O cartoonista Joaquín Salvador Lavado, mais conhecido pelo pseudónimo "Quino", o criador da emblemática Mafalda, morreu esta quarta-feira aos 88 anos, anunciou o seu editor, Daniel Divinsky, no Twitter.
De acordo com o jornal argentino Clarín, o autor morreu na sequência de um acidente vascular cerebral que sofreu na semana passada.
"Quino morreu. Todas as pessoas boas do país e do mundo ficarão de luto por ele", escreveu Divinsky, diretor das Ediciones de la Flor.
Quino costumava passar seis meses do ano em Espanha e seis meses na Argentina. No momento da sua morte, estava na sua cidade natal, Mendoza, segundo a imprensa local.
Filho de espanhóis, nascido em 1932, Joaquín Salvador Lavado, conhecido como Quino, desenhou e publicou vários livros de desenho gráfico para um público mais adulto, nos quais predomina um humor corrosivo e negro sobre a realidade social e política.
Quino já era um dos mais importantes cartoonistas e humoristas da Argentina quando surgiu a sua maior criação, uma menina contestatária da classe média cujas irónicas mensagens sociais e políticas extravasaram a sociedade argentina e se espalharam pelo mundo, traduzidas em 27 línguas.
Apesar da produção regular ter terminado em 1973, as tiras sobre Mafalda e várias personagens que gravitavam à sua volta - como Susanita, Miguelito, Manolito, Felipe e Liberdade - nunca perderam atualidade ou popularidade, reforçadas pelos álbuns, organizados por temas, "Mafalda, A Contestatária", "Os Sarilhos de Mafalda", "Que Vida, Mafalda!", "Deixem a Mafalda Voar" e "Três Histórias de Mafalda", além da gigantesca coletânea "Toda a Mafalda".
DA PUBLICIDADE À SÁTIRA
Mafalda nasceu em 1963, quando uma agência publicitária pediu a Quino, então com 30 anos e já um dos mais importantes desenhadores da Argentina, para criar uma tira cómica como publicidade "disfarçada" a uma empresa de eletrodomésticos.
Entre os requisitos, os protagonistas tinham de ser crianças e adultos de uma típica família da classe média e o nome de uma das personagens devia ter uma alusão à marca, que começava pelas letras M e A.
De traços simples, cabelo negro farto e muito opinativa, Mafalda nasceu logo como a personalidade irreverente, mas o cliente da agência acabou por recusar a campanha e Quino guardou as poucas tiras que desenhara, mas recuperou a personagem em setembro 1964, quando o "Primera Plana", o mais importante semanário da Argentina, o convidou para uma colaboração regular satírica.
À primeira vista, Mafalda podia ser uma menina de seis anos, reguila, desafiadora e descarada, mas depressa se percebeu que da sua boca, dos balões que Quino preenchia, saíam comentários mordazes e pertinentes sobre a ordem do mundo, a luta de classes, o capitalismo e o comunismo, mas também, de forma mais subtil, sobre a situação política e social argentina.
Era a Mafalda, a contestatária e insatisfeita, "uma heroína zangada que recusa o mundo tal como ele é", descreveu Umberto Eco em 1969, num prefácio a um dos álbuns que Quino dedicou à personagem.
A par da atitude de adulto mas com o desarmante discurso de uma criança, Mafalda tinha essa mesma condição de menina, que detestava sopa, adorava os Beatles, não compreendia a guerra no Vietname e tinha monólogos preocupados em frente a um globo terrestre.
Em março de 1965, a publicação passou para um dos diários mais lidos do país, "Le Mundo", altura em que Quino produzia seis tiras por semana.
UM ÍCONE ARGENTINO COM ECO MUNDIAL
O fenómeno "Mafalda" explodiu em 1966, quando um primeiro álbum a juntar vinhetas de um pequeno editor foi colocado à venda sem expectativas e esgotou em 12 dias.
A primeira versão internacional de Mafalda foi em italiano em 1968, primeiro na antologia chamada "Il Libro dei Bambini Terribili" e depois com a primeira aparição europeia nas páginas do diário "Corriere della Serra".
Em Portugal e Espanha, a publicação dos primeiros álbuns em 1970 conhece um êxito sem precedentes para tiras de humor estrangeiro.
Em 1973, começaram a ser transmitidos os primeiros desenhos animados na televisão argentina, mas em julho Quino anuncia a interrupção regular "pelo menos durante um ano", por cansaço, receio de se repetir e para se concentrar noutros projetos.
As personagens de Mafalda nunca mais regressaram exceto em campanhas especiais, como na declaração ilustrada e comentada da Declaração dos Direitos da Criança, a pedido da UNICEF em 1977.
Em 2014, o Festival Internacional de Banda Desenhada de Angoulême, em França, e o AmadoraBD dedicaram exposições a Quino, a propósito dos 50 anos da criação de Mafalda.
Distinguido ao longo da sua carreira com vários galardões, como a Medalha da Ordem e das Letras de França e o Prémio Príncipe das Astúrias da Comunicação e Humanidades, Quino reconheceu que gostaria de ser recordado como “alguém que fez pensar as pessoas sobre as coisas que acontecem”, disse em 2016 numa entrevista à agência noticiosa espanhola EFE.
Sobre o panorama atual do seu país de origem, a Argentina, Quino admitiu: “Com muita amargura de ver o péssimo nível de tudo. Um estado de espírito que é extensível à pequena Mafalda, segundo o ilustrador.
Comentários