De acordo com o galerista Rui Brito, a artista "morreu calmamente em casa, junto dos filhos".
Paula Rego estudou nos anos 1960 na Slade School of Art, em Londres, onde se radicou definitivamente a partir da década de 1970, mas com visitas regulares a Portugal. Em 2009, foi inaugurado um museu que acolhe parte da sua obra, a Casa das Histórias, em Cascais.
Nascida a 26 de janeiro de 1935, em Lisboa, foi galardoada, entre outros, com o Prémio Turner em 1989, e o Grande Prémio Amadeo de Souza-Cardoso em 2013, além de ter sido distinguida com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada em 2004. Em 2010, recebeu da Rainha Isabel II a Ordem do Império Britânico com o grau de Oficial, pela sua contribuição para as artes. Em 2019, recebeu a Medalha de Mérito Cultural do Governo de Portugal.
Paula Rego começou a desenhar ainda em criança, e partiu para a capital britânica com apenas 17 anos, para estudar na Slade School of Fine Art.
Em Londres conheceu o marido, o artista inglês Victor Willing, falecido em 1988, cuja obra Paula Rego já mostrou por várias vezes no museu Casa das Histórias, em Cascais, que detém um importante acervo de obras da autora.
Nas últimas décadas, a pintora tem abordado temas políticos, como o abuso de poder, e sociais, como o aborto, entre outros do universo feminino.
Paula Rego está representada em várias das mais importantes coleções públicas europeias e em prestigiadas exposições em museus e em espaços expositivos de todo o mundo.
A pintora das histórias contra a opressão
As histórias, reais ou imaginadas, acompanharam a vida da pintora Paula Rego, um fascínio que começou na infância, quando a tia lhas contava, e inspirou os seus quadros, reconhecidos a nível mundial.
Sempre que surgia em cerimónias públicas, a artista portuguesa, radicada no Reino Unido desde o início da década de 1970, reiterava a importância das histórias para as pessoas se compreenderem a si próprias e ao mundo.
"[Com as histórias] pode-se castigar quem não se gosta e elogiar quem se gosta. E depois inventa-se uma história para explicar tudo", comentou, um dia, na inauguração de uma das suas exposições, no seu museu, em Cascais, ao que chamou exatamente Casa das Histórias.
A obra da pintora raras vezes deixa um espectador indiferente, apreciadores ou não da estética do seu trabalho, marcado pela realidade da condição feminina, pelas injustiças sociais e pela recusa da opressão em todas as suas formas.
O valor internacional da sua obra evidenciou-se sobretudo em 2015 com a venda, num leilão, em Londres, da obra "The Cadet and his Sister" (1988) (“O cadete e a sua irmã”, em tradução do inglês), por 1,6 milhões de euros, tornando-se um novo recorde da artista portuguesa.
A data da obra assinala um importante acontecimento na vida pessoal da pintora na década de 1980, pela morte do marido, o também artista Victor Willing (1928-1988), de esclerose múltipla.
Esse ano foi igualmente importante na carreira de Paula Rego, pois passou a ser representada pela galeria Marlborough Fine Art, em Londres, e distinguida com uma grande retrospetiva do seu trabalho pela Serpentine Gallery, na capital britânica.
Em 2021, conseguiu tornar real um dos seus maiores sonhos como artista: expor no museu Tate Britain, em Londres, uma casa de exposições que sempre viu como um baluarte masculino.
Ali apresentou uma exposição retrospetiva - com mais de 100 obras dos seus 60 anos de carreira - um feito simbólico que Paula Rego conquistou, já que sempre se tinha sentido discriminada por não poder ali levar a sua obra, sendo mulher e estrangeira.
Acabou por ser a maior a mais completa exposição de Paula Rego no Reino Unido, incluindo, além da pintura, esculturas, colagens e desenhos, desde os anos 1950, até aos mais recentes, incluindo a série "Mulher Cão", dos anos 1990, e “Aborto”, uma das que mais impacto político e social tiveram em Portugal, produzida durante a campanha pela despenalização do procedimento no país.
