"O nosso amigo Francisco Guedes morreu", publicou a Húmus, na sua página oficial no Facebook, na noite de segunda-feira. "Deixou-nos, e fica a lembrança do seu generoso empenhamento, a sua gentileza, a sua amizade feliz. Até sempre, Francisco".

Francisco Guedes nasceu em Matosinhos, distrito do Porto, em julho de 1949, filho do ator João Guedes, irmão da atriz Paula Guedes. Foi o criador do festival literário Correntes d'Escritas, projeto que apresentou em 1999 à Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, que teve a primeira edição em 2000 e que passou a organizar e dirigir.

O seu nome está também na origem de outros festivais literários no norte do país, como o LeV - Literatura em Viagem, que se realizou pela primeira vez na Biblioteca Municipal Florbela Espanca, em Matosinhos, em 2006, e o FLiD - Festival Literário do Douro, que no ano passado teve a sua sexta edição no Espaço Miguel Torga, em São Martinho da Anta, concelho de Sabrosa, distrito de Vila Real.

A ligação de Francisco Guedes aos livros remonta a 1986, nas Edições Asa, onde se manteve como editor até meados dos anos de 1990, estando associado à revelação de novos autores e a publicações especiais como o catálogo dedicado à artista Gracinda Candeias, "A Pintura na Pele" (1992).

Na década de 1990, arriscou a publicação de vários livros com o jornal Público, muitos deles dedicados à gastronomia portuguesa, uns sob o seu nome, outros sob o pseudónimo Dulce Salgado, com que explorou as muitas maneiras de cozinhar diferentes grupos alimentares, e sempre com introduções e anotações de óbvio gosto literário.

A gastronomia está também patente na obras que publicou na Dom Quixote no início dos anos 2000, como "Guia Anual dos Restaurantes de Portugal", "Receitas Tradicionais Portuguesas" e "As 100 Maneiras de Cozinhar Bacalhau e Outros Peixes", uma área que mais tarde levou para outras editoras como a Livros d'Hoje, onde expandiu as "202 Maneiras de Cozinhar Porco", e a Húmus, com as "123 Receitas da Cozinha Portuguesa - Sopas, Açordas e Migas".

A edição livreira continuou a marcar o seu percurso, com obras como a antologia "A poesia é tudo", editada com a Câmara da Póvoa de Varzim, no contexto do Correntes d'Escritas, e juntando-se ao grupo fundador das edições Húmus. Nesta editora coordenava, desde 2020, a coleção 12catorze, que editou autores como António Hess, José Guardado Moreira, Ricardo Belo Morais.

Entre as primeiras reações à morte de Francisco Guedes, estão exatamente autores que publicou, como os escritores António Cabrita, que associa ao editor mais de uma dezena dos seus títulos, e Kátia Bandeira de Mello-Gerlach, que teve o volume "Experimentações Poéticas - Sobre Coleridge", publicado pela Húmus.

"O que Chico Guedes organizou e fez mexer, nos últimos 25 anos, os encontros que proporcionou, os livros que semeou, dava um baralho do Tarot", escreve António Cabrita, na sua página da rede social Facebook.

Kátia Bandeira de Mello, por seu lado, sublinha a necessidade de "relações felizes entre escritores e editores", como as possíveis com um responsável editorial como Francisco Guedes, sublinhando ainda outra das características do seu trabalho, a acessibilidade ao livro: "Que um grande 'reset' universal traga à tona os livros de forma revolucionária e espantosa, a módico custo".

O editor Manuel Alberto Valente, nas redes sociais, confessou "não ter ainda palavras para exprimir" os sentimentos pela morte de Francisco Guedes. "Éramos amigos desde os tempos longínquos de Angola (ele no mato, eu em Luanda) e a vida foi-nos sempre cruzando. Era um homem bom. E os homens bons fazem cada vez mais falta!".

O psiquiatra Júlio Machado Vaz recorda o amigo: "O homem das Correntes d'Escritas e de milhentas iniciativas culturais por esse país fora adormeceu discretamente, como era seu timbre. A minha tristeza é tão egoísta! Quem me vai enviar Brel, Galeano ou Ferre às sete da manhã? [...] Uma vez disse-lhe que íamos morrer num mundo muito diferente do que sonháramos e ele respondeu com um sorriso cúmplice: 'Também te acontece achares que talvez pudesses ter feito mais?'. Por acaso acho, mas o 'também' era injusto, ele bateu-se enquanto teve forças e mesmo depois de as perder."

O funeral de Francisco Guedes realiza-se na quarta-feira, a partir das 11h00, no Tanatório de Matosinhos, onde o velório tem início hoje, a partir das 16h00.