A francesa Annie Ernaux era um dos nomes mais bem cotados da corrida ao Nobel deste ano, a seguir ao conterrâneo Michel Houellebecq.
A escritora de 82 anos foi premiada pela "coragem e acuidade clínica com que descobre as raízes, os distanciamentos e as restrições coletivas da memória pessoal", explicou o júri do Nobel.
"Na sua escrita, de forma consistente e a partir de diferentes perspetivas, Ernaux examina a vida, marcada por fortes disparidades sobre género, linguagem e classe. O seu caminho para a criação autoral foi longo e árduo", lê-se na justificação da academia.
Ernaux receberá o prémio de 10 milhões de coroas (cerca de 911.000 euros).
Professora universitária de Literatura, escreveu quase 20 livros, nos quais aborda o peso da dominação das classes sociais e a paixão do amor, dois temas que marcaram a sua trajetória.
Ernaux é a 17.ª mulher a receber o Nobel da Literatura, entre os 119 laureados desde a criação do prémio em 1901.
A autora de "Os Anos" e "Uma Paixão Simples", nome sempre falado para os principais prémios literários, regressou à primeira linha das possíveis escolhas para o Nobel da Literatura, exatamente após a publicação do seu romance "L'événement"/ "O Acontecimento", baseado na sua própria experiência.
A obra narra a angústia de uma jovem estudante obrigada a um aborto clandestino, em França, em 1964, 11 anos antes da despenalização no país.
Adaptado ao cinema pela realizadora francesa Audrey Diwan, o filme, de título homónimo, venceu o Leão de Ouro de melhor filme, o prémio máximo do Festival Internacional de Cinema de Veneza, em 2021.
A escritora, em Portugal, é atualmente publicada pelo grupo Porto Editora.
Nascida em Lillebonne, na Normandia, em 1940, Annie Ernaux formou-se em Letras Modernas nas universidades de Rouen e de Bordéus.
A editora portuguesa da escritora define-a como "uma das vozes mais importantes da literatura francesa", na atualidade, "destacando-se por uma escrita na qual se fundem a autobiografia e a sociologia, a memória e a história dos eventos recentes".
Foi distinguida com o Prémio de Língua Francesa (2008), o Prémio Marguerite Yourcenar (2017), o Prémio Formentor de las Letras (2019) e o Prémio Prince Pierre do Mónaco (2021) pelo conjunto da obra.
"Um Lugar ao Sol" (1984), vencedor do Prémio Renaudot, e "Os Anos" (2008), vencedor do Prémio Marguerite Duras e finalista do Prémio Man Booker Internacional, estão entre os seus mais conhecidos títulos.
Em Portugal foram publicados "O Lugar", pela editora Fragmentos, em 1987, "Os Anos", numa nova edição dos Livros do Brasil, em 2020, assim como "Uma Paixão Simples" (que também inspirou um filme recentemente), que surgiram em Portugal ainda na década de 1990.
"O Acontecimento" prosseguiu este ano a publicação da obra de Annie Ernaux, nesta chancela da Porto Editora.
No ano passado, o prémio foi atribuído ao britânico de origem tanzaniana Abdulrazak Gurnah, pela sua obra sobre os refugiados, o colonialismo e o racismo.
Houellebecq, Carson e outros nomes de uma corrida disputada
Annie Ernaux encontrava-se entre os principais candidatos ao Prémio Nobel da Literatura de 2022, de acordo com as apostas feitas durante a última semana, surgindo muito perto do francês Michel Houellebecq e da canadiana Anne Carson.
O quarto lugar era ocupado pelo poeta e ensaísta sírio Adonis, considerado um dos maiores poetas árabes, seguido do queniano Ngugi Wa Thiong’o e do escritor britânico Salman Rushdie, vitima de um atentado à faca, em agosto, que o deixou gravemente ferido, e por quem vários escritores têm feito campanha.
Maryse Conde, reconhecida escritora francófona, feminista e ativista, difusora da história e da cultura africana das Caraíbas, que já esteve anteriormente entre os favoritos ao Nobel e que teve este ano pela primeira vez um livro publicado em Portugal – “Eu Tituba, Bruxa... Negra de Salem” - aparecia também como uma forte candidata.
O escritor moçambicano Mia Couto, um nome que tem constado nos últimos anos entre os principais candidatos ao prémio, voltou a aparecer entre os favoritos, tendo sido o único autor de língua portuguesa a figurar na lista, segundo o agregador das casas de apostas Nicer Odds.
Outros favoritos eram os noruegueses Jon Fosse e Karl Ove Knausgaard, a canadiana Margaret Atwood, a irlandesa Edna O’Brien, a russa Lyudmila Ulitskaya, a chinesa Can Xue, que foi publicada em Portugal pela primeira vez este ano, e o romeno Mircea Cartarescu.
A lista contou também com alguns nomes conceituados da literatura norte-americana, como Don de Lillo, Marilynne Robinson, Stephen King e Cormac McCarthy, que vai lançar este ano dois romances, rompendo um silêncio de 16 anos.
O escritor japonês Haruki Murakami, um dos nomes que todos os anos aparecem entre os favoritos sem nunca ganhar, voltou a aparecer bem cotado nas casas de apostas.
Outros nomes conhecidos e recorrentes eram Martin Amis e Milan Kundera, que apareceram mesmo no fim da lista.
Comentários