Protagonizado pelo ator e cantor Seu Jorge, "Marighella" revisita os últimos cinco anos (1964-1969) da vida de Carlos Marighella, membro do Partido Comunista e líder de um dos primeiros grupos de resistência armada contra a ditadura militar. O líder foi morto por agentes do Exército.

Numa conferência de imprensa no Festival de Berlim, Wagner Moura explicou os motivos que o levaram a assinar a sua primeira longa-metragem - selecionada fora de competição no certame - e como imagina que será sua receção no Brasil.

AFP: Porque decidiu realizar um filme sobre Carlos Marighella?
Wagner Moura: A biografia de Marighella tinha sido lançada em 2012 e as histórias de resistência no Brasil sempre me fascinaram. A Revolta dos Malês, na Bahia, o meu estado de origem, os protestos contra a ditadura... Especialmente isso, porque nasci em 1976. Mas a minha geração era muito diferente da que lutou. Estava alienada. Esses meninos que agora vão às ruas se parecem muito mais com a geração de 1964 que a minha.

O que é que Jair Bolsonaro tem que ver com rodar "Marighella"?
Filmámos durante [o governo do ex-presidente Michel] Temer. Então Bolsonaro era uma espécie de piada. Ninguém acreditava [que fosse chegar ao poder]. Não quero que este filme seja uma resposta a Bolsonaro. Mas certamente é um dos primeiros produtos culturais abertamente contrários ao que ele representa. Ele mesmo criticou o filme antes de chegar à Presidência.

De que forma é que o argumento é fiel à veracidade dos factos?
Estava claro que tinha de ser um filme, já tem muitos documentários sobre o Marighella. Portanto, há muitas situações e personagens que não existiram, mas a alma do filme tem fundamento sólido.

Marighella
Marighella

Como pensa que será a recepção no Brasil?
Imagino que o filme será criticado pela direita, mas também pela esquerda, que vai garantir que não foi exatamente assim que aconteceu. Estou preparado para tudo, inclusive para que vaiem e joguem lixo na tela. Até para ser agredido fisicamente.

A estreia no Brasil está garantida?
Quero que o filme saia o quanto antes. Mas é um problema. As distribuidoras não têm data, têm medo da reação do governo. O facto de estar na Berlinale e de atrair atenção internacional deve facilitar as coisas.

Como é que o filme aborda o debate sobre o termo "ditadura", num contexto em que algumas pessoas no Brasil falam agora em "regime autoritário"?
Essa é a chave, o relato. O presidente do Supremo Tribunal Federal [o ministro Dias Toffoli] disse que não houve golpe de Estado [em 1964], mas um movimento. O primeiro passo é a mudança semântica, é dizer 'não foi tão ruim'. Todos os governos fascistas começam na semântica. Este filme existe para dizer que a ditadura foi horrível.

Qual é o discurso narrativo do filme?
Que a resistência é importante na história e que os cidadãos têm o direito e a obrigação de resistir às ditaduras, aos Estados violentos e aos que não respeitam os cidadãos.

Carlos Marighella é um antídoto contra Pablo Escobar?
As personagens do filme são complexas. Eu não pretendo defender o Marighella. Não é um filme de bonzinhos e vilões, embora pessoalmente não possa não me identificar com os revolucionários. Quero fazer filmes nos Estados Unidos que não reforcem os estereótipos latinos, especialmente depois de interpretar Escobar, como o que estou rodando agora sobre um diplomata brasileiro assassinado no Iraque.