Com a chegada do rigoroso frio da estação, voltou então o festival de inverno por excelência. No ano de 2014, perderam-se umas salas, ganharam-se outras, estando a distribuição geográfica das mesmas mais concentrada, evitando longas caminhadas ao frio. Em estilo de peddy-paper, de mapas em punho, os festivaleiros muniam-se de lenços para o pescoço e chocolate quente, gentilmente cedido pela organização, na travessia entre os 12 palcos da cidade.

Num festival em que a música é religião, há rituais, sacrifícios e muitas escolhas. Também nós tivemos de fazer as nossas. Este ano, o cartaz, fortemente pautado pela música no feminino e pela música portuguesa, prometia noites animadas e roteiros variados para todos os gostos. Em destaque estavam St Vincent, Sharon Van Etten, Wild Beasts e Tune-Yards.

Dia 1

20h00 – Ana Cláudia @ Sociedade de Geografia de Lisboa

Ali, mesmo ao lado do Coliseu, onde os bilhetes eram trocados por pulseiras, a Sociedade de Geografia de Lisboa poderia passar despercebida, não fossem os holofotes vermelhos que, este ano, simpaticamente iluminavam as salas de concertos improvisadas, facilitando os saltos de palco em palco. Ao entrar pela porta do lado esquerdo, logo o edifício estremecia com os baixos das faixas do EP “De Outono”, lançado recentemente por Ana Cláudia, através da NOS Discos. Uma cantora de formação jazz, que enveredou pela simplicidade, despindo os rótulos e permitindo à sua música, minimalista, deixar brilhar a doce voz, como um raio de sol que nos aquece momentaneamente numa tarde de outono frio.

Começámos, então, em concordância com a estação, e pela junção das duas vertentes em destaque no festival. Ao entrar na sala, Ana Cláudia já cantava, debaixo de uma imponente escadaria de ferro. Chegámos a tempo de ouvir uma belíssima versão de “All is full of love”, de Bjork, que a própria confessou ter resultado de um desafio, a propósito do Dia Mundial da Paz. Apesar do calor, aquela figura solitária, no palco, provoca arrepios na pele, e deixamo-nos envolver.

A banda regressa para “Riso”, o single do EP, que mostra que o outono tem muitas cores e pode ser tão bonito quanto a primavera ou o verão. Para o final, em que já muitos haviam migrado para outros concertos, no vaivém que tão bem caracteriza o festival, ficou uma versão de “Ciranda da Bailarina”, de Chico Buarque, marcada pelas notas meigas do metalofone.

20h00 – NBC @ Casa do Alentejo

Uma das grandes virtudes de um artista é ter a capacidade de nos impressionar a cada vez que se apresenta ao vivo, isto é, ter a capacidade de nos surpreender com coisas novas a cada vez que sobe ao palco. E não se trata apenas de trazer músicas novas. Nada disso. À vezes, um convidado, a adição de um instrumento ou uma alteração à estrutura base de uma música são pormenores mais do que suficientes para tornar um espetáculo especial, mesmo que seja a milésima vez que o vemos (não faltam exemplos no concerto na Casa do Alentejo que o comprovem: coros femininos em “Bem Vindo ao Passado”, solos de guitarra em “Neve” e o convite a Sir Scratch para rimar numa das suas bases). E nisto, NBC é mestre. Não há um concerto que seja igual ao anterior, não há música que se repita duas vezes. Timóteo Santos, nome de batismo, tem o cuidado de acrescentar ou subtrair pormenores a cada espetáculo, de forma a ser único (na memória mais recente estão as atuações no Festival de Inverno e no Super Bock Super Rock).

