O escritor brasileiro Rubem Fonseca, de 94 anos, morreu hoje ao início da tarde, no Rio de Janeiro, disse à Lusa a sua editora em Portugal, a Sextante, do grupo Porto Editora. Rubem Fonseca sofreu um enfarte ao início da tarde, no seu apartamento no Leblon, bairro da zona Sul do Rio de Janeiro. Apesar de ter sido imediatamente transportado para o hospital, os médicos não conseguiram reanimar o escritor, segundo o jornal O Globo.
O escritor era apontado pela crítica como "o maior contista brasileiro da segunda metade do século XX". Rubem Fonseca foi distinguido com o Prémio Camões, em 2003, e com o prémio principal das Correntes d’Escritas, em 2012.
"Um escritor tem que ser obrigatoriamente louco", frisou Rubem Fonseca quando recebeu o prémio das Correntes d’ Escritas, no Casino da Póvoa. Além de ser louco, tem que ser “alfabetizado, mas não precisa de ser muito”, porque, e fazendo uma alusão ao escritor britânico de origem polaca Joseph Conrad, "quem escreve tem que fazer o leitor sentir e ver para poder entender".
Já sobre a inteligência de quem escreve, o autor de “Bufo & Spallanzani” foi perentório ao afirmar que "não é uma característica essencial. Até porque, houve alguém que disse que conheceu "centenas de escritores e só uma pequena parte deles eram inteligentes", contou na sua passagem por Portugal.
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Em 2012, quando esteve em Lisboa para receber a Medalha de Mérito Municipal, afirmou que “mais importante que esta grande honraria é o estar em Portugal”, terra de todos os seus antecessores.
Num curto discurso, nos Paços do Concelho de Lisboa, o autor de “O Cobrador” disse que, juntamente com o irmão, foram os primeiros brasileiros de uma família portuguesa onde, em casa, o quotidiano era marcadamente português.
“Em casa falávamos português, minha mãe só cozinhava comida portuguesa e a biblioteca do meu pai era só de autores portugueses”, disse na ocasião. Foi nesta biblioteca que tomou o primeiro contacto com Luís de Camões, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, entre outros autores, como era Guerra Junqueiro, o favorito de seu pai que o recitava de cor.
De "Lucia McCartney" a "Carne crua"
Nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1925, Rubem Fonseca teve os seus livros publicados no Brasil, Portugal, Estados Unidos, Inglaterra, França, Espanha, Holanda, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Polónia e em vários países da América latina.
José Rubem Fonseca era reconhecido como uma pessoa que adorava o anonimato e descrito por amigos como uma pessoa simples, afável e de ótimo humor.
"Lucia McCartney" (1967), "Feliz ano novo" (1975) e "O cobrador" (1979), além dos romances "O caso Morel" (1973), "A grande arte" (1983) e "Agosto" (1990) foram algum das obras mais importantes do escritor brasileiro.
O escritor já recebeu, no Brasil, prémios da Fundação Cultural de Brasília, da Câmara do Livro de São Paulo, da Associação Paulista de Críticos de Artes, da União Brasileira de Escritores e recebeu, em Itália, o Prêmio Giuseppe Acerbi.
Profundamente interessado pela arte cinematográfica, Rubem Fonseca escreveu também argumentos para filmes, como "Relatório de um homem casado", "A extorsão", "Stelinha", "A grande arte" e "Bufo & Spallanzani". Algumas das suas obras também foram adaptadas para teatro e televisão.
O livro "Agosto" (1990) foi um dos mais populares e inspirou uma série da rede Globo, exibida em 1993. "Invulgar romance no conjunto da obra ficcional de Rubem Fonseca, assim se pode definir 'Agosto', considerado por alguns críticos como um dos melhores livros brasileiros atuais e o melhor do seu autor. 'Agosto' fascina com uma expressão mais comedida, com um estilo denso, objetivo e, em certos momentos, altamente irónico", elogiou Petar Petrov.
Apesar da idade, Rubem Fonseca continuava a lançar obras com regularidade - nos últimos dez anos, editou cinco livros: "José", "Axilas e outras histórias indecorosas", "Amálgama", "Histórias curtas", "Calibre" e "Carne crua", que chegou às livrarias há dois anos.
O escritor brasileiro venceu cinco vezes o prémio Jabuti na categoria de Contos e Crónicas, pelos livros "Lúcia McCartney" (1969), "O Buraco na Parede" (1995), "Secreções, Excreções e Desatinos" (2001), "Pequenas Criaturas" (2002) e "Amálgama" (2014).
Na categoria de Romance, o nonagenário venceu apenas uma vez, com "A Grande Arte" (1983).
Em 2015, quando foi distinguido com o Prémio Machado de Assis, a Academia considerou "Rubem Fonseca um dos mais importantes ficcionistas contemporâneos brasileiros", que "exerceu profunda influência na cena literária brasileira, inaugurando a tendência que Alfredo Bosi chama de 'brutalista'".
"Consagrou-se pela sua narrativa nervosa e ágil, ao mesmo tempo clássica e moderna, entre o realismo e o policial, revelando a violência urbana brasileira, sem perder o olhar sensível para a tragédia humana a ela subjacente, a solidão das grandes cidades ou para os matizes do erotismo. Seu estilo contido, irónico e cortante, ao mesmo tempo denota um leitor dos clássicos e um ouvido atento ao falar das ruas em seu tempo", descreveu ainda a ABL.
Segundo o site G1, quando questionado sobre o facto de Machado de Assis e Eça de Queiroz, algumas das suas inspirações, não usarem palavrões nos seus textos, Rubem Fonseca sublinhou que as palavras não devem ser discriminadas: "Escrevi 30 livros. Todos cheios de palavras obscenas. Nós, os escritores, não podemos discriminar as palavras. Não faz sentido um escritor dizer: 'Não posso usar isto'. A não ser que esteja a escrever um livro infantil. Todas as palavras têm que ser usadas".
Contudo, antes de entrar no universo da literatura, o escritor, nascido em Juiz de Fora, município no interior do estado de Minas Gerais, formou-se em Direito e construiu uma carreira de seis anos na polícia civil, como comissário.
Conhecido também pela sua reclusão, e consequente recusa a dar entrevistas, Rubem Fonseca viveu a maior parte da sua vida no Rio de Janeiro, tornando-se numa das figuras da cidade.
Nas redes sociais, os leitores prestaram homenagem ao escritor.
* Notícia atualizada às 20h31
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