
No Porto, a cantora marcou presença na Casa da Música, onde as histórias contidas nas canções fizeram-se acompanhar de outras tantas, partilhadas com a audiência, num apreciado e já característico registo de maior intimidade.
Com O Outro, poema musicado de Mário de Sá Carneiro, Calcanhotto abriu a noite, desde logo a marcar o tom de excelência das palavras com as quais opta por preencher as melodias que compõe e trabalha. Seguiram-se Eu Vivo a Sorrir e, concordante com a posição no alinhamento, Três, canção divida em três atos. Inverno, com quem o público estará mais familiarizado, deu azo às primeiras manifestações de reconhecimento.
Da autoria de Caetano Veloso, com base em “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector, O Nome da Cidade antecedeu o primeiro momento de “storytelling”, em que a artista revelou tanto a génese da próxima canção, tal como a sua ligação a Portugal e consequente pertinência no espetáculo. Nascida de um jogo estilo amigo oculto musical, promovido por Marisa Monte, Para Lá foi concebida num camarim do Coliseu de Lisboa, juntando à melodia criada pela cantora os versos de Arnaldo Antunes.
A segunda história narrada, a propósito de Motivos Reais Banais, homenagem post mortem a Waly Salomão, recordou o processo criativo experienciado aquando das parcerias entre os dois. Indissociável dos poetas que emprestam palavras às suas canções, a compositora continua a sua deambulação narrativa de encontro a Augusto de Campos e a Sem Saída, poema interativo musicado por Cid de Campos.
A dada altura, da ponta oposta àquela ocupada pela cantora na Sala Suggia, alguém gritou, no mesmo sotaque acalorado, “Adriana, você é a melhor!”. Agradecida e algo constrangida, Calcanhotto prosseguiu por Maldito Rádio, que levou à entrada em palco de um colaborador, que, com a ajuda de um pequeno rádio, acrescentou ao tema alguma dissonância FM, cujo ruído veio sublinhar a aura incomodativa da composição.
Devolva-me inaugurou o rol das canções mais orelhudas e mais queridas do público, deixadas para o final, ao qual acabaram, inevitavelmente, por conduzir. Deste mesmo leque fizeram parte Esquadros, Mais Feliz e Vambora.
Para o primeiro encore ficou reservada a única aparição de Partimpim, alter-ego criado para os discos pensados para crianças, que se recusou voltar a aparecer, apesar dos muitos pedidos que se puderam ouvir da plateia. Fico Assim sem Você foi assim apresentada como uma canção que remete para recordações muito intensas, “quer para o bem, quer para o mal”, à qual fez sentido regressar esta noite. Com a expressão “um amor em cada porto”, de Maresia, substituída duas vezes por “um amor aqui no Porto”, a cantora voltou a despedir-se do público, que pouco depois voltou a reencontrar para mais duas canções: Ela é Carioca e Mentiras.
No ar ficou a ideia de um breve regresso com Adriana Partimpim, para aceder aos pedidos desta noite que ficaram por satisfazer.
Texto: Ariana Ferreira
Fotografia: Marta Ribeiro
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