Filho da falecida atriz e gestora cultural Isabel Alves Costa e do músico José Mário Branco, o ator e encenador português João Branco, de 49 anos, confunde-se com o teatro em Cabo Verde, onde chegou em outubro de 1992 e veio a fundar, cinco meses mais tarde, o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português.

"Cheguei com um bilhete só de vinda e para ficar. Não sabia nada, nem sabia onde ficava Cabo Verde no mapa. Não tinha nenhuma ligação familiar, afetiva ou histórica a não ser o facto, que só vim a saber ‘a posteriori’, de o sítio onde fiz a minha primeira licenciatura ter sido o Instituto Superior de Agronomia, onde Amílcar Cabral fez a sua", contou em entrevista à agência Lusa.

"Gosto de pensar que sou daqui, mas não sabia", acrescentou, recordando os primeiros tempos de professor de Ciências da Natureza num liceu local e o curso de iniciação teatral que dinamizou e viria a dar origem ao grupo de teatro que completa 25 anos de atividade no domingo.

Em Cabo Verde, João Branco "profissionalizou-se" no teatro, estando ligado também a projetos como o Festival de Teatro Mindelact e, mais recentemente, à abertura da Academia Livre de Artes Integradas do Mindelo (ALAIM).

Desde 2014, é também diretor do Centro Cultural Português do Mindelo, do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua.

"Muito do que aprendi em artes cénicas e o facto de me ter tornado quase num profissional do teatro aconteceu em Cabo Verde. Considero-me um agente teatral cabo-verdiano da cabeça aos pés porque toda a minha formação, quer autodidata, quer depois académica, foi já realizando este trabalho de produção e formação em Cabo Verde", disse.

Com um quarto de século de existência e 54 peças encenadas e, muitas delas, também interpretadas, João Branco implementou uma metodologia de trabalho a que chama "crioulização cénica" e que, posteriormente seria a base para o seu doutoramento em Educação, Cultura e Artes.

"Não nos limitamos a adaptar ou a traduzir uma peça de teatro, apropriamo-nos de uma história que foi escrita num contexto histórico, geográfico e cultural diferentes e tornamos essa história cabo-verdiana", disse.

Por isso, pelos palcos do Mindelo passaram "A Tempestade" e "Romeu e Julieta", de William Shakespeare, ou "A Casa de Bernarda Alba", de Garcia Lorca, todas em versões adaptadas à realidade crioula.

Grupo do Centro Português do Mindelo festeja 25 anos de teatro em Cabo Verde

O Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, Cabo Verde, celebra, domingo, 25 anos com mais de 50 espetáculos que levaram ao palco peças de Shakespeare, Beckett ou Molière.

O grupo teatral nasceu em fevereiro de 1993, por iniciativa de João Branco, então um jovem professor de Ciências da Natureza recém-chegado a Cabo Verde que dava os primeiros passos nas artes cénicas.

"Fiz uma proposta à diretora do Centro Cultural Português para abrir um curso de iniciação teatral e temos como data da fundação do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português o dia da primeira aula, que foi a 18 de fevereiro de 1993", disse, em entrevista à agência Lusa, a propósito do aniversário do grupo.

Um primeiro dia que acabaria por ser uma verdadeira surpresa para João Branco.

"Quando entrei na biblioteca do Centro Cultural Português tinha quase 50 inscritos. Era tanta gente que tivemos de dividir o curso em duas turmas para não deixar ninguém de fora. Foi uma surpresa muito grande", disse.

"Foi um momento muito especial e considero, até hoje, que aquelas pessoas que lá foram no dia 18 de fevereiro são as fundadoras do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português", acrescentou.

A primeira peça apresentada pelo grupo foi "Fome de 47", baseada num texto que retratava as dramáticas fomes em Cabo Verde ainda durante o período colonial.

"Fazia de colonialista português e de mau da fita. Foi o meu primeiro papel interpretado em Cabo Verde, mas não havia outro ator branco", lembra João Branco.

A partir deste primeiro espetáculo surge o projeto de artes cénicas do Centro Cultural Português do Mindelo com as valências de formação e produção, que se mantém até hoje.

"A partir daí nunca mais paramos", disse João Branco.

O grupo de teatro produz uma média de mais de dois espetáculos por ano, mas para assinalar o aniversário a ambição é estrear três peças e repor seis, um programa que João Branco reconhece ser "muito ambicioso".

"Crónicas do Mindelo", do escritor mindelense Rocca Vera Cruz, em março, "Tudo junto Separado", com base num texto de Lisa Reis, vencedora do concurso de dramaturgia do instituto Camões, em setembro, e "A Metamorfose" de Franz Kafka, em novembro, são as estreias previstas.

Às estreias, junta-se a reposição se seis espetáculos produzidos ao longo dos 25 anos do grupo, entre as quais, a mais antiga é "Cloun Creolus Dei", estreada em 1999 e já reposta em 2004.

A ideia de João Branco é conseguir juntar alguns dos atores fundadores e da "velha geração" do grupo, que há dez anos se tornou numa estrutura de produção, que a cada espetáculo convida um elenco.

"A mobilidade em Cabo Verde é enorme, há muito pouco emprego e podemos estar a investir numa formação de dez elementos e três meses depois só ter dois e no ano seguinte não ter ninguém. Agora que estamos a comemorar os 25 anos se quiser fazer um espetáculo que foi feito há cinco anos não tenho praticamente ninguém do elenco", considerou.

A internacionalização tem sido também uma aposta do coletivo, que no ano passado apresentou sete espetáculos em Portugal e no Brasil.

"Foi um ano dedicado à internacionalização, tivemos muitos convites e como eram espetáculos de pequeno formato, permitiram-nos ter essa possibilidade de viajar", disse.

"Este ano vamos concentrar-nos nas comemorações e queremos que sejam feitas em Cabo Verde para o nosso público, o público do Mindelo e também da Praia, onde prevemos ir duas vezes", acrescentou.