Palco Principal - Queria começar pelo nome do teu álbum. Porquê “Erro Perfeito”?

Tekilla - O meu núcleo familiar não vê com bons olhos esta opção que fiz de enveredar numa carreira musical. Com tantos caminhos profissionais que eu podia ter seguido, desde marketing a gestão, a opinião deles é que este não foi o mais correto. Mas, para mim, é exatamente o contrário, para mim foi uma escolha perfeita. Daí "Erro Perfeito".

PP - Apesar de já estares no terceiro álbum, ainda sentes que eles continuam com a mesma ideia?

T - Ainda. Sabes que as pessoas, quando estão fora da indústria musical, têm uma outra noção de como funcionam as coisas. Basta verem o teu nome em cartazes de concertos e festivais para pensarem que estás em grande, com carros, casas, etc. Por isso, quando eles me veem a viver o meu dia-a-dia na normalidade, a fazer as coisas todas que fazia antes, a frequentar os mesmos locais e a lidar com as mesmas pessoas, pensam logo que não estou a ter sucesso na profissão. E então acabam sempre por me perguntar se é mesmo isto que quero fazer da vida e se não devia mudar de área. Basta verem alguém mais bem-sucedido na minha área para entrarem em comparações. Eu, nessas situações, tento explicar-lhes que grande parte desses artistas são momentâneos, batem durante um verão, mas, passados uns meses, já ninguém quer saber deles. E eu não gosto desse conceito. Eu prefiro fazer música intemporal, gosto de olhar para aquilo que faço e pensar que estou a abranger várias épocas e faixas etárias.

PP - A construção do teu álbum foi toda feita de forma independente, certo?

T - Primeiro, cozinho o som e só depois é que adiciono os molhos (risos). Eu gosto de criar um ambiente familiar com todas as pessoas que participam no meu disco. Muitas vezes, quando o Sam [The Kid] ou o Maf [Guardiões do Subsolo] me trazem um beat, apesar de estarem muito bons, penso logo em acrescentar coisas, em meter baixos ou teclas. E, como gravo no estúdio do pessoal dos Orelha Negra, às vezes viro-me para o João [Gomes, teclista] e peço-lhe para fazer um arranjo ou outro com base naquilo que estou a pensar ou a entoar com a voz. É este tipo de relação que eu gosto. Este ambiente de família. E esta é uma das razões que me levam a ter mais músicos do que propriamente rappers no álbum.

PP - E só depois é que surgiu a distribuição através da Farol?

T - Sim. O contacto surgiu através do Paulo Almeida [Maf], um dos produtores do álbum e amigo de longa data, que, depois de ouvir o álbum, sugeriu que o mesmo requeria um outro tipo de tratamento e gestão. Ele passou-me os contactos, marcámos uma reunião, fui lá, ouviram, gostaram - na altura surgiu o interesse de incluir o tema "Serius" numa telenovela da TVI - e colocaram sobre a mesa a hipótese de distribuir o álbum.

PP - Olho para o teu álbum e denoto que houve uma preocupação com toda a componente gráfica da capa e do próprio disco. Não há aqui nada feito à toa…

T - Nunca pode ser feito à toa, eu sou contra isso. Eu sou aquela pessoa que prefere perder mais algum tempo com as coisas e até se atrasar com os timings, se for preciso. Porque tu vives numa indústria um bocado hipócrita, e acontece que muitas vezes não consegues acompanhar os timings que te são instituídos. Mas eu prefiro ver o meu trabalho de um ponto de vista artístico, do que de um ponto de vista financeiro. Os designers com quem eu estava a trabalhar eram um pouco limitados, queriam que eu fizesse umas fotos em frente a uns grafitis e coisas do género... (risos) Com muito cliché envolvido. Tive de explicar-lhes que eu não sou assim. Não me visto à rapper, não me identifico com essas ideias pré-concebidas. Então perdi algum tempo até encontrar alguém que percebesse o meu conceito e a minha visão. Foi então que entrei em contacto com a Bold Creative Studios, uma empresa formada por pessoas que já andam nesta área há algum tempo. Já tinha mais ou menos uma ideia e foi só desenvolver o restante com eles. E, realmente, olhas para a capa do álbum e, apesar de não a conseguires associar de imediato a nenhum estilo de música, sentes que houve uma preocupação da minha parte. É um álbum que podes colocar em qualquer prateleira de música e que vai chamar à atenção.

PP - No tema “Contra Factos…” dizes: “o meu álbum saiu há dois anos e nunca vi uma cópia na Carbono”, Sentes a falta de lojas de música especializadas como a Godzilla?

T - Falta essa importância que a cultura tinha e que se perdeu, devido à evolução dos tempos e das coisas. Perdeu-se a essência do físico. A Godzilla foi uma referência no hip hop. Aquilo já não era somente uma loja de música, era um local de culto. Era um ponto de encontro. Na altura havia muitos artistas - muitos deles deixaram de fazer música, porque já não têm postos de venda, não têm onde comercializar o seu produto - que tinham projeção graças às mixtapes que faziam e que eram vendidas na Godzilla. Não tinham de andar à procura de distribuidores, não se preocupavam em pagar percentagens da venda, nem em pagar direitos a terceiros por ser uma mixtape, etc.