O Presidente da República, Marcelo rebelo de Sousa, visitou a exposição, na altura, e considerou-a "única e irrepetível".
Já este ano, a sua obra foi alvo de outro reconhecimento por parte da curadoria-geral de um dos certames mais importantes de arte contemporânea do mundo: A Bienal de Arte de Veneza, com o tema "The Milk of Dreams", que privilegiou o trabalho de artistas mulheres.
Cecilia Alemani, curadora geral da 59.ª Exposição Internacional de Arte Bienal de Veneza, escolheu a pintora portuguesa Paula Rego como uma das âncoras da exposição-geral, reunindo numa sala azul do Pavilhão Central, nos Giardini, obras em pintura, gravuras e esculturas.
Em entrevista à agência Lusa uma semana antes da inauguração, em abril, a curadora considerou Paula Rego uma "artista completa" que "só agora está a ter o devido reconhecimento".
Paula Rego "é alguém que, ao longo de cinco décadas, tem dedicado o seu trabalho a temas e ideias muito fortes, a aspetos das nossas sociedades que foram obscurecidos e ignorados, cancelados, censurados, desde questões políticas, de género, liberdade de expressão, direitos das mulheres. São temas que aborda de forma muito direta e original", salientou Cecilia Alemani sobre a artista de 87 anos.
Em 2020, o Museu da Presidência da República, no Palácio de Belém, em Lisboa, assinalou o 85.º aniversário de Paula Rego com uma exposição de obras da pintora, com os trabalhos criados pela artista para o Palácio de Belém, a pedido do antigo Presidente da República Jorge Sampaio.
Maria Paula Figueiroa Rego, nascida em Lisboa a 26 de janeiro de 1935, numa família de tradição republicana e liberal, começou a desenhar ainda criança, um talento que lhe foi reconhecido pelos professores da St. Julian´s School, em Carcavelos, e partiu para a capital britânica com 17 anos, para estudar na Slade School of Fine Art.
Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian para fazer pesquisa sobre contos infantis, em 1975, e em Londres viria a conhecer o futuro marido, o artista inglês Victor Willing, cuja obra Paula Rego exibiu por várias vezes na Casa das Histórias, em Cascais.
A Casa das Histórias, que abriu em Cascais em 2009, num projeto do arquiteto Eduardo Souto de Moura, detém um acervo significativo de obras da autora, e tem vindo a apresentar exposições sobre o seu trabalho ou de outros, sobretudo portugueses, com quem tem afinidades.
Na pintura de Paula Rego surgem diversas imagens típicas da infância, por vezes fetichistas e até traumáticas, relacionadas com a violência, e os animais são frequentemente os protagonistas da sua linguagem pictórica.
Nas últimas décadas, a pintora abordou temas políticos, como o abuso de poder, e sociais, como o aborto - entre outros, do universo feminino, e o seu trabalho foi influenciado pelos contos populares, e também pela literatura, nomeadamente a escrita de Eça de Queirós, que a levou a pintar quadros inspirados em livros como “A Relíquia” e “O Primo Basílio”.
Em 2010, foi ordenada Dama Oficial da Ordem do Império Britânico pela rainha Isabel II e, em Lisboa, recebeu o Prémio Personalidade Portuguesa do Ano atribuído pela Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal.
Para incentivar os jovens estudantes a desenhar, em 2016 foi criado o Prémio Paula Rego, galardão anual para atribuir a estudantes da Faculdade de Belas Artes de Lisboa.
Paula Rego recebeu, em 1995, as insígnias de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, em 2004 a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, e em 2011 o doutoramento ‘honoris causa’ da Universidade de Lisboa, título que possui de várias universidades no Reino Unido, como as de Oxford e Roehampton.
Em 2019, foi distinguida com a Medalha de Mérito Cultural pelo Ministério da Cultura.
