A HISTÓRIA: Vinte e nove anos depois de vencer seu primeiro Tour Championship, o jogador de golfe reformado Happy Gilmore regressa para conseguir ganhar dinheiro para pagar as mensalidades da escola de ballet da filha, com o mau feitio de sempre.

"O Maluco do Golfe 2": na Netflix desde 25 de julho.


Crítica: Manuel São Bento
(Aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).

Existem filmes que, independentemente da sua qualidade cinematográfica, conquistam um lugar muito especial no coração do público. "O Maluco do Golfe" (1996), protagonizado por Adam Sandler e escrito em parceria com Tim Herlihy, é um desses casos. Tal como muitas das comédias de Sandler nos anos 1990 e início dos 2000, a obra não se destacou propriamente pela sofisticação narrativa ou por uma realização notável, mas pela sua entrega descomprometida ao humor absurdo e caricatural, recheado de frases inesquecíveis e situações ridiculamente hilariantes. É este espírito nostálgico que faz com que, quase três décadas depois, "O Maluco do Golfe 2" chegue ao catálogo da Netflix como mais um exemplo da crescente vaga de "legacy sequels": continuações tardias de clássicos do cinema, que apelam tanto à memória afetiva dos fãs como à sede comercial dos estúdios.

Desta vez, a realização ficou a cargo de Kyle Newacheck ("Mistério a Bordo") e o argumento mantém-se nas mãos dos criadores originais, o que ajuda a preservar a identidade do primeiro filme. Sandler regressa ao papel de Happy Gilmore, agora mais velho mas nem por isso mais maduro, juntando-se a um elenco repleto de novas personagens, participações especiais surpreendentes e, claro, alguns rostos familiares.

No centro da narrativa, Happy encontra-se afastado da ribalta do golfe, vivendo uma vida relativamente tranquila, mas com o seu temperamento impulsivo e vícios escondidos mais vivos do que nunca. Um convite inesperado para regressar a uma versão do circuito profissional profundamente transformada pela tecnologia, redes sociais e novas figuras excêntricas, força-o a lidar com o conflito entre tradição e modernidade, entre o golfe "raiz" e o espetáculo digitalizado. É aqui que "O Maluco do Golfe 2" desenvolve, de forma surpreendentemente eficaz, um tema central: a luta entre o passado e o presente, a preservação da essência de algo numa era dominada por tendências exageradas guiadas motivadas por puro "engagement".

Esse choque geracional está bem vincado nas sequências que mostram Happy a confrontar as novas estrelas do golfe, muitas delas claramente inspiradas por "influencers", "streamers" e outras celebridades da cultura pop atual. "O Maluco do Golfe 2" ridiculariza, com alguma astúcia, a superficialidade e a teatralidade dos tempos modernos, sem nunca perder o seu tom descomprometido. É neste equilíbrio que reside grande parte da diversão.

créditos: Netflix

A herança do humor do primeiro filme mantém-se intacta, com Sandler a recuperar os seus acessos de fúria icónicos e a transformar objetos inesperados em esconderijos criativos para álcool - desde bolas de golfe a pepinos, tudo serve para esconder o vício. Esta constante reinvenção de uma piada recorrente nunca perde o fator surpresa, oferecendo alguns dos momentos mais hilariantes da sequela. A irreverência e violência quase infantil que marcaram o original também estão presentes, agora transmitidas de forma "genética" aos filhos do protagonista, que protagonizam algumas das cenas mais engraçadas ao imitarem os impulsos descontrolados do pai - inclusive aquelas em que qualquer objeto fálico serve de desculpa para uma cavalgada ridícula.

Para os fãs mais atentos, "O Maluco do Golfe 2" encontra-se recheado de referências diretas ao original: desde recriações de cenas clássicas a citações célebres que se tornaram virais nas décadas seguintes. No entanto, estas piscadelas ao passado não se tornam excessivas ou gratuitas, surgindo naturalmente no fluxo da narrativa e servindo para reforçar a ligação emocional com a primeira obra.

Do lado negativo, o visual demasiado polido típico das produções da Netflix permanece uma grande distração. A iluminação uniforme, os cenários quase estéreis e a pós-produção digital exagerada tiram alguma da autenticidade crua que caraterizava os filmes de comédia dos anos 1990. Embora este fator não arruíne a experiência, contribui para uma sensação de artificialidade que contrasta com o espírito espontâneo que o argumento pretende transmitir.

Como eles próprios:Rory McIlroy, Bryson DeChambeau e Brooks Koepka com Adam Sandler créditos: Netflix

Mas talvez o elemento mais inesperado de "O Maluco do Golfe 2" seja a verdadeira avalanche de "cameos". Desde personalidades do desporto a lutadores da WWE, passando por músicos, estrelas de Hollywood, figuras da política e até nomes do mundo do "podcasting" e do jornalismo digital - como Sean Evans ("Hot Ones") e o duo do podcast "Bad Friends" - o filme quase que se transforma numa espécie de "Quem é Quem?" do entretenimento moderno. Embora muitas destas participações especiais provoquem um (sor)riso ocasional, a frequência e o volume com que aparecem tornam-se um pouco avassaladores, especialmente para os espectadores que não reconhecem todas as figuras. Ainda assim, há algo de deliciosamente caótico nesta abordagem que condiz com o tom anárquico da obra.

Apesar de toda a palhaçada, "O Maluco do Golfe 2" consegue introduzir algumas reflexões simples mas eficazes sobre amor, perda e família. A dinâmica entre Happy e os seus filhos - ou entre ele e as figuras que representaram um papel importante no seu passado - revela-se, por vezes, surpreendentemente tocante, nomeadamente o motivo principal que o faz regressar à relva. Claro que estes momentos são breves e frequentemente interrompidos por uma piada tonta ou uma queda aparatosa, mas não deixam de acrescentar alguma humanidade a um filme que, à partida, não tinha qualquer obrigação de o fazer.

Conclusão

"O Maluco do Golfe 2" cumpre com aquilo que promete: ser uma comédia leve, nostálgica e divertida, pensada especialmente para quem cresceu com os obras mais disparatados de Adam Sandler. Não reinventa a roda, nem tenta esconder os seus clichés ou limitações. Pelo contrário, abraça o absurdo, celebra o legado do original através de argumento cheio de "callbacks" e um elenco que parece divertir-se tanto quanto o público. Para fãs de longa data, é um regresso reconfortante ao mundo de um dos malucos mais adoráveis do cinema. Para os restantes, é mais uma comédia Sandler: se não for a vossa praia, pouco aqui vos vai convencer do contrário. Mas se tiverem saudades daquele humor desenvergonhadamente parvo dos anos 1990, então esta sequela é como um velho amigo a bater-vos à porta com uma cerveja escondida num taco de golfe.