A HISTÓRIA: Um professor rabugento de uma prestigiada escola americana é obrigado a ficar no campus durante as férias de Natal para cuidar dos poucos alunos que não têm para onde ir. Entretanto, ele cria uma improvável amizade com um desses alunos - um jovem problemático e inteligente- e com a cozinheira-chefe da escola, que acabou de perder um filho no Vietname.

"Os Excluídos": nos cinemas a partir de 14 de fevereiro.


Crítica: Francisco Quintas

Ao contrário do que acontece na vida real, no cinema as pessoas mudam. Se o escritor for bem-sucedido, as circunstâncias e as relações interpessoais que fomentam essa mudança – o chamado “arco de personagem” – tornam-se convincentes num curto espaço de tempo. Afinal, que contexto é suficiente para provocar uma rutura nos comportamentos e convicções de alguém?

São raríssimos, por conseguinte, os contadores de histórias que, quais malabaristas, aprofundam o desenvolvimento da sua personagem principal enquanto, por mais contraditório que pareça, vincam a ideia de que certos e determinados traços de personalidade permanecem inalteráveis. Graças a obras como “Os Descendentes” (2011) ou “Nebraska” (2013), o realizador Alexander Payne provou, neste sentido, ser um dos talentos raros de Hollywood.

Agora com “Os Excluídos”, a sua mais recente “dramédia”, a constar nos nomeados aos grandes prémios da Sétima Arte, volta a brilhar atrás da câmara com uma fenomenal direção de atores e um guião perspicaz, de um gigante (e hilariante) sentido de humor e todas as lições a extrair sobre estrutura narrativa.

Da autoria de David Hemingson, com uma longa experiência em comédia de televisão (e uma estreia em cinema de bradar), o texto corrobora o conforto da melancolia invernal deste despovoado colégio interno, assim como o fosso psicológico de cada personagem e as farpas verbais que reservam umas às outras. A direção de fotografia de Eigil Bryld insiste numa paleta de cores bege e de amarelos insípidos, o que sustenta a estética clássica de “dramédias” americanas dos anos 70, tal como a película desgrenhada e riscada. A banda sonora, por sua vez, é uma delícia separada, na forma de Shocking Blue, Cat Stevens e The Chamber Brothers, só para nomear alguns.

Superando o requinte técnico e o humor sarcástico, frenético e, por vezes, negro, é admirável como “Os Excluídos” se revela um pretexto perfeito para trabalhar temas como solidão, ressentimento, saúde mental, luto, parentalidade e redenção. No lugar de um típico conto natalício que nos aqueceria o coração que nem uma manta grossa e felpuda, o filme apresenta-se, antes, na forma de um abraço constrangido e demorado, quase macambúzio, a abarrotar de um sentimentalismo caducado, que nunca se sabe expressar.

As interpretações estão entre as melhores do ano. Não é surpreendente a aclamação que os atores têm recebido, para não falar da facilidade em nos esquecermos de que assistimos a um filme, e não à vida real, tão bizarra e tragicómica como ela consegue ser.

Com décadas de uma respeitadíssima carreira em todos os formatos, Paul Giamatti talvez tenha chegado a um cúmulo profissional. Sobretudo na transição de professor rígido, inflexível e ressabiado para o homem minúsculo e subestimado que se enfurece com alunos desobedientes, o ator mostra-se brilhante e inesquecível.

Já Da’Vine Joy Randolph, com uma insolência astuta, e o estreante Dominic Sessa, com o seu inconformismo juvenil, contrabalançam a gabarolice autoritária deste professor, sem jamais o realizador e o guionista se esquecerem dos dramas individuais que sobrevoam as personagens secundárias, quais nuvens negras. Por outro lado, sobrevoa também a dúvida de como seriam seladas relações entre outras personagens se o filme não estivesse tão apressado em removê-las da equação.

Em sua defesa, o filme, que se movimenta muito bem e vai direto ao assunto, tem um objetivo claro e concreto. Por via de arcos de personagem, em simultâneo, emotivos e cínicos, “Os Excluídos” é uma inspeção muito honesta àqueles que apontaram o dedo ao mundo e aos outros por demasiado tempo e se recusaram a assumir ressabiamentos e erros crassos. No fim do dia, há coisas que não mudam. Mas vamos sempre a tempo.