A sua obra está representada em múltiplas coleções públicas, a nível nacional e internacional.
O documentário "Paula Rego: Secrets and Stories", do realizador Nick Willing, filho da pintora e de Victor Willing, estreou-se a 25 de março de 2017, pela BBC, no Reino Unido, e depois em Portugal, em abril do mesmo ano.
Neste filme, Willing relata a vida da mãe de forma intimista, como mulher e artista, o relacionamento com o pai, a grande dedicação à arte e as fases de dificuldades sofridas, por falta de meios financeiros para cuidar da família, até ao progressivo reconhecimento em Portugal e no Reino Unido.
Em novembro de 2021, também a Galeria 111, que representou a pintora em Portugal desde o início da carreira, organizou uma exposição em sua homenagem, e da "relação de amizade e cumplicidade", que titulou "Saudades", com 27 obras que revisitam o seu percurso artístico desde os anos 1980 até trabalhos mais recentes, provenientes do atelier da pintora, em Londres.
"Estou sempre a contar uma história nos meus quadros"
Num texto publicado em 2018 no jornal britânico The Guardian, no contexto da exposição “All Too Human”, na Tate Britain, em Londres, Paula Rego afirmou que “as histórias têm pessoas nelas”, então desenha pessoas a fazer coisas umas às outras, lembrando que recorre a contos do folclore português e a histórias como as de Eça de Queirós.
No artigo, artista relatou como o processo de criação do retrato do antigo Presidente da República Jorge Sampaio “quase [a] matou”, porque, enquanto pintava, “havia pessoas sempre a entrar e a dizer ‘esse braço não está bem’ ou ‘o nariz dele não é assim’”.
“No fim, eu disse: ‘Talvez devêssemos ir para outro lado’. Fomos para uma sala cheia de armários de vidros e trabalhei muito duro. Fiquei num hotel lá perto e ia para a cama exausta. É um homem muito simpático. Ou, pelo menos, foi muito simpático para mim. Ainda somos amigos”, contou Paula Rego.
A artista portuguesa confessava trabalhar maioritariamente a partir de modelos vivos ou de “bonecos” que faz ou que são feitos para si.
“Desenho o contorno em carvão. Costumo começar pelo rosto e vou trabalhando a partir daí. Usar bonecas é uma experiência diferente de um modelo vivo. São obedientes – posso colocá-las como quero e ficam assim, são como atores num palco. Mas não trazem vida – preciso de uma pessoa lá, também, porque a intensidade é importante. Se desenhas uma pessoa, ela dá-te muito de volta. Às vezes dão tanto – inundam-te com a sua personalidade, com a sua alma – que tens dificuldades em segurá-las”, referiu Paula Rego.
Para a artista, quanto mais se olha, melhor uma pessoa se torna a olhar, e “isso é uma disciplina importante, seja como for que se pretenda trabalhar”.
Rego concluiu com a constatação daquilo que lhe suscita maiores dificuldades: “As árvores são as coisas mais difíceis de acertar. E as tulipas. E todos os vegetais, exceto os tomates”.
Marcelo Rebelo de Sousa lembra "artista muito completa"
Em declarações aos jornalistas em Braga, o Presidente da República reagiu à morte de Paula Regro. Marcelo Rebelo de Sousa começou por lembrar que que esteve muito recentemente na inauguração da retrospetiva na Tate, em Londres, com o filho da artista.
"Depois em Haia e depois em Málaga, em Espanha. Era uma exposição que era uma homenagem, numa altura em que se sabia que Paula Rego estava já doente", sublinhou.
"É uma artista plástica muito completa, a artista plástica portuguesa com maior projeção no mundo certamente desde que nos deixou Vieira da Silva, há várias décadas. Teve uma projeção muito longa, muito rica e muito prestigiante para Portugal", destacou.
“Vou ponderar com o Primeiro-ministro como assinalar essa perda em termos de luto nacional", adiantou o Presidente da República.
As reações à morte de Paula Rego:
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