Já sabíamos que Cohen estava em boa forma. Afinal, da última vez que passou por cá, em 2010, com um concerto no Pavilhão Atlântico, fez muito mais do que limitar-se a picar o ponto - as cerca de três horas de atuação nunca soaram a frete nem para ele nem para o público, ainda que a digressão tenha sido consequência, pelo menos em parte, do desfalque de milhões levado a cabo pela sua ex-manager, deixando-o na bancarrota em 2005.

Do que já não estaríamos tão certos era que essa vitalidade em palco tivesse correspondência na inspiração para novas composições. Se não faltaram discos e DVDs ao vivo nos últimos anos, o registo de originais mais recente, "Dear Heather", datava de 2004. Agora, quase dez anos depois, muitas modas musicais podem já ter nascido e morrido mas Cohen, esse, mantém-se igual asi próprio. "Old Ideas" não começa propriamente onde o anterior terminou - até porque é um dos discos do canadiano mais minimalistas em muito tempo -, embora a marca de quem o assina seja, como sempre, inegável e inimitável.

As regras da atração

Basta ouvirmos os primeiros versos do tema de abertura para percebermos que, apesar do relativo pousio criativo, Cohen não perdeu o sentido de humor - neste caso, um humor mais auto-depreciativo do que nunca. "I love to speak with Leonard/ He's asportsman and a shepherd/ He's a lazy bastard/ Living in a suit", canta no arranque de "Going Home", canção em que parece sentir-se em casa ao abordar temas habituais na sua obra: amor, sacrifício, derrota. Ou ainda desejo e morte, que dançam a partir dos sussurros de "Darkness", primeiro avanço para o disco e um dos seus momentos mais insinuantes - e também dos mais crus, sugerindo que este pode ser um álbum de despedida em confissões como "I got no future/ I know my days are few/ The present's not that pleasant/ Just a lot of things to do".

A sequência de "Darkness", "Anyhow" e "Crazy to Love You" é, aliás, a melhor de "Old Ideas", com as palavras de Cohen a reclamarem especial atenção nas atmosferas mais rarefeitas do alinhamento, que diluem blues, folk ou jazz. Mais do que cantar, o canadiano de 77 anos recorre ao spoken word em relatos sobre o desejo ("I'm naked and I'm filthy/ And there's sweat upon my brow") ou a entrega obsessiva ("Had to go crazy to love you/ Hate to let everything fall/ Had to be people I hated/ Had to be no one at all"), despindo as canções mas garantindo que não deixamos de o escutar.

Anjos e demónios

Bom vivãincapaz de renunciar ao pecado, Cohen continua a dar-se a luxo de ter anjos a cantar para ele - ou pelo menos assim nos soam as Webb Sisters, Sharon Robinson ou Dana Glover, que deixam a voz grave do canadiano muito bem acompanhada. A redenção, pelo menos parcial, chega com "Come Healing", longe da ambiência quase bas fond das antecessoras, embora com a mesma intensidade. Este contraste entre o espiritual e o trival, o sagrado e o profano, marca também "Amen", em que Cohen não se sai mal a fazer-se passar por Tom Waits, de cujo timbre se aproxima sem que o imaginário da canção deixe de ser seu.

Apesar de "Banjo" e "Lullaby", algo modestas tanto nas melodias como nas letras, refrearem ligeiramente os ânimos na reta final, o remate de "Old Ideas" faz-se com mais um exemplo de eloquência muito particular, em "Different Sides" (com a crispação emocional a resultar em versos como "Both of us say there are laws to obey/ But frankly I don't like your tone/ You want to change the way I make love/ I want to leave it alone"). Enquanto Cohen continuar a deixar-nos discos com canções assim, a falta de ideias novas a que o título alude não deve ser entendida como defeito, mas feitio. E como o dele há poucos.

@Gonçalo Sá