E, verdade seja dita, esta banda foi o melhor que lhe aconteceu em toda a sua carreira. Já não era sem tempo. NBC é um artista que já não se contenta com um DJ e um deck de vinis. Ele precisa de algo que lhe dê liberdade de explorar melodias e harmonias, de algo que lhe permita exercitar a sua veia de artista e movimentar-se musicalmente sem qualquer tipo de barreira. E foi exatamente isso que foi possível testemunhar na Casa do Alentejo, local que o artista realçou ser património mundial, derivado ao facto do Cante Alentejano ter recebido tal distinção junto da Unesco (uma associação muito bem tirada). NBC e a sua banda estão de tal forma coordenados que parecem fazer isto há anos, de forma quase simbiótica. É um artista dos pés à cabeça.

20h40 – jj @ Igreja São Luís dos Franceses

A procissão para passar as grandes portas da Igreja São Luís dos Franceses ia longa e a passo lento. Passando as portas escuras, dentro da igreja, ainda que o espaço fosse demasiado pequeno e apertado para tantos curiosos pela performance do duo sueco jj, a atmosfera era sagrada, a confusão das entradas e saídas ordeira que baste, e Elin Kastlander, com a sua voz terna, em cima do altar, conduzia todo um culto, à medida que, com Joakim Benon e ainda um terceiro elemento, apresentava as canções etéreas e minimalistas do mais recente álbum, “V”, o terceiro dos suecos.

O cenário idílico assentava, que nem uma luva, com a banda sonora, ecos que caíam naturalmente bem nas faixas e luzes refletidas nos bonitos castiçais e figuras religiosas. Um concerto angelical, imperturbável, com pequenas explosões à mistura, no qual ainda pudemos ouvir o single “All White Everything” e “Inner Light”, com os efeitos de voz de Elin ainda a arrancarem alguns risos aos presentes.

À saída, foi tempo de beber um chocolate quente e apanhar um shuttle até ao Cinema São Jorge, a sala mais fora do roteiro, onde outra mulher, “comandante da guerrilha cor-de-rosa”, prometia um espetáculo cheio de extras e convidados especiais.

21h00 – Capicua @ Cinema S. Jorge

Para uma artista que anda há quase uma ano a apresentar o seu álbum pelos quatro cantos do país – e que foi, aliás, das que mais tocou nos nossos festivais –, é sempre complicado subir ao palco e conseguir imprimir algo de novo, nesta altura do campeonato. O risco de Capicua cair na repetição no espetáculo agendado para o Cinema S. Jorge era imenso. No entanto, a rapper portuense soube ser inteligente na forma como estruturou e guiou a sua atuação, conseguindo servir aos presentes um concerto fresco e singular.

A performance teve início com “Lenga” e “Sereia Louca”. Segura de si, Capicua serviu as primeiras rimas da noite secundada pela voz de suporte de M7 e pelas batidas de D-One. Estavam prometidos vários convidados para a noite, alguns deles a nível vocal, outros oriundos do universo das artes performativas, nomeadamente a dança. Lara Laquiz foi a primeira a pisar o palco, para dar vida a “Mão Pesada” e “Maria Capaz”, num misto de dança e teatro, perigo e sedução.

Seguiram-se “Jugular”, na sua habitual versão a cappella, “Medo do Medo” e “Casa no Campo”, com uma roupagem diferente da que estamos habituados a presenciar ao vivo (desta vez, Mistah Isaac ficou em casa). Pouco depois, foi a vez de “Alfazema” e “Mulher do Cacilheiro” contarem com a dança contemporânea de Susana Otero - uma prestação irrepreensível que serviu de tapete vermelho para Gisela João, a primeira convidada vocal da noite, dar voz ao refrão de “Soldadinho”.

O concerto prosseguiu com “Lingerie” e “Tabu”, na companhia da pole dance de Carolina Ramos, a centrar as atenções em si, e, logo de seguida, foi a vez de Aline Frazão colaborar na apaixonante “Lupa”, uma das mais belas músicas do álbum “Sereia Louca”. Para acabar, em jeito de festa, sob o lema “a gente diverte-se imenso”, Capicua atirou-se à divertida e magnetizante “Vayorken”, acompanhada nas teclas por Miguel Ferreira e rematada pelo “brinc-dance” do b-boy Aiam.

