Aos 70 – cumpridos hoje, data assinalada com um “Parabéns a você” coletivo por quem assistia ao concerto que abriu a penúltima noite da 24.ª edição do FMM –, o fundador dos Gaiteiros de Lisboa realça que “o que está um bocado doente é a indústria” em torno da música.
E isso deve-se “à grande evolução técnica que têm tido os suportes da música, os CD, os discos, as pen, tudo isso está sempre a mudar”, recorda.
Além disso, “as pessoas hoje estão cada vez mais confinadas só ao telemóvel e o acesso que têm à música é através disso e dos computadores”.
Por outro lado, diz, “a oferta também é de tal maneira que, se calhar, só assim é que nós conseguimos ter uma visão mais abrangente”.
Carlos Guerreiro, que chegou a integrar o GAC – Grupo de Ação Cultural na altura do PREC (Processo Revolucionário Em Curso), considera que a música de intervenção “foi um estilo que se abandonou um pouco, com o triunfalismo do 25 de Abril”.
“De repente já estava tudo bem, porque a gente queria era liberdade. Deixámos de pôr o dedo nas feridas mais graves que o país tinha e continuava a ter”, observa, reconhecendo que “era preciso uma nova linguagem”, que se adequasse à democracia.
“As palavras de ordem e essas coisas passaram de moda completamente”, aponta o também construtor de instrumentos musicais, realçando que o projeto Cara de Espelho assume essa “nova linguagem” para problemas que “são antigos”.
A banda Cara de Espelho junta Maria Antónia Mendes, Carlos Guerreiro, Pedro da Silva Martins, Luis J. Martins, Nuno Prata e Sérgio Nascimento, músicos dos Deolinda, Ornatos Violeta, A Naifa e Gaiteiros de Lisboa.
À semelhança do que acontecera na atuação – que terminou com a banda a juntar-se perscrutando o público ao som da música “Varejeiras” (“A varejeira ligeira a voar/em qual de vós é que ela vai poisar?) -, também durante a entrevista vários dos outros elementos da banda se juntaram a Carlos Guerreiro.
“A ideia – acrescenta a vocalista Maria Antónia Mendes (“Mitó, para os amigos”) – é a sociedade ver-se refletida nas nossas palavras (…), naquilo que nós fazemos, que tocamos e que (…) cantamos”.
Sobre o país que temos, 50 anos depois do 25 de Abril, Carlos Guerreiro acha que “cada vez está mais dividido em relação a tudo” e sente falta da simplicidade entre ser fascista ou antifascista.
“Eu tinha 19 anos quando foi o 25 de Abril e era muito mais fácil dizer mal do fascismo, do que dizer mal às vezes de certos governos democráticos”, compara, sublinhando que “os políticos não são sempre maus” e nem sempre têm “más intenções”.
“Quando era para dizer mal do Salazar ou do [Marcello] Caetano, era muito, muito mais fácil. Agora para dizer mal de outros políticos, já da democracia, às vezes a coisa torna-se mais complexa”, reconhece.
Já o público do FMM reagiu expansivamente à música “Dr. Coisinho”, nome que Pedro da Silva Martins, autor das letras da banda, pediu emprestado ao humorista Bruno Nogueira para se referir ao líder do Chega.
Ao recado “Coisifique aqui o dedo” adultos e crianças responderam de dedo do meio em riste.
Durante o concerto, ironizaram em torno da palavra “genuíno”, para desconstruir o conceito: “O que é que é genuíno, o que é que é ser genuinamente português?”, questiona Pedro da Silva Martins.
A banda procura “o louvor das misturas”, porque “nada é genuíno, tudo é uma mistura de alguma coisa”, acrescenta Mitó.
Quando acabaram de gravar o álbum de estreia, “Cara de Espelho”, lançado em janeiro, já tinham “umas duas ou três” músicas que não incluíram e agora já têm “bastantes mais”.
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