"Sou um artista muito mais virado para o Mediterrâneo. Costumo dizer que somos um país virado para o Atlântico, mas um povo do Mediterrâneo", disse o fadista.

O álbum conta 14 temas, alguns assinados por Ribeiro, como "Tronco e Raiz", com letra e música do fadista, outros, como "El Kiko de Diana", com um poema de autoria da fadista Fernanda Maria, ou "Prédio em Ruína", com música de Domingos Camarinha; há também um tema composto sobre Gil Vicente, e "Tirai os Olhos de Mim", com música de Alain Oulman.

A fadista Fernanda Maria "é uma mulher extraordinária e das fadistas que mais admiro", declarou Ribeiro, a propósito da escolha.

O álbum "Terra que Vale o Céu" surge quatro anos depois do seu anterior, "Respeitosamente" (2019).

Para o fadista, preparar este novo trabalho "não foi muito árduo", mas obedeceu a "uma vontade imensa de explorar ainda mais" as suas influências.

O fadista realçou à Lusa "a componente da graça e da alegria" que este disco tem, o que justifica pelo facto de ter sido pai há pouco tempo. "Aquela alegria dele [do filho Francisco, com pouco mais de um ano,] contagia", disse, referindo gostar mais de cantar "coisas profundas, o que não quer dizer que sejam tristes".

Ao filho dedica o poema "El Kiko de Diana" que juntou num tema único com o poema "Se me Deixares", de António Botto, musicado por si.

O fadista, de 42 anos, reconhece uma "maior maturidade" neste momento da carreira.

"Esse amadurecimento tem a ver com a vida, o que nós vamos vivendo e encaixando, a maneira como vamos lidando com o triunfo e a derrota, porque na finalidade são dois impostores e uma consequência do que nós fazemos".

"Esse amadurecimento vem com esse convívio e essa aprendizagem, e a com a lidação desses dois fenómenos - dessas duas consequências -, e por sua vez, já temos poder sobre nós próprios para fazer aquilo que na verdade achamos importante, o que não é urgente, mas sim o que é importante", acrescentou.

Num texto incluído no 'booklet' do CD, o musicólogo Rui Vieira Nery faz referência a esse amadurecimento do fadista.

"Ricardo Ribeiro convida-nos neste novo álbum a regressarmos com ele às raízes mais profundas da tradição fadista, ainda que iluminadas agora por um percurso pessoal de amadurecimento e descoberta que o fez passar por outras músicas do Sul que cantam também a paixão, a perda, a solidão e a dor", escreve o musicólogo, historiador do fado.

Nery realça também esta ligação de Ricardo Ribeiro à tradição fadista: "É por isso que o seu fado é cada vez mais um fado antigo que sabe a novo, mas ao mesmo tempo um fado novo que sabe a antigo".

O 'booklet' inclui ainda um poema de Manuel Alegre intitulado "Ricardo Ribeiro".

À Lusa, o fadista, criador de "Deixem-me Ser" (Rui Manuel/Manuel Mendes), disse que este novo álbum "é, sem dúvida alguma, muito mediterrânico".

"Estão lá as minhas influências, mas não deixa de ser fado, pois eu sou sempre fadista e sinto-me como um guardião de uma tradição que é muito importante na nossa cultura", sublinhou.

Uma outra influência referida pelo intérprete de "Antes Só" (Artur Ribeiro), tema com que abre o novo álbum, foi a dos filósofos portugueses António Telmo, Leonardo Coimbra e Álvaro Ribeiro, que lê habitualmente.

Quanto ao alinhamento do novo disco, o fadista disse que Artur Ribeiro, autor de sucessos como "Rosinha dos Limões", é um autor que gosta muito, "um poeta extraordinário e muito fadista". Quanto a este tema, "conhecido de há muitos anos, estava à espera de me dar a oportunidade de o cantar", afirmou.

O álbum inclui ainda "Chave da Memória" (Carminho), "Do Silêncio saímos" (Fernando Tordo), "E Conta Quem Eu Sou" (Fernando Guimarães/Ângelo Freire), "Meu Amor Não Vale a pena" (Nelo/Acácio Gomes) e "Fado Passado" (Nuno Júdice/Fado Franklin de Quadras, de Franklin Godinho).

Ribeiro disse à Lusa que conhece os autores, e eles conhecem-no, são amigos e sabem bem o que queria cantar, exceção para Amélia Muge, a quem pediu um "motivo mediterrânico", e escreveu "Terras Dum Mar Interior", com música sua também.

"São todos fados tradicionais. Para mim, o fado tradicional, ou o 'fado-fado', como alguns referem, é aquele que é acompanhado à guitarra portuguesa, viola e baixo, pode ser acompanhado por outros instrumentos, mas para mim fazia todo o sentido neste formato de trio e com este linguajar".

Os músicos talentosos - como os define - que o acompanham nesta gravação, na maioria seus amigos, são José Manuel Neto, na guitarra portuguesa, Carlos Manuel Proença, na viola, e Daniel Pinto, no baixo.

O percussionista Jarrod Cagwin participa nos temas "Vira-Voltas" (Francisco Guimarães/R. Ribeiro), "Tronco e Raiz" (R. Ribeiro), e "Terras Dum Mar Interior" (A. Muge), "que pedia umas percussões árabes".

Ricardo Ribeiro acompanha-se à guitarra no tema "Se Me Deixares-El Kiko de Diana", e participa em "Tronco e Raiz", que conta também com Ricardo Dias, no acordeão.

O fadista afirmou-se "muito contente" com o "trabalho de fôlego" realizado de "uma forma natural" e acrescentou: "O disco tem, evidentemente, uma mensagem que cada um vai descobrir por si".

Para Vieira Nery este álbum "é um testemunho simultâneo de continuidade e modernidade, com a marca única de uma voz e de um canto inconfundíveis, a abrir o terceiro século da história do Fado com a consciência sábia do passado e os olhos abertos para o presente e para o futuro".