PP - E duma revista como a "Hiphop Nation"?

T - Sim, também falta uma revista especializada na matéria, porque era uma comunicação direta e elevava o estatuto da cultura. A "Hiphop Nation" tinha essa função. O pessoal chegava àquele dia do mês e já andava curioso sobre quem é que ia ser a capa da revista, que músicas é que o CD trazia... Quando saiu o meu primeiro álbum, cheguei a dar concertos em que ficava boquiaberto, a olhar para as pessoas a cantarem os meus temas do início ao fim. Havia uma comunicação mais direta, sinto falta disso. Sinto que hoje em dia se perdeu a preocupação e o carácter do jornalista ir à procura do artista e fazer uma pesquisa. Nós temos uma lacuna na comunicação social nacional. Os jornalistas perderam o seu profissionalismo e seriedade. Já cheguei a ver críticas que não têm nada a ver com o álbum, e outras que não passam de meras cópias de artigos já escritos. Ou porque é mais fácil, ou porque não querem perder tanto tempo com o assunto. A indústria portuguesa está sobrecarregada por tanto artista bom, sem visibilidade, e vice-versa, e cabe a esses órgãos a tarefa de divulgação. Hoje em dia as televisões estão cheias de lixo, é só pimba, 'casas dos segredos' e azeite - não é isso que vai beneficiar e reeducar as pessoas.

PP - O teu álbum é bastante arrojado a nível de temática: tens canções de amor, temas mais interventivos, no entanto, noto que é muito pessoal…

T - A nível musical, eu tento sempre encontrar um equilíbrio. Eu tento sempre ser o mais versátil possível, tento nunca estar comprometido com a indústria, de forma a não ser rotulado de forma indevida. Não quero que olhem para mim e pensem que sou um Che Guevara ou algo parecido. E sim, é um álbum extremamente pessoal - quem o ouve tem acesso a toda a minha vida. Se calhar há pessoas que não me conhecem e pensam que eu sou uma coisa, mas, se forem ouvir o meu disco, vão ver exatamente outra. Aqui tens acesso às minhas origens, ao meu percurso. Esta é a minha forma de comunicar, acho que as pessoas têm de ter acesso a uma certa informação para poderem perceber o artista.

PP - O tema “Só Há Um” acaba com um diálogo entre ti e o Sam The Kid, em que evocam alguns locais e acontecimentos que foram importantes para a cultura. Achas que há falta de informação a esse nível?

T - Tu estás numa fase ótima do hip hop. Está na moda. No entanto, acho que as pessoas não têm a noção de como começaram as coisas, porque, na maior parte do casos, não há a preocupação de fazer uma pesquisa. Não sabem quem foi, quem é que começou, quem é que esteve. Essa informação tem de ser transmitida. Esse diálogo é um pouco uma retrospetiva do ambiente saudável que se vivia naquela altura. Lembro-me bem desses tempos, tinha uma crew, a PBC (Pontinha Bombing Crew), que aglomerava pessoal de vários movimentos, desde o punk, ao metal, ao hip hop. Éramos muitos unidos, não havia cá diferenciações entre as pessoas só por ouvirem outro estilo de música. As bandas sonoras da altura giravam em torno de coletivos como Wu-tang Clan, Boot Camp Clik, De la Soul, Beastie Boys, Public Enemy, mas também No Use For a Name, No Fun At All, NOFX, Millencolin - para nós era tudo igual. Esse tipo de vivência enriqueceu-nos.

PP - Neste álbum voltas a ter Sam The Kid como convidado musical. Porquê esta presença assídua nos teus trabalhos?

T - Muitas pessoas não sabem, mas eu e o Sam temos um relacionamento há alguns anos, e há uma preocupação nesta amizade. Não tem só a ver com o facto de ele me fazer uns beats, ou de participarmos em músicas um do outro - é uma pessoa que me vai visitar a casa, que vai ao meu local de trabalho, vamos jantar, saímos... Eu lembro-me, inclusive, duma altura em que acabámos com as nossas namoradas quase ao mesmo tempo, falámos e até pensámos em fazer um som sobre o assunto. Mas não só. Eu e o Sam temos muitas coisas em comum: partilhamos muitas vezes as mesmas opiniões acerca de um álbum ou de uma música. Às vezes estamos a escrever uma música em conjunto e entramos numa picardia - saudável - a nível de letras e flows, e isso ajuda-nos a puxar um pelo o outro.

PP - Há um vídeo na internet em que surges com o Sam The Kid a denunciar um episódio em que alguém disse que o tema “Sinónimo” estava “muito rap”. Queres falar um pouco sobre o assunto?

