Há dois anos, depois de duas décadas a liderar os Nine Inch Nails (NIN), Trent Reznor tomou uma das decisões mais felizes do seu percurso: juntou-se ao amigo e colaborador habitual Atticus Ross e com ele criou uma das melhores bandas sonoras dos últimos tempos.

A música de "A Rede Social", de David Fincher, justamente premiada com um Globo de Ouro e um Óscar, entre outras distinções, reforçou então as ligações à sétima arte que algumas composições dos NIN há muito sugeriam. Esse contato de Reznor com o cinema não foi inédito - as bandas sonoras de "Assassinos Natos" (1994), de Oliver Stone, ou "Estrada Perdida" (1997), de David Lynch, por exemplo, já tinham contado com a sua contribuição -, mas atingiu aqui um novo patamar e grau de envolvimento.

A banda sonora funcionou, aliás, como uma prova de vitalidade depois de algum desgaste da linguagem dos NIN (que desde "With Teeth", de 2005, raramente surpreenderam) e concedeu a Atticus Ross o seu momento de maior exposição (um contraste com o rumo discreto, mas interessante, da sua banda, os 12 Rounds, ou com as muitas colaborações em nome próprio).

Não surpreende, por isso, que David Fincher não tenha pensado duas vezes quando precisou de acompanhamento musical para as imagens de "Millennium 1 - Os Homens Que Odeiam As Mulheres" - ou "The Girl with the Dragon Tattoo", no original, adaptação do primeiro volume da saga policial do sueco Stieg Larsson.

Uma rapariga tatuada, duas versões e 37 instrumentais

Como se esperaria, a aura obsessiva e inquietante do filme deve muito à banda sonora, mesmo que esta não tenha um destaque tão evidente como em algumas sequências de "A Rede Social". Se na história de Mark Zuckerberg a música até chegava a ser dançável, desta vez o tom é mais introspetivo, abstrato e muitas vezes difícil de digerir às primeiras audições. A versão de "Immigrant Song", dos Led Zeppelin, responsável por parte do apelo do trailer e do elaborado genérico inicial, acaba por não ser representativa do que a banda sonora tem para oferecer, embora seja um dos seus destaques inevitáveis - há muito que não ouvíamos Karen O, dos Yeah Yeah Yeahs, tão abrasiva e urgente:

"The Girl with the Dragon Tattoo", o disco, é, de resto, mais desafiante do que o filme, desde logo por ter a ambição de, numa altura em que muitos apregoam o fim do formato álbum, propor quase três horas de música distribuídas por três discos. Os NIN já tinham feito uma tentativa comparável em "Ghosts I–IV" (2008), álbum quádruplo de quase duas horas, composto apenas por instrumentais, cuja atmosfera tem alguma ressonância nestes novos episódios. É daí e de alguns momentos de "The Fragile" (1999) que a música de "The Girl with the Dragon Tattoo" mais parece derivar, ainda que nunca tenhamos ouvido nada tão minimalista e até gélido vindo de Reznor.

Tal como em "The Social Network", a produção é impecável e o contraste entre o piano e a eletrónica volta a ser o motor de várias composições (convidando, por vezes, o baixo, a bateria ou o violoncelo). A diferença é que as melodias são mais subtis e fragmentadas, assentes em camadas trabalhadas com a habitual precisão cirúrgica - se há discos que saem a ganhar quando ouvidos com auscultadores, este é seguramente um deles. Tirando "Immigrant Song", que abre o disco, e "Is Your Love Strong Enough?", uma versão de Bryan Ferry, que o fecha, todos os temas são instrumentais - e o segundo tema cantado tem a voz de Mariqueen Maandig, esposa de Trent Reznor e elemento dos How to Destroy Angels, projeto que junta o casal a Atticus Ross e deverá editar o álbum de estreia este ano.

Muito pode ser demais

Quem não se deixar intimidar pelas suas 39 faixas pode ir descobrindo em "The Girl with the Dragon Tattoo" alguns belos momentos melancólicos ("What if We Could?"), atmosferas mais sinuosas ("She Reminds Me of You" ou "Please Take Your Hand Away"), heranças de cenários industriais (na distorção das agrestes "The Heretics" e sobretudo "A Thousand Details"), crescendos de suspense certeiros ("Later into the Night", "You're Here"), súbitos exercícios percussivos ("Oraculum") ou cordas sinistras e fantasmagóricas ("Hypomania").

Mas este mergulho no disco, se por um lado nos permite chegar a algumas pérolas, também nos leva a concluir que, por mais bem confecionadas que sejam estas texturas, muitas funcionam melhor ao serviço de uma narrativa do que ouvidas isoladamente. Ao contrário da música de "The Social Network", que além de ser eficaz no filme valia - e muito - enquanto objeto isolado, parte da de "The Girl with the Dragon Tattoo" nem sempre resiste tão bem por si só, resultando numa banda sonora ainda acima da média embora sem tanta consistência enquanto álbum. Tal como Fincher, desta vez Reznor e Ross não conseguiram separar o essencial do acessório num disco que, sem nunca colocar em causa o talento e perfecionismo envolvido, precisava de um director's cut para ganhar outro estofo.

@Gonçalo Sá