“É um património riquíssimo, que não é divulgado, a maior parte dos portugueses não o conhece e ele é muito extenso e faz parte da nossa identidade enquanto povo e especificamente enquanto mulheres”, defendeu a vice-presidente da Associação de Canto a Vozes - Fala de Mulheres, Margarida Antunes, que define este canto de trabalho, "que passa de forma oral, de mãe para filhas e netas", como um canto de superação, "um canto de liberdade".

Esta responsável explicou à agência Lusa, a propósito do registo do Canto a Vozes de Mulheres, a três ou mais vozes, no inventário nacional do Património Cultural Imaterial, publicado hoje em Diário da República, que "o principal ganho é o reconhecimento deste canto e desta identidade".

"Outro grande ganho é de que ele [o canto] não vai morrer, estará salvaguardado e será mais divulgado e acredito até que atraia mais pessoas”, defendeu Margarida Antunes.

Este tipo de canto, a três ou mais vozes, é, segundo esta responsável, “dos mais raros e únicos na Europa, e Portugal é dos países mais ricos neste tipo de canto, porque a duas vozes é mais generalizado e fácil de encontrar” em vários países.

“Daí a candidatura para património imaterial ser a três ou mais vozes, por ser mais genuína esta polifonia vocal, porque uma terceira voz é muito difícil e é muito específica, que só poucas mulheres conseguem alcançar”, destacou.

As primeiras conversas para esta candidatura, contou, “começaram em 2015 e, inicialmente, era para ser apresentado para património da UNESCO”. Por isso, "a 1 de março de 2020, foi formalizada a associação para avançar” com a ideia.

“Entretanto, nos últimos anos, as regras mudaram e só pode haver candidatura à UNESCO, no fim de fazer parte do património nacional. A partir de hoje vamos começar a trabalhar na candidatura para a UNESCO”, admitiu.

O Canto a Vozes de Mulheres, “não é exclusivo de mulheres, é inclusivo, há homens, mas é um tipo de canto que começou nos trabalhos agrícolas, que era essencialmente realizado por mulheres”.

Este tipo de canto “existe maioritariamente na região norte e centro do país e é aí que ele está mais concentrado, apesar de haver grupos em vários pontos do país", afirmo Margarida Antunes, acrescentando que "é um canto que passa de forma oral, de mãe para filhas e netas”.

“Também há homens, principalmente agora que está na representação, mas a capacidade de desdobramento das vozes e o timbre é, efetivamente, uma característica das mulheres”, apontou.

O canto, prosseguiu a responsável da Associação de Canto a Vozes, “era usado para aliviarem o trabalho e as dores do trabalho, para estimularem outras mulheres, para se incentivarem e desafiarem, no fundo, era um canto libertador”.

“As mulheres viviam fechadas nos trabalhos domésticos e a cuidar dos filhos e depois na agricultura e era lá que soltavam o canto e se expressavam”. "Era isso mesmo, um canto de liberdade", apontou.

Agora, assumiu, “o desafio é dar a conhecer cada vez mais este canto, que parece que continua fechado, entre as mulheres, nos grupos, e que é muito pouco conhecido pela população”, apesar de haver exemplos “de sucesso”.

O Grupo de Cantares de Manhouce, em São Pedro do Sul, distrito de Viseu, “é dos grupos mais conhecidos, também muito graças ao trabalho da Isabel Silvestre, e vai havendo mais, mas agora vai ser possível divulgar mais” esta arte.

A Associação de Canto a Vozes - Fala de Mulheres contabiliza mais de 60 grupos associados, alguns cantam a duas vozes e, a maior parte, 48, cantam a três ou mais vozes.