Apesar de ser a "criança" do Cais do Sodré, o Musicbox quis conhecer as suas origens: durante um ano e meio, os promotores fizeram o reconhecimento da zona, falando com autarcas, párocos, donos de bares, frequentadores e moradores.

Há mais de 50 anos, devido ao movimento no Porto de Lisboa, o Cais recebia milhares de marinheiros de todo o mundo, lembra um dos promotores, Alexandre Cortez.

A sua chegada levou à abertura de lojas especializadas na navegação e inspirou os nomes e a decoração dos espaços de diversão nocturna.

Os velhinhos Tokyo, Jamaica, Olso ou Viking recebiam marinheiros, artistas e intelectuais, mas também espiões, prostitutas e criminosos.

Em Maio de 1968, o assassino do activista norte-americano Martin Luther King passeava-se pela Rua Nova do Carvalho. Uma noite, entrou no antigo Clube Texas, hoje Musicbox, e conheceu uma prostituta, por quem se apaixonou.

Após dez dias em Lisboa, acabou por ser detido em Londres por um espião que o seguiu pelo Cais. Na prisão, continuava a escrever cartas à portuguesa.

“Era tudo casas de alterne, houve uma altura em que isto era mal frequentado. Agora de um lado da rua temos as discotecas e do outro são mais bares”, diz Ricardo Gouveia, gerente do Tokyo (antigo Tamisa).

A reviravolta começou após o 25 de Abril, quando a “maior liberdade de música e de expressão” começou a atrair um público que queria sobretudo dançar ao som do que antes não podia ouvir livremente.

Hoje, para Ricardo, o sucesso deve-se à “grande mistura”, visível à primeira vista: na música, nas idades (que podem ir “dos 18 aos 80”), nos estilos musicais e nos clientes, que vão desde universitários a jornalistas, actores e músicos.

Fernando Pereira, hoje filho de um dos fundadores do Jamaica e à frente do espaço diz que a primeira viragem no ambiente, na segunda metade da década de 1970, deu-se pela mão – ou pelo som - do Jamaica, do Tokyo e do Shangri-La (hoje transformado no Bar do Cais), então frequentados por quem "não procurava prostituição".

Mais tarde, com o Europa e, já no novo milénio, com o Musicbox, dá-se a "viragem definitiva" e atinge-se uma afluência "que já não se via há muito”.

Entretanto, os bares continuam a passar as músicas ouvidas pelos marinheiros e espiões de há quarenta anos e nunca foram atrás da música da moda, mas beneficiaram da moda do revivalismo, que, afinal, “nunca deixa” de ser uma tendência.

“O facto de existiram casas com néons dava um ar misterioso e para quem aparecia no Jamaica era um desafio ir lá”, lembra Fernando.

Uma dessas casas era o Viking, que se mantém fiel às origens: todas as noites continuam a subir mulheres ao pequeno palco para espectáculos de striptease.

Também para Alexandre Cortez “o colorido daquela altura ainda se sente no ar”.

“O ideal seria que modernidade convivesse ao lado da vertente mais característica e mais forte da zona: a sua história”, remata.

@SAPO/Lusa