Estas participações trouxeram, não só uma nova vida ao espetáculo de Capicua, como acabaram por ilustrar da melhor forma as suas músicas, desde a sua faceta mais brincalhona, retratada no breakdance do b-boy Aiam; passando pela sua faceta mais sensual, traduzida na pole dance de Catarina Ramos; à de afirmação feminina, impulsionada pela dança de Lara Laquiz. Pura educação visual.

Saídos do São Jorge, e fazendo uso do nosso horário e plano dados no início da noite, apanhámos o autocarro das 22h00, apinhado como se de hora de ponta se tratasse, à boleia dos Turbo Balkan Beats, e deixámo-nos levar pelo som das Balcãs e pela fanfarra que dá vontade de dançar em pleno autocarro, independentemente das eventuais curvas e travagens da curta viagem até à Praça dos Restauradores. Garantidamente, uma das melhores viagens a bordo de um autocarro articulado.

22h30 – Tune-Yards @ Coliseu dos Recreios

Chegámos com atraso ao primeiro concerto do Coliseu. Os Tune-yards, projeto liderado por Merrill Garbus, não são, de todo, um ato fácil de colocar numa só gaveta de géneros ou estilos musicais e, decerto, muitos foram movidos pela curiosidade para ali estarem. Ao nosso lado, foi-nos garantido por um utilizador da app do evento que a lotação do Coliseu se encontrava a 90%. Quanto finalmente conseguimos passar além da porta, foi tempo de “Water Fountain”, o single que regularmente escutamos na rádio e que provocou uma reação festiva na multidão que assistia ao concerto.

Apesar do animado público a dançar, toda a experiência nos parece estranha, com percussões bem vincadas, um pouco até tribais. Contudo, a extrema lotação da sala não nos convenceu a ficar e rapidamente migrámos rua acima, até à garagem da EPAL, movidos pela curiosidade de averiguar o rock psicadélico dos australianos King Gizzard and the Lizard Wizard, cuja distância leva estes miúdos irreverentes a apresentar uma sonoridade quase que de outro mundo, marcada pelo revivalismo do rock psicadélico como o dos compatriotas Tame Impala e dos vizinhos Unknown Mortal Orchestra.

22h50 – Pharoahe Monch @ Ateneu Comercial de Lisboa

É estranha a forma como o rapper norte-americano vai guiando o seu espetáculo. Primeiro, sem qualquer noção do local onde está a atuar - um ginásio sem condições acústicas para grandes aventuras -, vai pedindo ao técnico de som para subir o volume do instrumental, que acaba por atingir níveis absurdos para um concerto de hip hop – afinal de contas, queremos ouvir é o que o rapper está a dizer e não avaliar se os beats são capazes de fazer ou não estremecer a sala. Em segundo lugar, passa a esmagadora maioria do tempo do concerto a evocar músicas alheias. “Sound of da Police”, de Krs-One, “Full Clip”, dos Gang Starr, “The Message”, de Grandmaster Flash and The Furious Five, e “Next Episode”, de Dr. Dre, são algumas delas. Por último, perde-se em discursos longos, completamente abafados pela má acústica do espaço, ao invés de lutar para que a sua música chegue à plateia o mais perceptível possível. Valeu apenas pela interpretação do tema “Simon Says”, um hino no seio do hip hop que repousa sobre um dos mais cobiçados instrumentais quando de freestyle se trata. Um concerto para esquecer.

