Palco Principal -Da formação original dos Spain fez parte Petra Haden, uma das suas irmãs. Como foi trabalhar em família?

Josh Haden -Não sei se já ouviram falar de “Charlie Haden Family and Friends : Rambling Boy” - o disco que eu e as minhas irmãs gravámos com o meu pai. Julgo que o gravámos em 2008, partindo de uma vontade muito antiga do meu pai, influenciada pela música que cresceu a tocar e cantar desde pequeno, na sua maioria country, blugrass e gospel. Nessa altura, o pai dele tinha um grupo, The Haden Family, que consistia no pai do meu pai, na mãe do meu pai e no meu pai mais os seus irmãos e irmãs a tocarem música country e a cantarem música gospel para a rádio... Tornou-se num fator tão decisivo na formação musical do meu pai, que ele quis partilhar essa experiência, e assim nasceu a ideia de gravarmos um disco, numa espécie de versão atualizada da The Haden Family, comigo e com as minhas irmãs, com meu pai e a mulher dele e mais um naipe de grandes músicos country de Nashville. Essa semana de trabalho conjunto levou-nos a perceber que era uma coisa que gostaríamos de ter feito há mais tempo, e espero que possamos voltar a gravar juntos em breve. Trabalhar em família é algo que já vem de longe.

PP - Mais recentemente, os Spain regressaram com uma nova formação. Como foi essa abordagem? Porquê a escolha específica destes músicos?

JH -Em 2004 gravei o meu álbum a solo... Por acaso, creio que foi em 2003, e depois foi lançado por volta de 2005/2006. Nessa altura, tive de formar uma banda de suporte para as apresentações ao vivo do álbum. Dois dos rapazes dessa banda -o baterista Matt Mayhall e o teclista e guitarrista Randy Kirk -estão hoje na versão atual dos Spain e participaram no álbum dos Spain. Por isso, há já alguns anos que venho a tocar com eles. Só o nosso guitarrista principal - o Daniel Brummel -é que se trata de uma aquisição mais recente. Grava e toca connosco há mais ou menos três anos. Cheguei a eles pelo palavra-passa-a-palavra, através de amigos ede amigos de amigos. O Matt, concretamente, foi uma recomendação do meu pai, que foi professor dele numa escola chamada Instituto das Artes da California. Com alguma sorte, não foi preciso colocar nenhum anúncio à procura de músicos, não foi preciso chegar a esse ponto.

PP -De que maneira esta nova formação altera a antiga sonoridade dos Spain?

JH -Não creio que a altere. Creio que os rapazes da banda já eram fãs dos Spain antes de se juntarem à banda e todos perceberam muito bem ao que era suposto as canções soarem. Especialmente no diz respeito a esta digressão, onde vamos tocar “The Blue Moods of Spain” na íntegra. Foi importante, para todos nós, tocarmos as canções o mais aproximadamente possível à gravação do álbum. No passado tomámos a liberdade de o fazermos de outra forma, mais elaborada, e o que apresentávamos ao vivo, no fundo, era uma espécie de evolução das canções originais. Mas para esta digressão vamos manter as canções no seu estado mais puro e, para isso, andamos todos a ouvir muito o álbum e a ensaiar muito, para que consigamos transportar para o contexto ao vivo a essência em que o álbum foi criado originalmente. É algo que nunca fizemos antes. Portanto, nesse sentido, a sonoridade e o estilo da banda estão muito consistentes com esse álbum em questão.

PP -E o que levou a essa decisão de tocarem o “The Blue Moods Of Spain” na íntegra?

JH -Em 2007 aconteceu, por assim dizer, a primeira encarnação desta nova versão da banda. Por essa altura, fui contactado por um festival em Espanha chamado The Tanned Tin. Contactaram-me do nada e perguntaram se não queríamos tocar o “The Blue Moods Of Spain” no festival. Não foi um negócio propriamente lucrativo, mas pagaram-nos as viagens e a estadia e lá fomos, tocámos o disco e, quando voltámos, achei que fazia sentido tentarmos a mesma coisa em cidades diferentes. Mesmo quando andámos em digressão nos anos 90 nunca tocámos o álbum na íntegra e pela ordem de gravação. Além de que acho que é simpático para os fãs que já não nos vêem desde então e também para aqueles que só agora descobriram o disco. Só desta vez, tocaremos o álbum na íntegra, depois passaremos a uma próxima fase.

