Sucessor de uma estreia aclamada, "Blue Lines" (1991), e de um álbum, "Protection" (1994), que sedimentou os Massive Attack enquanto referências do trip-hop, "Mezzanine" (1998) foi o terceiro capítulo do então trio de Robert Del Naja ("3D"), Grant Marshall ("Daddy G") e Andrew Vowles ("Mushroom", que entretanto abandonaria o projeto), destacando-se, 21 anos após a edição, entre os mais populares e influentes do coletivo de Bristol.
À combinação de soul, dub, funk, hip-hop e eletrónica que gerou a linguagem do grupo, o disco de 1998 acrescentou uma presença mais forte das guitarras e heranças diretas do pós-punk, adensando o negrume de uma música já de si sombria. Não foi grande surpresa, por isso, que a noite na qual os Massive Attack regressaram a essas canções, em Lisboa, tenha deixado momentos ainda mais abrasivos do que os do álbum enquanto os intercalou com regressos a um passado mais distante: o da década de 1980 e de anos anteriores, que viram nascer nomes aos quais o alinhamento de "Mezzanine" deve alguma coisa (e alguns chegaram a ser samplados nas suas faixas).
Foi, aliás, com uma versão de "I Found a Reason", dos Velvet Underground, que arrancou um espetáculo no qual a música foi partilhando protagonismo com a imagem, logo aos primeiros minutos. Sem nunca se terem dirigido ao público durante cerca de hora e meia (duração de uma atuação que dispensou primeira parte e encore), os britânicos nem por isso deixaram de comunicar - ou de propor uma reflexão sobre como temos comunicado nos últimos anos.
Entre imagens que incluíram excertos de reportagens televisivas - de cenários de guerra a situações caricatas com figuras mediáticas, sobretudo da política - ou de vários recantos da cultura pop - Britney Spears, Rato Mickey, "O Feiticeiro de Oz" -, a viagem ao passado esteve longe de se esgotar nas canções e foi contrastando cenários com alusões ao individualismo e ao consumismo, deixando também alertas sobre as limitações e engodos de uma comunicação tecnológica em rede, aparentemente global e livre.
Expressões-chave de Donald Trump ou da Revolução Francesa, olhares sobre os privilegiados e os marginalizados, imagens de celebração e de desolação: este cruzamento foi parte da experiência audiovisual na qual as frequentes projeções no palco (a cargo de Adam Curtis, documentarista premiado da BBC) contaram tanto como a presença dos Massive Attack e dos músicos e cantores convidados.
Além das vozes de 3D e Daddy G, ouviram-se as da escocesa Elizabeth Fraser e do jamaicano Horace Andy, decisivas em "Mezzanine". A ex-vocalista dos Cocteau Twins regressou a "Black Milk", voltou a partilhar "Group Four" com Del Naja, tal como no disco, e foi especialmente aplaudida em "Teardrop", provavelmente a canção mais popular do álbum (e um dos episódios cenicamente mais sóbrios da noite, dispensando projeções). Já o veterano do reggae levou a que "Man Next Door" tenha sido o primeiro grande momento de aplauso generalizado do concerto - depois de os Massive Attack terem apresentado uma versão de "10:15 Saturday Night", dos The Cure (samplada no tema) - e voltou para revisitar um original seu, "See a Man's Face" (talvez a canção menos claustrofóbica da noite) e "Angel", tão cinematográfica e opressiva como na abertura de "Mezzanine".
"Bela Lugosi Is Dead", dos Bauhaus, e "Rockwrok", dos Ultravox, também tiveram direito a homenagem e contribuíram para que o pós-punk se impusesse ao trip-hop em boa parte da atuação. Ou para deixar no ar que há mais semelhanças do que diferenças entre essas linguagens, pelo menos no livro de estilo dos Massive Attack - os finais particularmente agrestes de "Mezzanine", "Inertia Creeps" e "Dissolved Girl" (servida com voz pré-gravada) pareceram apontar para aí.
Outra "homenagem", com uma breve entrada em cena do êxito EDM "Levels", de Avicii, acompanhou o jogo de contrastes da sucessão de imagens e o sentido de humor de parte delas. Mas quem ri por último, o homem ou a máquina? 21 anos depois de "Mezzanine" (e 20 depois de "Matrix", outro clássico de um período de tensão pré-milénio), os Massive Attack parecem temer a resposta numa celebração onde a ironia tentou camuflar a angústia.
Os Massive Attack voltam a atuar no Campo Pequeno, em Lisboa, esta terça-feira, a partir das 20h30, num concerto também esgotado.
Alinhamento:
'I Found a Reason' (versão dos Velvet Underground)
'Risingson'
'10:15 Saturday Night' (versão dos The Cure)
'Man Next Door'
'Black Milk'
'Mezzanine'
'Bela Lugosi’s Dead' (versão dos Bauhaus)
'Exchange'
'See a Man’s Face' (versão de Horace Andy)
'Dissolved Girl'
'Where Have All the Flowers Gone?' (versão de Pete Seeger)
'Inertia Creeps'
'Rockwrok' (versão dos Ultravox)
'Angel'
'Teardrop'
'Levels' (versão de Avicii)
'Group Four'
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