23h15 - King Gizzard and The Lizard Wizard @ Sala SBSR, Garagem EPAL

São vários os átomos que podemos encontrar na molécula de ADN do KGLW: do garage rock ao rock psicadélico, beliscando aqui e ali as sonoridades de bandas como Strawberry Alarm Clock, King Crimson, Quicksilver Messenger Service, e, claro, como não poderia deixar de ser, os Beatles de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. No concerto na garagem EPAL, todos estes atributos vieram ao de cima de forma refinada, ou seja, adequada aos tempos correntes; focada no passado, mas adaptada ao presente. No palco, duas baterias vão segurando a componente rítmica, de forma seca e vigorosa, aproveitando o facto de serem quatro baquetas a bater para explorar a dinâmica com mais exatidão. À frente, repartidos entre teclados, guitarras e baixos, os restantes elementos da banda vão levando o público ao rubro com as oscilações de energia que servem à plateia.

Os KGLW são aquele tipo de banda que numa hora de concerto toca meia dúzia de músicas, pois chegam a ter temas, pelo menos em álbum, com mais de dez minutos de duraçã característica que conseguem explorar ao vivo sem se tornarem cansativos, o que acaba por se tornar positivo em concertos deste cariz. Ninguém tem a mesma paciência para ouvir ao vivo as mesmas canções infindáveis que ouve em casa, a não ser que o artista as consiga transportar para o palco com um outro tratamento. E é nesse campo que os KGLW conseguem vencer. As suas músicas não se tornam enfadonhas. Na verdade, estamos sempre à espera que os seus crescendos desaguem numa explosão de decibéis e acalmem a nossa ânsia interior por energia. É este o grande trunfo deste coletivo australiano, que consegue, quase simultaneamente, colar-nos os pés ao chão e saborear as melodias de guitarra e partir para o mosh ou saltar para o crowd surfing. É de se louvar.

00h15 – St. Vincent @ Coliseu dos Recreios

Era, então, hora de testemunhar um dos nomes mais aguardados do festival. Depois de ter estado, em junho passado, no Primavera Sound do Porto, tendo voltado à Invicta na quinta-feira passada, Annie Clark rumou a sul, para vir a Lisboa apresentar o seu quarto álbum enquanto St.Vincent, homónimo. Na bagagem trazia já a nomeação de melhor álbum do ano, pelo "NME", e a responsabilidade de não defraudar as expetativas dos fãs, que voltaram a encher o Coliseu naquela noite para a ver.

Sabemos, pelo seu percurso de álbuns consumados, que St.Vincent é o palco onde Annie Clark brilha e mostra a artista que é: complexa, camaleónica, única, singular, com referências múltiplas, quer de filmes, quer de livros, quer de músicas, em todas as escolhas que faz. Uma fórmula com um pouco de mistério, um pouco de insanidade, uma alegria melódica e letras ambíguas. O mais recente álbum foi o destaque do alinhamento da sua passagem pelo Coliseu de Lisboa, que não gerou consensos entre os presentes, dado o seu cariz teatral e pouca espontaneidade. Se Annie Clark tem a valência de ser multi-instrumentista, numa altura em que o rock se quer cada vez mais fora-da-caixa e com propósito, tem a teatralidade característica de artistas de um universo mais popular, com todos os movimentos e jogos de sombras cuidadosamente estudados. Um contraste e mistura – lá está, fora do comum - que lhe fica bem enquanto assume toda a familiaridade em estar diante de uma grande audiência.

Assim que subiu ao palco, perante os aplausos efusivos do público, com o cabelo tingido de branco, visual que acompanha a estética deste registo, brindou-nos de imediato com “Rattlesnake” e “Digital Witness”. A peça, St.Vincent, tem Annie Clark como protagonista, que confidencia ao público, num claro aparte, debaixo do seu holofote, que tem algo em comum com a audiência: o facto de ter nascido antes do século XXI. Dedica o espetáculo a todos os mais extravagantes (freaks) de Lisboa e segue, com guitarra em punho, para “Cruel” e “Marrow”, numa visita a anteriores registos, aos quais resgatou, também, “Surgeon” e “Cheerleader”, cantadas do topo das escadas brancas posicionadas no centro do palco.