PP -Entre o lançamento de “I Believe” (2001) até ao de “The Soul Of Spain” (2012) passaram-se mais dedez anos. O que levou a que os Spain demorassem tanto tempo a regressar a estúdio?

JH -Há muitas coisas que se passam nos bastidores, em relação às bandas, e não sei até que ponto é pertinente que os fãs saibam este tipo de coisas.... Desde a altura em que assinei o meu primeiro contrato discográfico, em 1995, respeitante ao disco “The Blue Moods Of Spain”, que não tive nada senão problemas com a minha editora, e com aquela para a qual mudei depois dessa. Em 2001 já estava tão fatigado e tão frustrado com essas questões, que no fundo não tinham nada a ver com a música, que optei por desistir. Já não me dava gozo algum. Para além de não me estar a divertir minimamente, sentia-me deprimido o tempo todo, e não era por questões que pudessem estar ligadas à minha vida pessoal, mas que estavam exclusivamente ligadas ao meio. Foi então que me pus a pensar que não tinha porque viver assim, que podia muito bem desistir e fazer outra coisa qualquer que me fosse mais gratificante. E foi o que fiz... Mas em 2003 um produtor de hip hop chamado Dan The Automator, com quem tenho alguns amigos em comum, telefonou-me e disse: “Ouvi dizer que ainda tens o teu contrato com a DreamWorks Records e fiquei a pensar que não querias fazer um álbum comigo”. Tenho imenso a agradecer-lhe! Mesmo que eu tivesse jurado que não voltava a tocar baixo, ele trouxe-me de volta ao papel de vocalista e à escrita de canções. Também tenho muito a agradecer ao meu amigo Rich Machin, que faz parte de uma banda chamada The Soulsavers. Para além de me ter contratado para participar no primeiro disco dos Soulsavers, como é um grande fã dos Spain, sempre que falávamos ao telefone perguntava-me por que é que eu não reunia a banda, ao que eu lhe respondia quetal nunca ia acontecer, que já não havia volta a dar. Depois ele respondia-me que não, que não podia ser, que não podia acabar assim e que tinha de voltar a reunir a banda. Mais tarde, ver a reacção do público ao álbum a solo - basicamente, os fãs diziam que gostavam, mas que queriam os Spain de volta -fez com que, em 2007, eu reconsiderasse e começasse a pensar no processo de encontrar as pessoas certas e o estúdio certo onde gravar um novo álbum. E isso demorou, demorou bastante tempo! Penso que gravámos os temas I'm Still Free e Hang Your Head Down Low por volta de 2008/2009 e lançámo-los em 2010 em formato single, para depois começarmos a gravar “The Soul of Spain“ em Fevereiro de 2012, que só tivemos completamente pronto e distribuído em Setembro de 2012...

PP -Como foi regressar a estúdio com os Spain?

JH -Foi muito fácil. O nosso produtor -o Billy Burke -foi impecável... Nós não tínhamos dinheiro para gravar o álbum e ele trabalhou connosco e produziu o nosso trabalho basicamente porque gostava da nossa música e adorava a banda. Foi um trabalho de amor à camisola e ele foi muito bom em relação a tudo. Primeiro que tudo, o estúdio dele tem todos os apetrechos técnicos de que precisávamos para conseguirmos aquele tipo de som mais vintage, mais quente... E depois, todo o conhecimento que ele tem em relação ao processo de gravação e a forma como lida com as bandas revelam muita experiência. Por isso, sentimo-nos muito à vontade no estúdio. Foi como se o tempo nunca tivesse passado. Mesmo agora, ainda sinto como se estivesse de volta a 2001, como se me estivessea preparar para entrar em digressão na Europa. Creio que, para todas as outras pessoas, é como se tivesse passado imenso tempo. Quanto a mim, tenho a sensação que ainda ontem estava a finalizar o terceiro álbum dos Spain.

PP -O título do vosso novo disco, “The Soul Of Spain”, tem um construção que remete de imediato para o primeiro disco dos Spain ,”The Blue Moods of Spain”. Foi permeditado?

