No caso dos Prodigy não há mesmo amor como os três primeiros - a influentíssima trindade "Experience" (1992), "Music for the Jilted Generation" (1994) e "The Fat of the Land" (1997). Um disco como "The Day Is My Enemy" não vem mudar muito as coisas. Antes pelo contrário: este é o mais redundante e menos imaginativo da banda de "Firestarter", continuação natural do já longínquo "Invaders Must Die" (2009) com a agravante de não ter muito para lhe acrescentar - nem à discografia de um grupo que chegou ao auge há duas décadas.

Depois do aplauso crítico e popular em finais dos anos 1990, a distinguir aqui um dos exemplos máximos da aliança entre rock e música de dança, o regresso tímido de "Always Outnumbered, Never Outgunned" (2004) é hoje um episódio quase esquecido, apesar de ter registado uma bem interessante comunhão entre Liam Howlett e colaboradores como Juliette Lewis ou Liam Gallagher. Mas os Prodigy desse álbum atípico foram-no só em nome, uma vez que Keith Flint e Maxim Reality, os principais rostos da banda, só voltariam no seguinte, já com música para a geração milénio - e a conseguir uma adesão surpreendente desse novo público.

"The Day Is My Enemy" vem reforçar os hiatos longos entre os últimos discos e a atenção cada vez maior dada às digressões. Foi, aliás, entre os palcos que a banda desenvolveu as novas canções, descartando algumas já apresentadas pelo caminho (como "A.W.O.L." ou "Dogbite", presentes em algumas atuações) e deixando também para trás os primeiros títulos avançados para o álbum ("How to Steal a Jetfighter" e "Rebel Radio", este último repescado para um dos temas).

Ainda assim, na essência, o plano inicial manteve-se. Os Prodigy prometiam um álbum especialmente violento, furioso e enérgico e um som de banda mais vincado, consolidado pela colaboração de Flint e Maxim na composição, habitualmente apenas a cargo de Howlett. Nesse aspeto, não defraudam as expetativas, com uma agressividade quase ininterrupta ao longo do alinhamento. Tão ininterrupta que, tirando o instrumental sintético "Beyond the Deathray" (a lembrar os momentos mais serenos de uns Nine Inch Nails), "The Day Is My Enemy" resulta numa sucessão de picos de intensidade que rapidamente se torna previsível - tanto pelo ataque sónico familiar como pela estrutura demasiado linear das composições.

Apesar do apelo físico desta amálgama musculada, aglutinadora de rock, hip-hop, industrial, punk ou breakbeat, musicalmente o resultado é mais conservador do que desafiante, por muito que a postura mantenha a rebeldia de há duas décadas. E talvez nem seja legítimo esperar mais de músicos a caminho dos 50 anos que já tiveram uma palavra a dizer na revolução da música eletrónica. De qualquer forma, as palavras recentes de Howlett davam a entender que poderíamos esperar mais do que outro disparo de adrenalina eficaz q.b..

"A música de dança vai suicidar-se, não há criatividade suficiente. Está demasiado dominada pela pop", salientou o mentor da banda numa entrevista recente ao NME. Em conversa com a Q, durante a qual prometeu um grito de revolta no novo álbum, mostrou-se ainda mais contundente: "A música de dança faz-se à base de fórmulas. É do género: 'Aqui está a parte de bateria, aqui está a construção'. Todos esses DJs de treta e os tutoriais de merda no Youtube...".

Uma faixa como "Ibiza", colaboração com os conterrâneos Sleaford Mods, reforça a crítica ao culto de DJs elevados a superestrelas, mas falha em oferecer argumentos que tornem a proposta dos Prodigy especialmente preferível - até acaba por ser dos episódios mais desinspirados do disco, exemplo de pirotecnia em piloto automático. Ironicamente, um dos momentos mais certeiros nasce de uma parceria com um nome recente da música de dança, o também britânico Flux Pavilion, na frenética "Rhythm Bomb", a juntar dubstep à mistura.

Já um single como "Nasty" sugere que incluir Keith Flint na equipa de compositores talvez não tenha sido grande ideia. Resulta em pouco mais do que uma réplica de "Breathe" com quase duas décadas de atraso, num cartão de visita pouco motivador. "Rok-Weiler" e "Wall of Death" também contam com os seus créditos na escrita e voltam a soar a uma caricatura dos Prodigy, mesmo que a segunda não resulte mal como fecho bombástico do alinhamento. Réplica por réplica, antes "Destroy", que lembra muito "Smack My Bitch Up" mas consegue ser mais ágil na gestão de ritmos e ambientes.

Por outro lado, Maxim revela-se promissor ao coassinar "Roadblox" (aceleração cinemática também com travo a "The Fat of the Land"), "Get Your Fight On" (espécie de sequela válida de "Take Me to the Hospital", nem falta o acesso 8-bit) e "Medicine" (com um dos compassos mais contagiantes do alinhamento e marcada por influências orientais, sopros incluídos).

A abrir o disco, a faixa título convida Martina Topley-Bird (antiga colaboradora de Tricky) e inspira-se numa canção de Cole Porter, "All Through the Night", à qual foi buscar a letra ("The day is my enemy/ The night my friend", confissão/máxima repetida ao lado de rodopios de eletrónica maximal). Não é um tema especialmente apropriado para audições domésticas, embora prometa tornar-se gigante num concerto. Esse potencial também se pressente em "Wild Frontier", single abrilhantado por gritos de macacos depois do refrão, o tipo de pormenor delirante que o álbum não oferece tanto como alguns dos antecessores.

Demasiado longo e homogéneo, "The Day Is My Enemy" é talvez o disco menos imprescindível dos Prodigy, mas ainda deixa um atestado de potência capaz de fazer sombra à maioria da geração EDM ou às supostas estrelas nu rave dos dias de "Invaders Must Die" (por onde andam hoje uns Hadouken!, Does It Offend You, Yeah? ou Shitdisco?). E se o encararmos como o aquecimento para mais uma digressão, cumpre bem o seu propósito, até porque é quase certo que os Prodigy fazem muito mais sentido ao vivo. É esperar por 10 de julho para tirar as dúvidas no NOS Alive, em Lisboa.

@Gonçalo Sá