Estas, por sua vez, foram os adereços de “Prince Johnny” e “I prefer your love”, com Clark deitada nas escadas, quer movimentando-se de forma sensual, quer rebolando lentamente por elas abaixo. Pelo meio houve mais intervenções e mensagens apelando à esperança. “Birth in Reverse” foi o culminar de toda a encenação, com uma dança cuidadosamente planeada, sincronizada e alternada, com pequenos passos “à chinesa”, com um dos elementos que a acompanhavam. Para o final, no encore, ficou então uma analepse, um regresso ao já longínquo “Marry Me”, denunciando o contraste com “St.Vincent” pelo lado electrónico não tão presente. Annie Clark despediu-se então de Portugal, mergulhando, de guitarra em punho, para cima do público português.

Dia 2

20h20 – Pedro Lucas @ Starbucks, Rossio

Começámos o segundo dia de festival ainda pouco refeitos das emoções de sexta, mas prontos para novas descobertas, grandes concertos e boa música, no Starbucks da estação do Rossio. Ao canto direito do café está um palco montado, esperando Pedro Lucas, que, neste final de tarde, vem apresentar as músicas do seu novo disco, “Águas Livres”, um registo mais acústico e com menos sintetizadores do que o anterior projeto, Lucas Bora Bora.

Uma sala com um conceito engraçado, mas que não funciona a 100%, com a mistura entre festivaleiros e curiosos frequentadores do café num apertado espaço. As músicas, estas, trazem simplicidade e doçura, como se de um cappuccino no cardápio se tratassem, como é o caso de “Beatriz", ali para adoçar o final de tarde e introduzir mais um dia de correria entre salas. É esta mesma razão que nos leva, pouco depois, a abandonar este concerto, que já começou com um atraso, rumo à casa do Alentejo, para assistir à estreia dos Bristol.

20h40 – Bristol @ Casa do Alentejo

Uma oportunidade para vir conhecer, não só um dos tesouros escondidos de Lisboa - o maravilhoso edifício, com um pátio de fazer inveja e a sua sala de espelhos no primeiro piso -, como de assistir à primeira atuação deste colectivo de Marc Collin, produtor de Nouvelle Vague, debaixo dos fantásticos candelabros, que mais uma vez provou a sua mestria em vestir novas roupas a músicas características e de, com estes novos vestuários, encantar os portugueses.

Os Bristol pedem o nome emprestado à cidade-mãe do tri-hop para reinventar os clássicos deste género, encabeçado por bandas como Massive Attack, Portishead ou Morcheeba, com o desafio de transformá-las numa banda sonora de filmes dos anos 60. “Bon Soir”, começou por cumprimentar a vocalista Dawn, ao microfone. Uma versão impressionante de “Roads”, dos Portishead, a cargo do guitarrista Jim Bauer, foi talvez um dos momentos altos deste concerto, que foi marcado, quer pelo carácter intimista e sensual de uns temas mais lentos, quer pelos ritmos dançáveis de outros, cujas luzes de palco, refletidas nos espelhos, transformavam a sala, cheia pela metade, numa quase discoteca, no que aos efeitos visuais diz respeito.

O que é certo é que Dawn dançava no meio do palco, de forma provocadora, como se disso mesmo se tratasse. Ouvimos ainda uma versão mais acelerada de “Mad about you”, dos Hooverphonic, e a inconfundível “Gabriel”, dos Lamb, um tanto ou quanto gritada ao microfone, contrastando com a serenidade da versão original. No final, Dawn ainda partilhou o microfone com Jay-Jay Johanson.

20h40 - Adult Jazz @ Cinema S. Jorge

Longe de esgotar, a sala Manoel de Oliveira recebeu de braços abertos os Adult Jazz, coletivo britânico que, como o próprio nome indica, tem no jazz uma importante coordenada. A quantidade quase absurda de instrumentos que enfeitava o palco, minutos antes da subida do coletivo (bateria, trombone, teclados, guitarras, baixo, elementos de percussão e uma parafernália de sintetizadores), fazia adivinhar que se seguiria um momento musicalmente rico.

