"Tito e os Pássaros" é um projeto brasileiro que traz um tema atualíssimo, a cultura do medo difundida pelos meios de comunicações, embalado para as crianças – convertendo o filme ora em algo assustador ora numa história de aventura – particularmente quando ganha uma banda sonora à Hollywood para nunca perder o público infantil.

“Não queríamos que as crianças saíssem a chorar das salas”, brinca o animador Gabriel Bitar, um dos realizadores.

O personagem-título e os seus amigos enfrentam uma terrível epidemia de medo na cidade e tentam usar um invento tecnológico para combatê-la. Enquanto o filme retrata, de um lado, a solidão nas grandes cidades, os pássaros entram com uma representação de um passado comunitário, mais coletivista e unido – ao mesmo tempo que permite aos realizadores (além de Bitar, assinam Gustavo Steinberg e André Catoto) explorar os seus simbolismos ambíguos – que vão da representação da paz ao medo da transmissão de doenças.

A televisão e a cultura do medo

Não por acaso, o grande vilão de "Tito e os Pássaros" é um apresentador televisivo que, para além de passar o dia a massacrar o seu público com notícias de desgraças (qualquer semelhança com o mundo real não é mera coincidência), ainda gere uma empresa de condomínios fechados e sistemas de segurança.

“Há sempre muita gente que acaba a lucrar com este tipo de situação”, relembra Gabriel Bitar, que acrescenta: "A televisão faz parte deste mercado de fomentar a violência; no Brasil até tivemos assassinatos ‘televisionados’. A pessoa está a jantar e a assistir a isso”.

Gabriel Bitar, curiosamente, começou como desenhador de retratos falados para as notícias de crimes na TV Record, precisamente um dos canais brasileiros mais notórios pela exploração deste tipo de material. Ele hoje ri-se do facto: “O filme é o meu pedido de desculpas!”.

A ênfase colocada nestes eventos trágicos é de tal ordem que modifica a perceção que as pessoas têm da realidade, como observa Bitar: “Em São Paulo, se paramos num semáforo temos uma tendência a fechar o vidro por medo de assaltos. Mas o número de vezes que se pode ser assaltado é infinitamente menor do que as ocasiões em que para no semáforo. A violência existe, mas a maior parte é um medo injustificado, imaginado.”

A inspiração de Donald Trump e a política do medo

Passado no Brasil, a realidade retratada não se restringe às fronteiras do país.

“Na Europa existe o medo dos refugiados, do terrorismo. Se formos dar atenção a isso não saímos de casa”, salienta o realizador.

Este é precisamente o fenómeno que "Tito e os Pássaros" retrata: pessoas enclausuradas e solitárias, agarradas aos seus equipamentos eletrónicos e com medo de sair à rua.

A produção começou há quase dez anos e foi a figura empresarial de Donald Trump que inspirou o vilão. Nesta altura não havia a sombra da sua ascensão política ou a de Jair Bolsonaro no horizonte, mas o filme veio a ganhar com isso pois ocorreu precisamente em cima de um ambiente de paranoia generalizada, uma atualidade sinistra.

“Nós costumamos dizer que o mundo perdeu, mas o filme ganhou”, confirma Gabriel Bitar.

A estética do medo: a pintura expressionista

A primeira fase do Expressionismo, decorrida a partir do final do século XIX, foi a grande fonte de inspiração para o belo visual do filme – que, como explica o cineasta, tanto serviu para fins expressivos quanto para possibilitar contar a história com um baixíssimo orçamento.

George Grosz, as gravuras de Kathe Kölwitz e, especialmente, os trabalhos de Chaim Soutine, foram uma das bases: "Quando buscamos inspiração não queríamos ver outras animações. Então, pesquisámos na pintura aquelas tendências que mais se adequavam à representação do medo e encontrámos os expressionistas”.

Bitar explica que “há uma série de quadros de Soutine que retratam uma escadaria ao longo de vários anos. Progressivamente, elas vão perdendo os seus contornos e as últimas representações das escadarias são quase abstratas. Assim, guardaram-se os traços mais distorcidos para os momentos mais tensos dos filmes, onde os próprios ângulos recebem variações”.

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