T - Esse rótulo é o standard da ignorância. Ninguém vai dizer ao Carlos do Carmo que a música que ele faz está muito fado; ninguém vai dizer aos Moonspell que a música que eles fazem está muito metal. O que eles querem é que uma pessoa faça algo mais suave para que o pessoal de fora não sinta que a música é tão agressiva... Mas não. Tu tens de dar a essência, não tens de suavizar nada para agradar a ninguém ou para ter acesso à indústria. Eu não tenho de me adaptar à indústria, a indústria é que tem de se adaptar a mim. Eu não tenho de limar a minha música só para agradar aos outros. Ela sai como tem de sair: em estado bruto!

PP - És uma pessoa muito ligada ao mundo da roupa, do calçado e dos acessórios. Achas que o hip hop ainda é associado àquilo que vestes? Ainda há muito essa catalogação?

T - Acho que esse rótulo já pertence ao passado. Dantes, para seres do movimento, tinhas de usar o boné para trás, calças largas, t-shirt XXL, ténis que davam a sensação de estares a calçar alguns números acima... Isso foi uma fase em que as pessoas associavam a roupa ao género musical; hoje em dia já não é bem assim. Tu vestes a roupa com a qual te identificas. Eu vejo a moda como uma forma de expressão. Por exemplo, as pessoas olham para mim e reparam que eu estou sempre “clean”. Se calhar, se ouvires, a minha música é o sinónimo disso. A forma como tu te apresentas poupa mil palavras, pois estás a expressar-te. As pessoas muitas vezes não sabem e esquecem-se que a imagem é um fator benéfico para qualquer artista. Se tiveres uma imagem descuidada, arriscas-te a levar com um mau rótulo, percebes? Parece que não, mas as pessoas estão atentas a esses pormenores. E, como tens que te deslocar, andar na rua e comunicar com essas pessoas, automaticamente podes ser julgado. Já aconteceu virem-me dizer que me viram numa festa com pantufas calçadas. Aquilo eram loafers, um sapato muito utilizado nos dias de hoje, inspirado na época monárquica. Quem não esteja atento à moda, não entende estas coisas e pode achar que é ridículo. Estando dentro do mundo da moda, vês que é algo comum. Assim, sem ferir suscetibilidades, vais reeducando as pessoas. Eu não estou comprometido com nada, mas há algo a que eu sou sempre associado: o nível e a qualidade. Seja a nível de roupa, seja a nível de música, seja a nível de comunicação…

PP - E a nível de concertos, como tens estado?

T - De momento ando focado na promoção direta do álbum: lançar vídeos com qualidade, ter uma promoção consistente, garantir que não faltam álbuns nos locais de venda, para não correr o risco do pessoal se queixar que já esgotou. No entanto, já tenho algumas datas marcadas. Vou estar no festival Sumol Snowtrip, em Espanha, onde vou tocar com o Ride e outros artistas, e tenho concertos agendados em Lisboa e Braga durante o mês de março. As datas vão-se compondo à medida que as pessoas vão tendo acesso à música, à informação, etc.

PP - Com os vários convidados que tens no álbum, como é que vais articular os concertos?

T - Para palcos maiores, há banda ao vivo. Para palcos mais pequenos, tenho previsto DJ set com convidados. Vai depender muito das agendas. Desde que eu saiba com antecedência, consigo fazer essa gestão. Nunca vou conseguir ter esse pessoal todo em palco, mas vou tentar garantir sempre uma boa parte dele, porque enriquece o espetáculo. Mas, por norma, não gosto de citar quem vai estar presente, porque muitas vezes são nomes sonantes e as casas vão aproveitar para tentar meter esses nomes no cartaz, porque é uma mais valia. Não gosto de me comprometer a esse nível. Os meus concertos têm convidados, mas vais lá para ouvir o Tekilla. Tem de haver alguma discrição, para o pessoal não se exceder e confundir as coisas, como já foi o caso: uma vez, num concerto em Braga, colocaram o nome dos convidados no cartaz, o que levou o pessoal a pedir para o Sam ir para o palco cantar, pois, supostamente, tinham pago para o ver. E ele só lá estava para tocar uma música ou duas como convidado. Essas particularidades têm de ser bem geridas, para não haver confusões.

PP - Como e que vês este ano de 2014 para o hip hop nacional?

T - Acredito que este ano vão ser lançados bons álbuns. O primeiro que me vem à mente é o do Xeg - já anda aí a rodar o single "Sonhos". É um daqueles artistas que tem um percurso e que marca a diferença quando edita um álbum. Se ele tiver a comunicação e o suporte adequado, acho que será um ótimo lançamento. Não sei em que ponto se encontra o álbum do Valete, mas, se sair este ano e se tiver com a direção correta, pode vir a ser um dos melhores anos para o hip hop português. Da minha parte adivinha-se um bom ano, estou inspirado, estou com pica.

Manuel Rodrigues