A expressão identitária alentejana “vagar”, que pode ser interpretada como ‘saborear’ e partilhar o simples da vida em coexistência com o mundo, sem correrias, deu o mote para Évora se tornar Capital Europeia da Cultura em 2027.

E é esta mensagem, que “parte de algo que está nas raízes do Alentejo” e o transpõe, que torna “disruptiva” a candidatura de Évora, diz à agência Lusa a coordenadora da Equipa de Missão Évora 2027, Paula Mota Garcia, com o cansaço dos últimos anos de trabalho espelhados no rosto, mas a alegria da vitória sobreposta e incontida no sorriso.

Segundo a coordenadora, a candidatura portuguesa vencedora do título de Capital Europeia da Cultura em 2027 (CEC2027), anúncio feito na passada quarta-feira, “eleva este conceito de vagar, mas não como algo que esteja fechado na região do Alentejo". "Vai mais longe, propõe este vagar para o mundo e para a Europa”.

Paula Mota Garcia

O presidente da Câmara de Évora, Carlos Pinto de Sá, também não esconde a satisfação e reforça que a candidatura alentejana foi “muito forte, muito fundada na sua identidade cultural”. E o caminho está traçado: “É aplicar aquilo que propusemos ao júri e que está contido no dossiê”.

Évora assume a “diversidade cultural muito forte” que marca a Europa, mas quer fazer passar a sua mensagem, contribuindo para ‘despertar’ algumas questões prementes para os europeus e para a humanidade.

“Esta mensagem do Alentejo, que é uma mensagem de equilíbrio ou reequilíbrio com a natureza, uma mensagem de contenção, quando toda a gente fala em acelerar, anda tudo acelerado, não é possível continuar assim. Não é o planeta que não aguenta, o planeta aguentar-se-á", argumenta, "quem não aguenta é a espécie humana”.

Por isso, é necessário repensar “a forma de viver” e “o vagar fala disso". "É preciso ter calma para usufruir da vida, ter tempo para nós e para pensar, para conviver uns com os outros”, relata o autarca, frisando que esta visão “é uma necessidade para o futuro da humanidade [e] faz falta à Europa”.

Carlos Pinto de Sá

Com quase meio século de criação artística na cidade e no Alentejo, o Centro Dramático de Évora (Cendrev) há já um tempo que esperava por este título. O diretor artístico, José Russo, evoca que “há mais de 15 anos que isto esteve para poder acontecer e não aconteceu”.

Para o diretor da companhia teatral, que diz ter vivido “com entusiasmo” o anúncio, Évora ser CEC2027 “é uma oportunidade única”. A programação artística e cultural desse ano é para usufruir, mas o financiamento deve resolver questões estruturais: “O que interessa para o Alentejo, para Évora, é que nós deixemos a cidade com aquilo que ela necessita”.

José Russo

Ainda mal refeito da “grande emoção” que viveu, no ateliê, quando acompanhou em direto a cerimónia de anúncio da CEC2027 e viu “o nome de Évora sair daquele envelope”, está o ceramista João Rolaça, das Oficinas do Convento, estrutura cultural de Montemor-o-Novo, concelho vizinho de Évora, e que tem um projeto previsto na programação.

“Este anúncio significa muita coisa para o que nós fazemos aqui, para o que eu faço e para que os meus amigos, os meus colegas fazemos pela cultura aqui no Alentejo”, diz, convicto de que a CEC2027 “vai ser uma oportunidade incrível de agregar e de aproximar os agentes culturais da região”.

No Alentejo, “por norma, há sempre um certo isolamento”, mas isso “vai ser colmatado” com a CEC2027 e “resultar numa aproximação e num trabalho em rede entre os agentes”, confia.

Para João Rolaça, que faz questão de evidenciar “o longo histórico de atividade cultural que tem existido no Alentejo ao longo das últimas décadas”, graças às associações, a CEC2027 pode agora funcionar “como uma espécie de incubadora e uma oportunidade para criar com outros recursos e em relação com outros lugares e outras pessoas”.

“Sem dúvida que vejo a CEC2027 como uma oportunidade de trazer uma centralidade e uma dignidade para a cultura no Alentejo e em Portugal”, enfatiza.

João Rolaça

A expressão “vagar” da candidatura não foi traduzida de propósito, para que cada pessoa se aproprie dela e a tente pronunciar como quiser, conta o autarca. Poesia à parte, como questionou o júri, o que ganhariam Évora e o Alentejo com a vitória? Pinto de Sá já vê efeitos positivos.

“As nossas agências de promoção do turismo já estão a comunicar Évora como CEC2027 e isso vai gerar um grande interesse por Évora e pelo Alentejo. Esperamos que os fluxos de visitantes aumentem significativamente ao longo destes anos”, afirma.

De passeio pela cidade com a família, o turista André Eufrásio, de Vila Nova de Poiares (Coimbra), soube pela Lusa que Évora vai ser CEC2027. Voltará, nesse ano? “Ainda conheço pouco, mas quem sabe, um dia”. Tudo bem, tem é de ser com vagar.

Évora será CEC2027 juntamente com Liepaja, na Letónia, e dispõe de uma dotação financeira de 29 milhões de euros.

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