Postura direita, quase estática, bamboleado apenas o pé e a cabeça, sem muitas palavras, semblante carregado e roupa negra. Assim se apresentou Mark Lanegan,o homem da voz rouca que todos ansiavam ouvir, no início do concerto, . Apenas com guitarra a acompanhar, começámos por escutar “When your number isn’t up”, faixa que inicia também o disco “Bubblegum”, de 2004, álbum que conta com colaborações de excelência, que já por inúmeras ocasiões cruzaram o caminho deste “lobo”, como PJ Harvey e Josh Homme. Falando nos mesmos, não faltou também no alinhamento a já icónica e brusca “Hit the city” e, já no encore, a poderosa “Methamphetamine Blues”.

Mas, antes disso, durante a noite, escutámos muitos temas repescados um pouco aqui e ali, como “Black Rose Way”, que nos levou até aos anos 90 e ao passado não tão longínquo dos Screaming Trees. O espaço temporal mudou, mas a alma é a mesma, a voz cavernosa nos temas carregados de dor, disfarçada de grunhidos, à boa maneira norte-americana do grunge, misturada com alguma amargura do blues. Uma dor partilhada ali, em comunhão com os fiéis fãs que, apertados em ambos os pisos de um Armazém F lotado, seguiam com toda a garra música após música. Foi o caso de “Low”, que ouvimos também no início, apenas acompanhada de guitarra, assim como a ainda fresca “Judgement Time”.

O resto da banda subiu ao palco para a sofrida “No Bells on Sunday”, mas foi a malha “Gravedigger’s Song” que deu um abanão no público, efeito que foi sendo recorrente ao longo do concerto, com as enérgicas “Riot in my house”, “Ode to sad disco” e “Gray goes Black”, dando provas do quão sólido e memorável ainda é “Blues Funeral”, face ao seu sucessor. Uma diferença muito notória entre os temas de um e de outro, um com mais peso na guitarra, outro com alguns toques mais eletrónicos. Ainda assim, temas como “Harvest Home” e “Floor of the Ocean” não deixaram de ser bem recebidos pelo público.

Foi mesmo com “I am the wolf”, faixa forte do mais recente registo, também guardada para o final, que Mark Lanegan mostrou as suas verdadeiras cores – “I am the wolf without a pack” –, a vermelho e preto, como as luzes que se mantiveram constantes do início ao fim do espetáculo, e que contou com a colaboração de Duke Garwood na guitarra. Já “Killing Season”, uma das faixas mais orelhudas e de fazer bater o pé do mais recente registo, fechou a noite e colocou um término na festividade solene.

Mesmo tendo lançado um disco juntos, a afinidade entre Garwood e Lanegan é notória. Vemos passadas em paralelo, caminhos trilhados pelas influências de blues nas suas músicas. Ainda que o britânico tenha subido por diversas vezes, em ocasiões diferentes, ao palco, teve o seu momento para brilhar. Uma primeira parte que abriu as hostes para o concerto que aí viria, na qual apresentou o mais recente “Heavy Love”, com temas como o que dá o nome ao álbum e “Disco Lights”.

Antes, passámos pelo ritual dos belgas Faye Dunaways, que, ainda numa fase inicial, nos levaram por uma animação a preto e branco, projetada, que invocava a religião e a morte, num cenário sombrio de caminhos de ferro e florestas. Além da mostra visual, também a percussão de apenas pratos e tarola e a sonoridade electrónica a roçar o industrial, no vasto oceano da música exploratória, impressionaram e deixaram uma vontade de ouvir e saber mais.

“Os fantasmas” seguiram viagem, mas, com uma multidão rendida, entusiasmada e ansiosa pela sessão de autógrafos posterior, ficou a sensação de missão cumprida e uma lealdade da matilha deste “lobo solitário” até um próximo regresso.

Texto: Rita Bernardo

Fotografia: Nuno Bernardo