À hora certa, os Adult Jazz deram entrada pela lateral de palco e assumiram as suas posições. Sem pressas, até porque “Gist Is”, o álbum de estreia, lhes torna possível uma gestão calma do seu alinhamento, o coletivo atirou-se a um conjunto de canções, das quais se destacaram “Springful” e “Spook”, que têm tanto de sombrio como de orelhudo, e que exploram o universo jazz, não só à boleia das melodias de trombone, mas também a nível rítmico, alternando entre os ritmos certos e incertos e transmitindo uma sensação agridoce ao ouvido.

21h20 – Throes +Shine @ Salão Nobre do Ateneu Comercial de Lisboa

A nossa passagem pelo concerto dos Throes+Shine foi fugaz, mas os dez minutos que decorreram entre a atuação dos portugueses e de Sharon Van Etten bastaram para nos deixarmos contagiar pelo ritmo rockuduro que se ouvia na Rua das Portas de Santo Antão e subirmos para nos juntarmos a uma sala bem composta e dar um pé de dança ao som da batida enérgica.

21h30 – Sharon Van Etten @ Coliseu dos Recreios

Um dos nomes mais aguardados da edição deste ano do Vodafone Mexefest, Sharon Van Etten levou alguns milhares ao Coliseu dos Recreios, não chegando, porém, a esgotar o espaço. A artista abriu o concerto com “Afraid of Nothing”, retirado do recentemente editado “Are We There", e interpretou, logo de seguida, ainda do mesmo álbum, “Taking Chances” e “Tarifa”. Nos entretantos, foi trocando umas palavras com o público, perguntando, em jeito de brincadeira, qual a razão de tamanha mobilização naquele espaço, àquela hora. As respostas não se fizeram demorar: há quem tenha enaltecido a sua beleza com alguns piropos inocentes, há quem tenha aproveitado para encomendar canções como “Magic Chords”, pedido ao qual a artista não correspondeu, para desagrado de quem o fez. “Break Me”, “I Don’t Want to Let You Down”, “Tell Me” e “Give Out” foram outras das canções interpretadas pela artista. Tempo de ir até ao Ateneu ver Cloud Nothings.

22h30 – Cloud Nothings @ Ginásio do Ateneu Comercial de Lisboa

A fila à porta era grande e a expetativa era muita. Viajando pelos caminhos do noise rock e do punk, estão os Cloud Nothings, o trio de Cleveland que veio apresentar o mais recente álbum, “Here and Nowhere Else”. Já no ano passado, o rock cru dos Wavves havia assentado que nem uma luva ao alto ginásio de fraca acústica. Contudo, o mesmo não se verificou desta vez, com a fraca acústica da sala a distorcer em demasia do som, ao ponto de, por vezes, se tornar pouco distinguível. Ainda assim, a banda não deixou de dar uma atuação enérgica, provocando um grande mosh e muito crowdsurfing por parte dos que assistiam - uma rebelião em pleno campo de basket. Mesmo os que não participavam não ficavam indiferentes à garra destes norte-americanos, saltando ao som de malhas como “Now Hear In”, “Pattern Walks” ou “Psychic Trauma”.

Deu ainda para regressar ao álbum anterior, “Attack on Memory”, com “No Future/No Past” e ainda “Cut you”. Para o final ficou “I’m Not Part of Me”, música orelhuda que fecha o álbum e provou, também, fechar o concerto em beleza.

