Palco Principal - Como é que nasceu esta ideia do concerto em conjunto?
Carlos Guerreiro - Esta ideia partiu dos Gaiteiros. Veio também da vontade da Uguru, que é a nossa promotora e também a produtora do concerto, que nos convidou para o concerto com o desafio de fazermos algo de diferente. Que não fosse só Gaiteiros de Lisboa e que tivesse mais algum aliciante. E nós pensámos nos Deolinda, mas não quisemos desde logo fazer aquela coisa do artista convidado que toca uma ou duas músicas e vai embora. Então, começámos a pensar que seria engraçado ir um pouco mais longe, sobretudo porque os Gaiteiros são um coletivo que tem vivido muito de parcerias, inclusive a parceria que teve com a Ana Bacalhau no último disco e as experiências ao vivo na Festa do Avante. E assim foi, os Deolinda não só aderiram a esta ideia de forma absoluta, como ainda conseguiram ir eles próprios mais longe e superar as expetativas.
PP - Já são alguns os trabalhos em conjunto entre os dois projetos... Qual é que foi o primeiro passo desta vossa colaboração?
Carlos Guerreiro - Eu já conhecia a Ana Bacalhau e o José Pedro Leitão do grupo Lupanar, mas tudo começou com a minha participação no tema "A Problemática Colocação de Mastro" ,do álbum "Dois Selos e Um Carimbo" dos Deolinda. É um romance que já dura há algum tempo...
PP - Feito o convite aos Deolinda, depois desse convite ter sido aceite, qual foi a etapa seguinte? Como é que escolheram as músicas que iam tocar?
Luís José Martins - Foi muito democrático. Os Gaiteiros escolheram dez canções dos Deolinda e vice-versa. Depois também houve outras sugestões e pormenores que foram sendo acertados com o tempo...
PP - E as escolhas resultaram todas, ou houve alguma que tivesse de ser trocada mais tarde?
Luís José Martins - Depois de termos começado a trabalhar, não. Acho que resultou tudo. Claro que se foram polindo os arranjos e encaminhando os resultados para uma linguagem mais próxima de todos.
Carlos Guerreiro - Eu já tinha a proposta de dois arranjos, um deles, aliás, já o tinha feito na Festa do Avante. Na altura, queria muito que tivesse sido com os Deolinda e não somente com a Ana, mas, não sei porquê, a ideia não foi em frente.
PP - Calculo que o tema "Palácios da Rainha" faça parte do vosso alinhamento...
Carlos Guerreiro - Sim, porque essa é uma música que já conta com a participação vocal da Ana. Esse tema quase que lhe pertence...
PP - Os Deolinda incorporaram, recentemente, novos elementos para a percussão. Foi fácil somar ao que já existia toda a estrutura rítmica dos Gaiteiros?
Luís José Martins - Abriu essa porta. Ao vivo só tocamos com o Sérgio Nascimento, embora em alguns palcos maiores também haja a participação do António Serginho. Mas eu acho que os Deolinda já têm, por natureza, um sentido rítmico muito forte... Então foi só uma questão de assumir essa componente. E, de facto, ajuda-nos bastante, sobretudo em palcos maiores.
Carlos Guerreiro - Eu não me lembro se alguma vez lhes disse isto, mas sempre senti que algumas canções do grupo estavam a pedir um suporte rítmico...
PP - E como foi fazer todos esses arranjos?
Luís José Martins - Os processos de arranjos, quando são construídos por mais do que uma pessoa, acabam por ser sempre dinâmicos e dependem muito do input de todos. As dinâmicas da banda funcionam sempre de forma diplomática.
Carlos Guerreiro - Aqui ninguém quis impor nada a ninguém. Todos nós damos muito espaço aos outros para trabalhar. Nós, os Gaiteiros, demos a liberdade aos Deolinda para trabalharem os nossos temas como lhes apetecesse. Aliás, a condição era mesmo essa. E foi muito bom, porque eles descolaram totalmente das versões originais. Estou-me a lembrar do exemplo do fado "Versos Que Te Fiz". As introduções em guitarra levam logo os nossos temas para outros campos, é engraçado.
PP - Podem levantar o véu sobre o concerto? Que temas é que vamos poder ouvir?
Luís José Martins - Eu acho que grande parte dos temas mais identificativos das duas bandas vai estar presente. Eventualmente, ficarão de fora dois ou três... Mas acho que vão haver boas surpresas para quem for ver...
