Nunca antes tinha estado disponível em Portugal toda a obra de Arthur Rimbaud, o poeta que abandonou a escrita aos 19 anos, por achar que a sua poesia nunca seria lida, e que, ainda assim, ficou na história da literatura como um dos precursores da poesia moderna.

Essa lacuna será preenchida no início de março pela Relógio d’Água, com a publicação de um volume que reúne toda a poesia de Arthur Rimbaud e as obras em prosa “Iluminações” e “Uma temporada no inferno”, bem como a novela “Um Coração debaixo da Sotaina” e as cartas, estas últimas - novela e correspondência -, inéditas em Portugal, bem como alguns dos poemas que agora se publicam, disse à Lusa o editor, Francisco Vale.

Traduzido por Miguel Serras Pereira e João Moita, o livro com a obra integral inclui também notas de tradução às cartas, escritas durante o período criativo do poeta, entre 1870 e 1875.

“São cartas íntimas e literárias. Os principais destinatários foram pessoas desconhecidas, como o seu professor de liceu [Georges Izambard], e também alguns poetas, como Paul Verlaine e Ernest Delahaye”, explica Francisco Vale.

A obra completa de Arthur Rimbaud está organizada cronologicamente. A sua carreira literária terminou aos 19 anos, por opção, quando decidiu embarcar numa viagem pela Europa, Ásia, Médio Oriente e África, até se fixar em Harar, na Abissínia, em 1880.

Como deixou escrito, Arthur Rimbaud achava que a sua poesia nunca seria lida e decidiu renunciar à escrita para viver, tendo dito, numa carta, que queria voltar ao “estado primitivo de filho do sol”.

Nascido em Charleville, a 20 de outubro de 1854, Jean-Nicolas Rimbaud, filho de um capitão e de uma camponesa, teve uma educação rígida e cresceu longe do pai, sem nunca se sentir amado pela mãe, conforme atestam os seus escritos.

Ainda criança, começou a escrever poesias, que foram reunidas em 1869, quando Rimbaud contava apenas 15 anos.

No ano seguinte, fez amizade com o professor Georges Izambard, que o incentivou a ler Rabelais, Victor Hugo e Théodore de Banville, e graças a quem os seus versos em francês melhoram consideravelmente.

Depois de uma primeira fuga para Paris, aos 16 anos, sem a autorização da mãe, Arthur Rimbaud passou a fugir repetidamente, conhecendo, num desses episódios, o poeta Paul Verlaine, em 1871, com quem viveu e iniciou uma relação conflituosa, que inspirou o filme “Eclipse Total”.

Os dois partiram para Londres, em 1872, depois de Paul Verlaine abandonar a mulher e um filho pequeno, e viveram na pobreza, entregues ao abuso de álcool.

No ano seguinte, Rimbaud regressou a Paris e começou a escrever “Uma temporada no Inferno”.

Ainda nesse ano, reencontrou-se com Verlaine, em Bruxelas, mas quando tentou romper a relação, o poeta disparou sobre ele, ferindo-o na mão.

Regressado a Charleville, Arthur Rimbaud terminou e publicou “Uma temporada no Inferno” (1873), obra que reúne nove poemas em prosa e que foi considerada pioneira do simbolismo moderno, tendo influenciado vários poetas e movimentos de contracultura do século XX.

Em 1874, Rimbaud viajou novamente para Londres, desta vez na companhia do poeta Germain Nouveau, e publicou a obra “Iluminações”.

A partir daí, nunca mais escreveu. Dedicou o resto dos seus dias a viajar, alistou-se no exército colonial holandês, para poder viajar para Java (na Indonésia), trabalhou numa pedreira de uma empresa de construção, no Chipre, e no comércio de café, em Harar, tendo-se envolvido também no tráfico de armas.

Acabou por morrer em Marselha, vítima de cancro, em 1891, com apenas 37 anos.