23h40 – Palma Violets @ Estação Ferroviária do Rossio

Os Palma Violets ainda só têm um álbum, mas o sucesso que este teve no ano passado motivou esta, que já foi a segunda passagem do projeto pelo nosso país. O som destes londrinos é irreverente, jovem e festivo, mas, simultaneamente, antigo, trazendo à memória um pouco do rock dos 70s, dos Doors, e do género celebrizado como britpop, no Reino Unido, desta feita já nos 90s. Também a dinâmica entre Samuel Fryer and Chilli Jesson, vocalistas e, respectivamente, guitarrista e baixista, não deixa de nos trazer à imagem os Libertines, cujo regresso a terras lusas, este ano também, curiosamente, deixou um pouco a desejar. Ainda assim, os Palma Violets deram dos, senão o concerto da segunda noite do Vodafone Mexefest, praticamente esgotando o espaço do terraço da estação, e com o som “no ponto” durante todo o espetáculo.

Impossível era não dançar e reagir efusivamente a temas como “Tom the Drum”, que iniciou mal chegámos ao recinto, “Best of Friends” ou “Chicken Dippers”, esta já no encore. Com a saída da banda, os fãs portugueses cantaram o refrão de “14”, última faixa do álbum de estreia da branda londrina, para chamá-la de volta. Antes disso, ficámos ainda a conhecer algumas músicas novas, como a “Matador”, na qual não se coíbem as guitarras. E o público, esse, ainda que relativamente calmo, não se coíbiu de aplausos vigorosos. Para o final ficou mesmo “14”, um quase-hino que traz às costas uma sensação de despreocupação e alegria, e a confirmação de que ouviremos falar mais ainda destes Palma Violets no futuro.

00h15 – Wild Beasts @ Coliseu dos Recreios

Uma das bandas que mais consenso reuniu foi, sem dúvida, os Wild Beasts. Injustamente colocada no horário diurno do palco Vodafone FM no Rock in Rio, ainda este ano, onde, até aí, provocou uma enchente, a banda de Kendal, Inglaterra, encontrou no Coliseu dos Recreios o seu elemento, o espaço ideal para mostrar, em todo o seu esplendor, os temas do seu último registo, “Present Tense”.

Para “bestas selvagens”, mostraram-se muito pouco efusivos e contidos na atuação, mas nem por isso falharam em competência - o que realmente importa. As luzes baixas e escuras estavam em concordância com a atmosfera mais sombria e soturna deste álbum, já muito distante do alegre disco de estreia, “Limbo, Panto”. Ainda assim, o vocalista Hayden Thorpe mantém os seus falsetes, que tanta personalidade conferem aos temas do grupo, invejáveis, bem como a sua simpatia, tendo inclusivamente elogiado o público português e feito um brinde com um copo de vinho.

Começámos com “Mecca”, um dos singles, passando de seguida para “Bed of Nails”, do anterior “Smother”. Os sintetizadores à la anos 80, a fazer lembrar New Order, por vezes, o teclado implacável, inseparável de Hayden, e o rock electrónico dos Wild Beasts desde logo interagem com todos os músculos dos presentes do Coliseu. Escutámos também os singles “A Simple Beautiful Truth” e “Palace”, e ainda “Nature Boy”, também do novo disco. Mas foram músicas como “Albatross” ou “Hooting & Howling” as que mais mexeram com os portugueses.

Para o final, já no encore, ficou ainda o consagrado single “Wanderlust”, música despreocupadamente séria e um excelente cartão de visita a estes tempos presentes dos Wild Beasts, cujas linhas de baixo fazem estremecer o espaço, sendo merecedor da maior ronda de aplausos do concerto.

A chuva guardou-se até ao final do Vodafone Mexefest e caiu timidamente sobre as nossas cabeças à saída do Coliseu, acompanhando-nos no caminho para casa. Depois da correria, vem o descanso. Levamos para casa novas descobertas para ouvir repetidamente, e até cansar, até ao verão. Para o ano haverá mais, certamente.

Mais fotografias da edição 2014 do Vodafone Mexefest aqui.

Texto: Rita Bernardo e Manuel Rodrigues (sexta-feira)

Fotografias: Marta Ribeiro e Mariana Vasconcelos

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