"Juliette Gréco morreu esta quarta-feira, 23 de setembro de 2020, acompanhada pela família na sua amada casa em Ramatuelle [sudeste de França]. A sua vida foi extraordinária", disse a família em nota enviada à AFP.

A carreira da cantora que também foi atriz estendeu-se por meio século, até 2016, quando sofreu um Acidente Cardiovascular (AVC).

Até este ano, em que também perdeu a sua única filha, Laurence-Marie Gréco, "continuou a iluminar a música francesa", explicou o comunicado da família.

"Sinto muita falta. A minha razão de ser é cantar! Cantar é o máximo, uso o corpo, o instinto, a mente", disse a artista numa entrevista publicada em julho.

DO CABARÉ PARA O CINEMA E OUTROS PALCOS

Nascida a 7 de fevereiro de 1927 em Montpellier, Juliette Gréco foi educada desde muito pequena pelos avós maternos, em Bordéus, após a separação dos pais.

No final dos anos 1940, Raymond Queneau e Jean-Paul Sartre assinaram os seus primeiros êxitos no cabaré Le Tabou: “Si tu t’imagines” e “La Rue des Blancs-Manteaux”.

Ícone da canção francesa e musa do existencialismo, a artista interpretou também Pierre Desnos, Jacques Prévert, Bertolt Brecht, Boris Vian, Françoise Sagan, Charles Aznavour, Léo Ferré, Guy Béart, Serge Gainsbourg e Georges Brassens.

Depois de passar por outros cabarés míticos, como La Rose Rouge e Le Bouef sur le Toit, veio a consagração no Olympia, em 1954, e de seguida em Nova Iorque. Juliette Gréco tornou-se então um símbolo da “Chanson Française” em todo o mundo.

Nos Estados Unidos, o seu companheiro, o produtor norte-americano Darryl Zanuck, conseguiu-lhe papéis nos filmes “Bom Dia, Tristeza” (1958), de Otto Preminger, “Raízes do Céu” (1958), de John Huston, e “Drama no Espelho” (1960), de Richard Fleischer.

Regressada a Parus, dedica-se à música: a canção “Déshabillez-moi”, um dos seus maiores êxitos, foi gravada em 1968.

Celebrizada pela sua interpretação de Belfegor em 1965, na série televisiva epónima, a cantora da Rive Gauche estreou-se no teatro em 1945, em “Victor ou les enfants du pouvoir”, e no cinema em 1949, em “Orfeu”, de Jean Cocteau.

Juliette Gréco
Juliette Gréco

Entre canções proibidas e uma obra reconhecida

Na sua autobiografia publicada em 1983, “Jujube”, diminutivo de infância, Gréco conta como, após a detenção da mãe, que pertencia à resistência, foi encarcerada durante dez dias em Fresnes, em 1943, com a irmã mais velha, Charlotte. A mãe e a irmã foram deportadas para o campo de concentração de Ravensbrück, na Alemanha, mas sobreviveram.

Esse drama marcou-a e fez dela uma mulher livre e politicamente empenhada que, em 1981, num espetáculo no Chile, perante notáveis do regime ditatorial de Pinochet, apenas interpretou canções proibidas. No final do concerto, foi escoltada para o aeroporto por militares.

A glória nunca a abandonou e, em 2004, um ano depois do seu álbum “Aimez-vous les uns les autres” e 50 anos após o primeiro concerto, regressou ao Olympia.

Em julho de 2005, foi convidada de honra do festival Francofolies de La Rochelle e, em fevereiro de 2007, pelo seu 80.º aniversário, reencontrou o seu público no Théâtre du Châtelet, em Paris. Em agosto de 2013, aos 86 anos, cantou também no Festival de Ramatuelle.

Nos últimos anos, Gréco gravou discos com as novas gerações de autores, como Miossec, Benjamin Biolay, Olivia Ruiz e Abd Al Malik.

Juliette Gréco
Juliette Gréco

Após uma longa relação com o trompetista do jazz Miles Davis, casou-se com o comediante Philippe Lemaire (em 1953), pai da sua filha Laurence-Marie, e com Michel Piccoli (em 1966), de quem se divorciaria em 1977. Em 1988, voltou a casar-se com o antigo pianista de Jacques Brel, Gérard Jouannest.

"Não quero dar a imagem de uma velha mulher que se agarra ao passado"

Juliette Gréco tinha anunciado em 2015 que abandonaria os palcos após uma última digressão. “É muito duro, é muito complicado para mim, é muito doloroso: é preciso saber sair em beleza”, disse à estação televisiva RTL a intérprete de “Déshabillez-moi”, uma das suas mais célebres canções.

“O que me impeliu [a tomar esta decisão] é que o tempo passa e vou iniciar a minha última digressão”, acrescentou, emocionada, em declarações por telefone a partir da sua residência, em Ramatuelle.

Embora admitindo que quando estava em palco nunca se sentia cansada, explicou: “Não quero dar a imagem de uma velha mulher que se agarra ao passado, não quero ter vergonha, ir demasiado longe”.

A digressão de despedida de Gréco, intitulada “Merci”, iniciou-se no festival de música Printemps de Bourges, onde não atuava desde 2007.

Em Portugal, atuou por duas vezes, em 2001 e 2008, ambas no Centro Cultural de Belém (CCB), e em 2013 voltou a Lisboa, no dia em que completava 86 anos, não para cantar, mas para ser homenageada no Instituto Franco-Portugais, por ocasião do lançamento da coleção Chanson Française, editada pelo diário Público com selo da Levoir e da Le Chant du Monde.