Warfare
A HISTÓRIA: Após a Batalha de Ramadi em 2006, um pelotão de fuzileiros americanos na casa de uma família iraquiana supervisiona o movimento das forças dos EUA através do território insurgente. Uma história visceral e realista da guerra moderna, contada como nunca antes: em tempo real e com base na memória das pessoas que a viveram.
"Warfare": inédito nos cinemas portugueses. A aguardar lançamento nos videoclubes.
Crítica: Manuel São Bento
(Aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).
Alex Garland, conhecido pelas suas abordagens provocadoras em obras como "Ex Machina" e "Guerra Civil", junta forças com o veterano de guerra Ray Mendoza para realizar um dos seus projetos mais ambiciosos até à data.
Com um argumento redigido pelos próprios, "Warfare" tem como principal objetivo retratar com o máximo realismo possível uma missão de vigilância militar que rapidamente descamba numa operação de sobrevivência e resgate. O elenco interpreta exclusivamente soldados envolvidos numa missão que decorre em tempo real, onde cada minuto, cada decisão, cada passo conta… literalmente.

Mais do que um filme tradicional, "Warfare" assume-se quase como uma experiência cinematográfica documental. Desde o primeiro momento, é evidente que os cineastas não estão interessados em dramatizar a guerra ao estilo clássico de Hollywood. Não há grandes discursos inspiradores, nem heróis idealizados. Existe apenas a sujidade, o sangue, o ruído, o desconforto e a longa espera de uma operação que, como na vida real, se revela muitas vezes repetitiva e monótona… até deixar de o ser. E é precisamente nessa mudança súbita – um mero minuto que altera tudo – que a obra ganha uma intensidade que não deixará nenhum espectador indiferente.
O compromisso com o realismo é, ao mesmo tempo, a maior força e a maior limitação de "Warfare". Por um lado, é fascinante testemunhar um nível tão elevado de autenticidade: vários momentos em que sustemos a respiração, completamente engolidos pela tensão palpável que preenche o ecrã. Garland e Mendoza constroem um ambiente claustrofóbico, onde o som de cada bala, o eco de cada explosão e o silêncio entre os confrontos carregam mais emoção do que muitos diálogos em 'blockbusters' de ação convencionais.
Por outro lado, essa mesma dedicação sacrifica elementos que tradicionalmente ajudam o público a conectar-se com uma narrativa. A ausência de uma história com princípio, meio e fim bem definidos, de personagens com arcos emocionais claros, ou de qualquer estudo temático mais profundo, torna a visualização numa experiência difícil e, para muitos, potencialmente frustrante. Não é um filme que procura entreter, mas sim imergir. O final abrupto, sem catarse emocional ou conclusão narrativa "normal", é a prova definitiva disso mesmo: "Warfare" não procura ser um épico de guerra, mas sim um retrato cru de uma missão militar como tantas outras que já aconteceram… e continuarão a acontecer.

Do ponto de vista técnico, a produção sonora é, de longe, o elemento mais imersivo da obra. Cada disparo parece trespassar a sala de cinema e cada explosão faz tremer o peito dos espectadores. O "show of force" aéreo – com caças a sobrevoar zonas hostis a poucos metros do chão – é particularmente memorável, conseguindo equilibrar o caos visual com uma precisão sonora extraordinária. Trata-se de um trabalho de pormenor quase obsessivo, que demonstra o cuidado da equipa técnica em transmitir a brutalidade da guerra como esta é e não como muitas vezes é romantizada ou estilizada.
A cinematografia de David J. Thompson segue a mesma linha estética: suja, crua, sem limites. A câmara raramente abandona o ponto de vista dos soldados, colada às suas costas ou aos seus rostos suados e sangrentos, mergulhando a audiência diretamente na ação. As feridas são tremendamente grotescas – mais um reflexo claro do compromisso de "Warfare" em não suavizar o horror da guerra. Os planos parecem ter sido cuidadosamente coreografados para parecer que não foram coreografados de todo, transmitindo uma sensação de caos controlado que só os melhores cineastas conseguem alcançar.

Dito isto, a autenticidade levanta questões relevantes do ponto de vista crítico e temático. "Warfare" não se interessa por estudar as razões da guerra, as suas implicações políticas ou morais, nem sequer pela desumanização dos soldados – temas frequentemente presentes em filmes do género. Em vez disso, opta por uma abordagem quase clínica: a missão é esta, aconteceu assim e agora está a ser mostrada da forma mais fiel possível. Por um lado, existe algo de profundamente respeitável nesta escolha – especialmente vinda de Mendoza, cuja experiência pessoal confere um peso incontestável à representação – mas, por outro, sente-se a falta de uma reflexão mais profunda que transcenda o realismo e o transforme em significado.
A ausência de personagens bem definidas também dificulta a empatia. Sabe-se muito pouco – ou quase nada – sobre os soldados que se acompanham. As suas motivações, histórias pessoais e até relações uns com os outros são desconhecidas. E mesmo que isso possa ser interpretado como parte da intenção – mostrar a guerra como um conjunto de rostos anónimos mergulhados no caos – a verdade é que essa escolha acaba por comprometer a ligação emocional com o público.
Apesar disso, "Warfare" não é um fracasso emocional. Simplesmente provoca sensações diferentes das habituais. Em vez de fazer chorar ou vibrar, faz abanar a perna, respirar fundo e observar atentamente. É um exercício de contenção e disciplina, mais próximo do documentário do que da ficção. É também um exemplo de como o cinema pode ser usado como ferramenta de reconstrução e testemunho, mais do que como veículo de entretenimento.

Conclusão
"Warfare" é uma obra que se admira mais do que se desfruta. A sua estrutura anti-narrativa, o ritmo lento e a ausência de figuras centrais fortes tornam-no difícil de rever, mas impossível de ignorar. É uma demonstração a de realismo técnico notável, uma recriação brutalmente honesta de um cenário de guerra e um testemunho do poder do cinema quando este se recusa a seguir as regras convencionais. Alex Garland e Ray Mendoza podem não ter criado uma obra-prima universalmente cativante, mas criaram algo de inegavelmente autêntico. E, por vezes, isso basta.
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