Vilão”, “Aconteceu no Oeste”) continuam imperdíveis. E Quentin Tarantino, Martin Scorsese, Steven Spielberg, Clint Eastwood e Dario Argento, entre outros, testemunham a paixão pelo seu cinema.
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