O compositor conversou com a jornalista Stefani Costa nos bastidores do festival NOS Primavera Sound, no Porto.

“Eu voltei aos palcos faz uns dois meses, mais ou menos. Para mim foi como voltar à vida. Eu nunca tinha ficado tanto tempo sem fazer shows e estava com muitas saudades. Tenho excursionado com o concerto do Lágrimas no Mar, ao lado do Vitor Araújo, com voz e piano. Mas, paralelamente, quando temos um festival grande como este, eu realizo a apresentação com a banda, fazendo uma retrospetiva da carreira e trazendo canções de várias fases, desde Titãs, passando pelos Tribalistas até os repertórios da trajetória solo”, explicou.

Lágrimas no Mar
créditos: José de Holanda

O encontro com o exímio pianista do Recife teve início em 2020, com a preparação do espetáculo de lançamento do disco O Real Resiste. Entretanto, com o início da pandemia, a estreia acabou por ser cancelada. “Ficámos com esse trabalho que ficou ansioso por se mostrar. A gente não queria fazer live em casa e à distância, sabe? Quando deu pra realizar com toda a estrutura de um show, com a luz, projeções, figurino, mas sem público, fizemos”, contou. E foi assim que a ideia de um espetáculo para o lançamento de outro disco acabou por se tornar um novo álbum de originais, "Lágrimas no Mar".

Segundo Antunes, no início a dupla pensou em gravar apenas um EP, mas o plano foi crescendo tanto que se transformou num trabalho de estúdio completo. “Eu também quis registrar esse momento com versões nesse formato [voz e piano] para algumas músicas antigas, mas que tinham a ver com a pandemia, e canções de outros compositores como o Caetano Veloso e Itamar Assumpção“.

"Lágrimas no Mar" é um álbum extremamente tocante, intenso e aborda temas como a solidão, algo que se fez presente na vida de muitas pessoas e que, consequentemente, se agravou no Brasil com o descaso do poder público e das instituições do país.

créditos: Stefani Costa

“A gente viveu essa pandemia ao mesmo tempo em que a destruição pelo atual governo avança em todas as áreas e em tudo aquilo que a gente preza na cultura, no meio ambiente, na educação e nos direitos humanos. Passámos por um período de muita desolação e desilusão. Tivemos de conviver ao mesmo tempo com o isolamento e com a indignação de tudo que está acontecendo na política”. Mas ainda assim, houve momentos em que a crise civilizacional que atravessamos não foi capaz de impedir a criatividade e o amor pelo fazer arte. E foi entre diálogos e duetos com Vitor Araújo que Arnaldo Antunes lapidou mais uma obra para a história da música brasileira.

“A capacidade de criar sempre acaba transformando esse sofrimento em riqueza e, de certa forma, renova a nossa sensibilidade a partir das experiências. Seja em uma música que fale de algo triste ou numa que fale sobre algo feliz, ela [a sensibilidade] sempre renova e anima a gente. A saída que a gente tem é criar. Eu não tenho dúvida disso. É o que nos nutre e nos salva”.