É já no próximo sábado que Luís Represas sobe ao palco do Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, com um espetáculo inicialmente agendado para 5 de março mas adiado devido a motivos de saúde. A partir das 21h30, a voz de "Feiticeira", "Timor" ou "Da Próxima Vez" vai revisitar, em formato acústico e a solo, essas e outras canções emblemáticas a par de temas menos lembrados de uma carreira de mais de 40 anos no concerto "Ao Canto da Noite".

"Vou dedicar-lhes o melhor que tenho de mim na interpretação, na versão e na assunção das palavras e das canções. É um espetáculo que gosto muito de fazer", contou o ex-Trovante numa entrevista ao SAPO Mag na qual falou ainda das limitações da pandemia, do seu álbum mais recente e de um concerto decisivo no seu percurso.

SAPO Mag - Muitos artistas apontam que, apesar das restrições, estes dois últimos anos dominados pela pandemia acabaram por se revelar criativos. Também foi esse o seu caso?
Luís Represas - No meu caso não foi nada criativo, antes pelo contrário. O facto de ter estado fechado continuamente e tudo isso levou-me exatamente para outro lado. O meu processo criativo está intimamente ligado com a vida, com as pessoas, com a vida do dia-a-dia, com as relações entre as pessoas... Estar fechado em casa sozinho não me inspirou rigorosamente nada. Escrevi pouca coisa. Agora, sim, o que fiz foi preparar caminho com a equipa com a qual trabalho para quando as coisas se normalizassem se poder arrancar com segurança e com o terreno já aberto.

E nesta altura já consegue retomar esse caminho criativo e pensar em novo material?
Tenho um disco chamado "Boa Hora" que saiu praticamente em cima da pandemia [maio de 2018]. Foi um disco que acabou por não fazer história e por "não existir". O que se vai fazer agora é pegar nesse disco como se fosse um disco novo. Porque é, de facto, um disco novo, não foi executado com um disco novo. Saiu agora este single, "Asas de Anjo", com o Ivan Lins, e estão a ser preparados outros dois singles para que este disco faça o caminho que deveria ter feito antes da pandemia. Por outro lado, em termos de espetáculo, e é isso que vou fazer no dia 30 de abril, no Tivoli, estou a relançar o espetáculo "Ao Canto da Noite", que estava pronto para digressão no princípio da pandemia. Ainda se fizeram sete ou oito concertos e agora está-se a por outra vez o espetáculo na rua. O concerto no Tivoli servirá não só para fazer o relançamento deste concerto como também o da minha saída para a estrada que depois terá os outros espetáculos com os meus músicos, com a banda, com tudo o que é a atividade normal de um artista de música.

"Boa Hora" contou com vários convidados. Essas colaborações foram pensadas logo desde que começou a criar as canções para o disco? Como é que surgiram?
Este disco não era para ser um disco de duetos. Poderia, eventualmente, ter um dueto. À medida que foi sendo feito e que foi acontecendo, foram surgindo os nomes e, de repente, foi fazendo sentido chamar esses nomes para integrar as canções. De repente, quando dei por mim, tinha um disco quase todo de duetos. Para mim foi uma surpresa, até, o processo, mas funcionou e fiquei muito satisfeito com isso. Tive ocasião de apresentar este disco em salas grandes como o Coliseu de Lisboa e a Casa da Música, no Porto, mas mais em Lisboa tive ocasião de ter os convidados a cantar no palco - exceto o Carlos do Carmo, que por motivos de saúde não pôde estar. Mas a partir daí parou e não se conseguiu fazer mais.

Vai contar com alguns desses convidados ao vivo nos concertos dos próximos tempos?
No Tivoli, não. É um concerto "Ao Canto da Noite", ou seja, onde as canções com mais protagonismo e que são mais conhecidas vão conviver com as canções que ficaram "ao canto da noite", ou seja, que não saíram como singles dos discos e ficaram mais ou menos desconhecidas. Há canções que nunca foram tocadas ao vivo a não ser neste espetáculo. E é um espetáculo que faço sozinho, sem músicos, só com as minhas guitarras e sem convidados. Mais tarde, noutros espetáculos, noutras situações, poderá acontecer haver essa oportunidade de chamar convidados para cantar no palco.

Luís Represas

Nos espetáculos "Ao Canto da Noite" o público poderá descobrir ou redescobrir várias canções. Também partilhou dessa redescoberta? Olhou para as canções de outra forma hoje quando escolheu os alinhamentos dos concertos?
Sem dúvida nenhuma. Houve canções que por não as ouvir há muito tempo me surpreendi. Quase estranhei esse contacto com a canção e deu-me imenso prazer e satisfação pegar nessas canções outra vez, relembrar a altura em que as fiz e sentir que estão prontas para ser tocadas e que merecem ser devolvidas ao público.

Além dessas canções recuperadas, vai abordar de outra forma temas mais habituais dos seus concertos, como "Feiticeira" ou "Da Próxima Vez"?
Todas estas canções tocadas com guitarra estão livres de arranjos e estão muito mais próximas, ou totalmente próximas, do momento em que as criei. Vão viver fundamentalmente da forma como eu as criei, que também é o que quero privilegiar por haver esta "ausência de ruído", de outros instrumentos de arranjos, privilegiar as palavras.

Olhando para trás, que concerto destacaria como emblemático de um momento de viragem na sua carreira?
Vou dizer um espetáculo que me marcou muito. Foi o primeiro espetáculo que fiz depois de ter acabado o Trovante e depois de ter gravado o meu primeiro disco a solo, o "Represas", que foi um disco gravado em Cuba. Fiz o espetáculo no Coliseu [de Lisboa], em 1994, e esteve em cima do palco não só a banda portuguesa que viria depois a tocar comigo durante 16 anos, mas consegui trazer todos os músicos cubanos que gravaram comigo. Comigo, éramos 17 músicos que não serviram como verbo de encher mas a fazer sentido os arranjos que o Miguel Nuñes fez para esse disco. Esse espetáculo foi, para mim, um momento de grande viragem porque o Trovante tinha acabado em 1992, tinha havido saídas de membros do Trovante, e eu estava a precisar de ter um momento que me voltasse a trazer a autoestima, que voltasse a trazer a minha própria identificação, e esse espetáculo que estava completamente cheio, esgotado, foi fundamental para mim ter acontecido. Para mim, foi o espetáculo de relançamento de uma nova fase da minha vida.