JH -Sim, foi, definitivamente, de propósito. Quis que fosse algo muito óbvio, porque passou tanto tempo entre esses discos, que achei que não tinha nada a perder. Consegui sentir um certo nível de liberdade em relação ao que podia produzir artisticamente. Basicamente, eu tinha muitas ideias, os outros membros da banda tiveram outras tantas, só tivemos que decidir o que funcionava e o que não funcionava. Não impus a mim próprio parâmetros ou regras da mesma maneira que fiz quando gravámos “The Blue Moods of Spain”. Desta vez, foi mais do género: estamos a gravar o nosso primeiro álbum emdez anos e vamos atirar-nos de cabeça sem sobrepensar. Queria que este álbum fosse uma reflexão honesta do que estamos a fazer em vez de um reflexo da preocupação sobre aquilo que os nossos ouvintes possam ou não querer ouvir.

PP -Atualmente, quais são as suas maiores motivações enquanto compositor?

JH -Creio que tudo remete para a questão de como cresci enquanto músico. Há uma parte de mim que se sente compelida para escrever canções, e creio que seria um grande desperdício, tendo eu essas ideias para canções, se não as escrevesse. Estou sempre a pensar em música, seja quando estou no duche, ou a lavar loiça, quer enquanto vou fazer jogging ou quando estou a guiar na estrada...Claro que depois, quando me sento para escrever, parece que nada surge e tenho imensos bloqueios de escrita, mas já tentei fazer outras coisas e acabo sempre por regressar à música. Penso que isso diz qualquer coisa, tanto sobre as minhas raízes como sobre aquilo que me sinto confortável a fazer.

PP -Os Spain tocaram no Porto, pela primeira vez, no Hard Club (Vila Nova de Gaia), em 1999. Ainda guarda alguma memória desse concerto?

JH -Lembro-me de ir a caminho do Hard Club e das ruas estarem fechadas porque havia muita gente, e que o trânsito estava um caos, devido a todas as pessoas que tentavam entrar no edifício. Lembro-me de pensar que era uma coisa completamente fora do normal, de maneira positiva, mas muito fora do normal. Também me lembro da sala e das pessoas, que eram muito simpáticas e reagiram muito positivamente. Na altura, alguém me deu uma garrafa de vinho do porto que ainda nem sequer cheguei a abrir. Nem sequer sei qual é a longevidade do vinho do porto... Já se passaram 12 anos e ainda continuo à espera do momento ideal para abrir a garrafa, por isso é que ainda a tenho.

PP -Sei que depois desta digressão já têm planos de voltar a estúdio e de gravar um novo disco. O que nos pode dizer sobre isso?

JH -Na verdade, ainda não há assim tanto para dizer sobre o assunto, uma vez que ainda não tivemos uma conversa séria acerca disso, enquanto banda. Da minha parte, tenho uma visão, não sei se irá concretizar-se ou não, mas... Gostaria que o próximo disco fosse composto com base na ideia de que me estavam a dar uma oportunidade de gravar os discos predecessores ao “The Blue Moods of Spain” mais cedo do que tivemos oportunidade. Porque, embora ache que o “She Haunts My Dreams” (1999) seja um grande disco e esteja muito feliz com ele, sinto que teria gravado um disco diferente se não tivesse tido que esperar tanto tempo. Portanto, ainda tenho a ideia desse disco que devia ter sido feito depois do “The Blue Moods of Spain” e que não pude fazer... E agora, que gravei e lancei o “The Soul of Spain”, já posso fazer algo mais coeso, mais temático. O “The Soul of Spain” acabou por ser um álbum muito mais intuitivo, sem uma direção específica. Chegávamos a estúdio, começávamos a tocar e carregávamos no botão para gravar. Creio que para o próximo disco gostaria de fazer algo mais pensado, centrado numa temática mais específica.

PP -Já tem alguma ideia de que temática possa ser essa?

JH -Ainda não, mas, mesmo que soubesse, provavelmente não diria nada, para não agoirar. Senão teria de mudá-la. Mas, honestamente, organizar uma digressão ocupa muito tempo, tal como estar na estrada, e é nisso onde, por agora, estamos focados. Só quando regressarmos a casa é que vamos poder começar a gravar canções e a falar seriamente sobre o próximo disco.

Os Spain vão estar esta sexta-feira, no Lux, e sábado no Hard Club.

Ariana Ferreira