Sob o lema “Casa para viver, Planeta para habitar”, pelo menos 24 cidades vão sair à rua, no sábado, em defesa da habitação e da justiça climática, respondendo ao apelo de uma plataforma que agrega mais de uma centena de associações e coletivos.

Em Lisboa, a manifestação terá início às 15h00, na Alameda Afonso Henriques, e terminará no Rossio, onde, pelas 18h30, haverá um concerto para o qual a organização convidou os músicos A Garota Não, Luca Argel e Luta Livre (o mais recente projeto de Luís Varatojo), que têm em comum o facto de terem passado a crise da habitação a canção.

“A música deve estar ao lado das pessoas e focar as questões que interessam às pessoas”, realça Varatojo, sublinhando que a habitação é um problema transversal.

“Eu, músico, também tenho uma casa e obviamente não escapo a esse problema”, diz.

Aliás, a canção “Um T0 no Barreiro” (que integra o mais recente álbum de Luta Livre, “Defesa pessoal”) começou a ser escrita há dois anos, o que revela a duração da crise habitacional.

“Não é um problema que tenha aparecido neste momento”, assinala Varatojo, que se dedicou a pesquisar “o que os governos têm dito sobre habitação”, acabando por utilizar na música um excerto de um discurso de António Costa, no qual o primeiro-ministro promete resolver o problema.

“Entretanto, passaram cinco, seis anos, e as coisas continuam na mesma ou se calhar pior”, nota.

Luca Argel tem uma história parecida para contar. Faz já uns cinco ou seis anos que escreveu a música “Gentrificasamba”, onde canta e repete que “a cidade vai virar só hotel para turista”.

A cidade era o Porto – é o Porto, sublinha -, mas a mesma situação estava a acontecer em muitas outras paragens.

“A gente via sítios fechando e virando sempre hotel ou alojamento local”, recorda o músico.

A canção teve tanto sucesso que Argel decidiu incluí-la no álbum “Conversa de fita” (2019).

“Infelizmente, continuo tocando ela nos concertos. Ela continua atual, se calhar ficou até mais atual. Podia ter escrito essa música ontem, podia ter escrito ela por causa da situação do STOP [espaço cultural que a autarquia do Porto quer fechar] ou de outras tantas histórias”, realça.

Luís Varatojo desta vez vai tocar, mas já em 01 de abril – quando a plataforma “Casa para viver” organizou a primeira manifestação nacional – se tinha juntado ao protesto que levou às ruas de Lisboa milhares de pessoas.

“Estou solidário com todas as pessoas que estão a sofrer com este problema. Também é um problema que me toca. Se puder ir para cima do palco e usar a minha voz para que […] tenha mais eco essa reclamação, […] melhor ainda”, congratula-se.

“De qualquer forma iria à manifestação”, sublinha, recordando que está a pagar neste momento quase o dobro do que pagava há dois anos pelo empréstimo da casa.

“É, no mínimo, uma fraude e eu sinto-a na pele”, reconhece.

Recentemente, a causa climática juntou-se à plataforma que organiza a manifestação e à casa somou-se o planeta – assunto ao qual o projeto Luta Livre já tinha dedicado uma música, “O problema é o sistema”, no primeiro álbum.

“Faz todo o sentido. Uma casa para viver e um planeta para habitar são duas questões que estão muito interligadas e que vão condicionar o futuro sobretudo das pessoas mais jovens”, assinala Varatojo, considerando que “qualquer expressão artística […] deve ser um espelho do tempo em que está a ser criada”.

“Tudo é musicável, mas essa questão [da habitação], por ressoar tanto assim nas pessoas, acaba sendo matéria de canção”, concorda Luca Argel, confessando que acha “até estranho” que não haja assim tantas músicas sobre o tema em Portugal.

“Pelo tamanho do problema devia existir mais até”, nota.

Só estando “numa bolha muito fora da realidade” é que um artista pode “não sentir, de alguma forma, o impacto que está acontecendo nesse setor da habitação”, considera.

Em contextos de contestação social, “é impossível que a arte não participe de certa forma, não seja tocada, sensibilizada, impactada por esse tipo de movimentos das ruas”, diz.

A manifestação “Casa para viver Planeta para habitar” conta já com a adesão de 24 cidades: Alcácer do Sal, Aveiro, Barreiro, Beja, Braga, Coimbra, Covilhã, Évora, Faro, Funchal, Guarda, Guimarães, Lagos, Leiria, Lisboa, Nazaré, Portalegre, Portimão, Porto, Samora Correia, Tavira, Torres Novas, Vila Real e Viseu.