A HISTÓRIA: Frank Crichlow (Shaun Parkes) é o dono do restaurante caribenho Mangrove de Notting Hill, uma animada base comunitária para moradores, intelectuais e ativistas. Durante um período de terror racista, a polícia local invadia Mangrove constantemente, levando Frank e a comunidade local a irem para as ruas num protesto pacífico em 1970.

Quando nove homens e mulheres, incluindo Frank, o líder do Movimento dos Panteras Negras britânicos, Altheia Jones - LeCointe (Letitia Wright) e o ativista, Darcus Howe (Malachi Kirby), são presos injustamente e acusados ​​de incitação a tumultos, segue-se um julgamento mediático, levando a uma vitória difícil para aqueles que lutam contra a discriminação.

"Small Axe - Mangrove": disponível na HBO desde 16 de novembro. Cada episódio é um telefilme. O segundo episódio, "Lovers Rock", está disponível desde 23 de novembro e a crítica será publicada a 30 de novembro.


Crítica: Hugo Gomes

Mangrove, que traduzimos para mangal, não é mais do que um habitat de água salobra num meio tropical onde árvores características – mangues – são responsáveis por formar um ecossistema único com as suas raízes submersas em arco.

Respeitando essa alusão, nos anos 1970 um restaurante no bairro londrino de Notting Hill apropria-se do nome e tornou-se um ambiente de confraternização para a comunidade negra local. E tal como o referido biótopo, de extrema fragilidade devido a “forças invasoras”.

Neste primeiro episódio / filme / telefilme de “Small Axe” (ainda estamos a apurar a natureza) é o estandarte de luta de nove ativistas negros que se manifestam contra o abuso policial que tem sido alvo. Detidos e acusados, muito por via de entranhados preconceitos, o grupo, que ficou conhecido pelos “Nove de Mangrove” conseguiu, judicialmente, sair vitorioso frente à Polícia Metropolitana de Londres.

Materializada por Steve McQueen (o mesmo de “Vergonha” e do vencedor dos Óscares “12 Anos Escravo”), esta história integra-se como a primeira parte de uma antologia produzida pela BBC, que segundo as suas notas de intenção, tem como intuito abordar “pessoas comuns que mostraram coragem, crença e resiliência para superar a injustiça e alcançar algo transformador na sua comunidade.”

“Mangrove” poderá ser iluminado pelos recentes eventos do BLM (“Black Live Matters”) e embora se garanta que a sua produção não usufrui de oportunismo (a produção começou antes), esta convergência episódica coloca-o no centro do debate social e étnico que tem merecido destaque a nível internacional.

Porém, estes filmes (muito bem, acabamos por assumir que “Mangrove” é uma longa-metragem) não se fazem apenas com mensagens e o brandar de armas. E Steve McQueen é Steve McQueen, sem tirar nem por.

Sim, trata-se de uma menção positiva no que refere a separar as águas de cinema e de "mera" televisão. O gesto “autoral”, digamos assim, do realizador neste “Mangrove” está na sua câmara, participativa perante a ação ou, como em muitos casos, fora dela. Acrescentam-se os seus já típicos "travellings" orbitais que transformam personagens em corpos celestes que rodopiam na nossa perceção. A direção do realizador faz-nos acompanhar a fisicalidade dos seus atores, assim como as emoções dos seus rostos.

A técnica de Steve McQueen resgata este "episódio" da linguagem e da formatação de pequeno ecrã. Embora, por oposição, também não faltem muitas produções de "grande ecrã" sem o estofo para se tornarem grandes “espetáculos” (à cabeça vem-nos “Selma”, o equivocado “telefilme” histórico de Ava DuVernay de 2014 que chegou a ir aos Óscares).

O que impede “Mangrove” de se tornar algo mais do que uma experiência passageira é a sua narrativa esquematizada, como mandam os encargos com o selo de "award season" [temporada de prémios], esvaziando o potencial destas personagens, apenas aqui inseridas como elementos de ligação com a História, mesmo que esta esteja presente no nosso dia-a-dia.

Tinha tudo a seu favor, mas faltou ter mais garra criativa e menos dotes de objeto pedagógico e de apontamentos históricos. Pelo menos no primeiro "filme", o “mangal” ficou, por momentos, comprometido.