Chegaram a Lisboa cheios de fome e sem sítio para almoçar. Acabaram por saborear a comida portuguesa fora de horas, num restaurante na Calçada do Combro e na companhia da fadista Mísia.

Uma recepção calorosa que deixou uma memória feliz nos irmãos Ruiz. Gustavo já esteve na capital outras vezes e é ele que vai orientando a irmã. Além da saborosa comida portuguesa, destacam a luz da cidade como sendo uma das coisas mais impressionantes desta visita. «Parece que o dia inteiro é uma luz de pôr-do-sol, que é ideal para fotografar. É bonito mesmo», confessa Gustavo com um sorriso nos lábios.

Vieram só os dois, voz e violão, para apresentar o seu álbum de estreia «Efêmera». Fica a promessa de um regresso aos palcos nacionais perto do Verão, mas, desta vez, com toda a banda. Este trabalho ainda agora começou a sua viagem pela Europa, mas Tulipa e Gustavo já pensam no próximo disco.

SAPO: O que é que as pessoas vão encontrar em «Efêmera»?

Gustavo: Elas vão encontrar um disco despretensioso em termos de temática. Canções não muito longas. Ele é um disco leve, mas que tem as suas minúcias.

SAPO: Tulipa, você acabou por desistir da sua carreira como desenhista para se dedicar inteiramente à música. Não teve receio de arriscar?

Tulipa: Na verdade eu não tive medo porque antes a música era o meu hobbie. O Gustavo sempre tocou, estuda música desde pequeno e o meu pai é músico. Eu tinha a sensação que não era um departamento meu em casa. Eu ia trabalhar com outras coisas e a música era um lugar de diversão. Até que começou a ficar sério. Começou a ter ensaio na hora do trabalho, a ter show marcado na hora do trabalho. Então eu tive de abandonar a minha agência de comunicação para me dedicar à música. Não foi nem uma decisão. A música invadiu minha vida e eu tive que seguir.

SAPO: Uma das características das composições deste novo disco é a simplicidade das letras, mas falar simples é mais difícil do que falar complicado?

Gustavo: Com certeza. Tem até essa analogia no título do disco. A Tulipa explica isso bem…

Tulipa: A palavra efémera fala de coisas perecíveis, passageiras, que têm durabilidade curta. Botar no nome do disco «Efêmera» é uma reflexão. Será que o efémero é ruim? Ele pode ser bom, ele pode ter um impacto duradouro na vida de alguém? Uma estrela cadente tem três segundos e é uma coisa infinitamente maravilhosa. Como fazer coisas rápidas e que tenham impactos duradouros e poéticos? É difícil construir narrativas longas hoje. Então, esse disco é um pouco um exercício para tentar não ser perecível, tentar ficar na memória.

SAPO: Se pudéssemos ver o que têm dentro dos vossos mp3 neste momento, o que iríamos encontrar?

Gustavo: Actualmente, o disco novo de Strokes e Radiohead. Uma pasta de utilitários com trabalhos em andamento. Essa pasta escuto todos os dias.

Tulipa: No meu caso, tem Joni Mitchell, tem muita música brasileira, tem uma banda portuguesa que eu gosto muito e que se chama «Os Quais», muitos discos dos Beatles e Stones.

Gustavo: E a gente escuta bastante os nossos conterrâneos contemporâneos. Marcelo Jeneci, Karina Buhr… é uma turma. A gente se admira mutuamente.

SAPO: Este disco, quando saiu no Brasil, teve uma rápida aceitação e críticas muito positivas. Esperavam esta recepção?

Tulipa: Foi uma surpresa porque eu achei que a música tinha invadido a minha vida e mudado a minha carreira, mas que, se não desse, eu ia voltar para ser jornalista. Então, a minha preocupação maior era essa: se em seis meses não der certo eu vou voltar a trabalhar naquilo em que trabalhava antes. Eu não pensei em crítica e quando foi acontecendo a gente foi se assustando. Na verdade, o Gustavo é músico, produtor, toca com várias pessoas e a gente tinha por obrigação familiar fazer um disco meu, gravar a música que a gente faz. Mas era muito mais uma coisa sem compromisso.

Gustavo: Era a celebração de um referencial comum.

Tulipa: As coisas [críticas positivas] que foram acontecendo, a gente não esperava e realmente foram surpreendendo, a gente, a banda e os amigos próximos.

Gustavo: A Tulipa, por ter feito jornalismo e ser ilustradora, veio de uma área inspiradora. Isso e ter decidido cantar profissionalmente, já com trinta anos, cria um trabalho que soa pouco afobado e isso fica estampado. Ele não é ansioso, ele é um disco curto mas bem ponderado em conceito.

SAPO: Onde se sentem mais confortáveis? Estúdio ou palco?

Tulipa: Eu sou apaixonadíssima pelo palco. Eu falo que estúdios são horas de voo. Eu preciso ter mais tempo de pilotagem no estúdio para me divertir mais. O estúdio para mim é como se fosse um zoom na minha voz. A respiração muda, tudo fica muito mais perto. Ainda preciso pilotar mais no estúdio. Palco para mim é o lugar onde eu mais me divirto, onde tudo pode ser linguagem… de uma “microfonia” [sorriso]… pode ser incrível! Palco para mim é um lugar de poder, de infinitas possibilidades.

SAPO: Partilha deste entusiasmo, Gustavo?

Gustavo: Não, eu prefiro estúdio. A magia do estúdio é você conseguir realizar aquilo que imaginou com o máximo de critério e poder experimentar. O disco foi feito rápido. A gente gravou o disco todo num mês, mas ele foi feito com muito critério, com profissionais excelentes e o resultado é muito bom. Eu acho que essa experiência do estúdio é o que me dá mais prazer. A Tulipa é realmente uma figura do palco. Eu sempre fico brincando, dizendo que a gente precisa recriar o ambiente show, a informalidade do show, no estúdio. É difícil fazer isso.

SAPO: E relativamente a projectos futuros? Alguma coisa em vista ou a ser desenvolvida?

Tulipa: A gente mora junto. O meu pai mora a uma quadra de casa. O meu show tem projecção dos meus desenhos e o amigo que anima os desenhos mora no apartamento de cima. Então, é como se a gente vivesse numa grande produtora. A gente fica o dia todo fazendo conteúdo: fazendo música, fazendo vídeo, pensando em trilha. Eu acho que o grande desafio do próximo disco é garimpar coisas nesse tanto que a gente produz. Não vejo a hora de isso acontecer, porque a gente esteve pouco tempo em estúdio para fazer o «Efêmera». Quero agora no próximo disco ficar mais relaxada na hora do estúdio. Gravar com um pouquinho mais de calma.

Gustavo: O próximo disco é um projecto para o começo de 2012. Agora a gente lança o disco [Efêmera] na Europa. A nossa ideia é voltar com a banda, não só para Lisboa. O disco está a ser lançado na Inglaterra e na França. A nossa ideia é vir no Verão para cá e tocar em Portugal com a banda. A recepção da crítica portuguesa está surpreendente também. Está seguindo a linha.

«Efêmera» é um álbum composto por onze músicas e conta com a participação de Tulipa Ruiz (Voz), Gustavo Ruiz (guitarra e produção), Márcio Abrantes (Baixo), Duani (Bateria), Dudu Tsuda (piano), Luis Chagas (Guitarra), Victor Paranhos (som), Paulinho Fávero (Luz) e de Ciça e Lucchesi & Fred Siewerdt (Projecção).

@Inês Fernandes Alves