Carlos Guerreiro - O que tem mais graça é que o repertório foi escolhido por fãs do grupo, ou seja, pelos Gaiteiros, enquanto fãs dos Deolinda, e vice-versa. Daí ser natural que os temas acabem por ser os mais conhecidos e os mais ouvidos...
Luís José Martins - Até acaba por ser mais desafiante...
Carlos Guerreiro - Sim, porque, se nós fôssemos interpretar canções muito desconhecidas do público, não se ia notar a tal diferença, a tal novidade.
PP - E será algo para voltar a repetir mais tarde?
Carlos Guerreiro - Nós gostávamos muito. Gostávamos, inclusive, de gravar esta experiência em disco... Já agora, seria engraçado levar isto até ao fim. Andamos a ensaiar desde setembro para um concerto em novembro, seria injusto não tentarmos fazer mais coisas.
PP - Quem sabe, até gravar um DVD ao vivo...
Carlos Guerreiro - As hipóteses estão todas em aberto. Para já, estamos a arranjar maneira do concerto ser registado em vídeo de qualidade. Depois logo se vê se vai ser editado ou não...
PP - Têm sentido alguma ansiedade por parte do público em relação ao concerto?
Luís José Martins – Sinto que o público está curioso. Se, por um lado, sentimos que há um público comum entre as duas bandas, também há o público que gosta mais de Gaiteiros e menos de Deolinda, e vice-versa. E eu acho que esse cruzamento também é interessante.
Carlos Guerreiro - Basicamente, vão lá estar três tipos de pessoas: os que gostam dos Deolinda, os que gostam de Gaiteiros e os que gostam de ambos. Eu acho, sinceramente, que vão lá estar lá mais fãs dos Deolinda, até porque eles são um grupo mais virado para as massas do que nós, mas, de qualquer forma, acho que vão todos sair contentes.
PP - Como os Deolinda lançaram o novo disco há muito pouco tempo, presumo que ainda não esteja na hora de falar de material novo... E em relação ao Gaiteiros?
Carlos Guerreiro - Os Gaiteiros já têm mais passado do que propriamente futuro (risos). Mas, de qualquer forma, o nosso processo criativo vai sendo cada vez mais lento. Tenho falado com o Pedro [Da Silva Martins] e ele está realmente interessado em começar a compor temas em comum para um próximo disco... E a mim também me está a apetecer, por isso, para mim, o futuro mais próximo passa mais por esta ideia do propriamente pelos Gaiteiros... O processo criativo é uma coisa que depende de muitos fatores e eu, francamente, neste momento tento pensar em qualquer coisa em relação aos Gaiteiros e não me ocorre nada. Mas não quer dizer que não me venha a ocorrer um dia destes... Mas não há nada pior do que forçar a criatividade. E nós nos Gaiteiros temos um processo muito lento entre cada disco, demoramos três a quatro anos... Não temos pressa nenhuma, nem colecionamos discos.
PP - Sentem que a música portuguesa está a necessitar de mais parcerias deste género? De haver músicos a partilharem palcos e álbuns?
Luís José Martins - Essas experiências são sempre muito importantes. Sinto também que a música portuguesa está num momento particularmente vivo a nível criativo...
Carlos Guerreiro - A música portuguesa está de muito boa saúde, a indústria é que está doente (risos)...
Luís José Martins - Sobretudo com a experiência deste concerto, eu acho que é um formato de espetáculo e uma abordagem ao repertório das duas bandas que é muito interessante. Dará sempre muito mais gozo fazer um tipo de trabalho assim, em que as linguagens se cruzam e o trabalho é realmente mais profundo, do que os concertos em que vêm os músicos para participar numa canção ou duas.
Carlos Guerreiro - É muito diferente. Eu, por exemplo, sou um militante assumido das parcerias, já as fizemos com portugueses, galegos, corsos, e eu acho que, pelo menos em relação a nós, crescemos em cada uma delas. Abrimos sempre mais horizontes, até porque nos obriga a entrar dentro do universo das outras bandas e artistas e conhecer mais gente, o que é sempre bom. Por isso, acaba por ser extremamente rico. Tanto o Rui Veloso, como o Carlos do Carmo, por exemplo, gravaram recentemente um disco só de parcerias... Não sei se estará na moda, mas eu acho que os artistas chegam a certa altura e começam a ficar um bocado fartos de estar sozinhos, e gostam de partilhar coisas. Acho isso fantástico.
Manuel Rodrigues
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