“Todos nós estamos cativos dentro deste corpo e desta alma, e deste espaço que nos encerra, e libertar o cativo é libertar aquilo que nós temos de mais íntimo”, disse o músico em entrevista à agência Lusa.
“Eu sou cativo de mim próprio, estou muito virado para dentro, mas é uma característica comum à humanidade. Em todos nós há um cativo, e até costumo dizer, ‘libertem o cativo que há dentro de nós’”, afirmou o fadista.
O Extended Play (EP) “Cativo” põe fim a um interregno de mais de uma década de gravações, e é o “prefácio ao próximo disco”, revelando "um maior amadurecimento das interpretações", disse.
Por outro lado, “é a sede em querer gravar e mostrar que estou a trabalhar, fazer coisas, [que] estou vivo”, disse Paulo Bragança, de 46 anos, natural de Luanda, que declarou que “não é fadista quem quer”.
“O fadista por excelência, e por condição, só partilha aquilo que é. O fadista não pode ser fabricado. Se for fabricado, não é autêntico, não é verdadeiro. Não há fábrica de fadistas. O fadista inventou-se a ele próprio”, disse Paulo Bragança.
“Cativo” é constituído por sete temas, um deles inédito, um cantado em gaélico e três gravados ao vivo, no festival Caixa Alfama, em setembro passado, e antecipa o próximo disco que se intitulará “Idílio”, e que deve sair no verão.
Os três primeiros temas – “Rosa da Noite” (José Carlos Ary dos Santos/Joaquim Luís Gomes), “Biografia do Fado” (Frederico de Brito) e o inédito “Peregrino” (Carlos Maria Trindade/Paulo Bragança) – são “uma espécie de autobiografia” do fadista.
O disco inclui ainda novas versões, gravadas no Caixa Alfama, de “Remar, Remar”, do repertório dos Xutos & Pontapés, “Soldado” (Francisco José Resende) e “Mistérios do Fado” (João Monge/Manuel Paulo), temas que Paulo Bragança afirma que “não são do repertório do fado, mas quem o canta é fadista e além do mais, está lá tudo nas suas letras sobre o fado". Por isso, "podiam ser fados”, garante.
O sétimo tema é do cancioneiro tradicional da Irlanda, país onde Paulo Bragança viveu, quando saiu de Portugal e se afastou das lides musicais. O tema intitula-se "Caoineadh Na Dtrí Mhuíre”, que significa “Lamento”, e retrata a descida de Cristo da Cruz, ajudado pelas mulheres.
“Ouvi este tema numa missa de Sexta-Feira da Paixão, em Dublin, e achei que estava ali o fado inteiro”, afirmou.
Em declarações à agência Lusa, o fadista disse que fazia questão de a parte celta estar presente neste EP. "Vivi lá [na Irlanda] muito tempo, e não podia deixar de trazer aquele fado que eles têm”.
Paulo Bragança recorda a herança celta que se encontra em Trás-os-Montes e na Beira Baixa.
Neste tema Paulo Bragança é acompanhado pelo grupo de oito adufeiras, Adufe & Alguidar.
No álbum de Paulo Bragança conta com a participação de Sandro Costa e Bruno Mira, na guitarra portuguesa, Tiago Silva, na viola, André Santos, na guitarra clássica, Jorge Carreiro, no contrabaixo, Carlos Maria Trindade, nas teclas, entre outros músicos como Alexandre Tavres, e Julyo D'Agostino.
Paulo Bragança, que foi apontado na década de 1990 como "inovador" e "rebelde", e que chamou à atenção de músicos como David Byrne, com quem gravou, questionado sobre a cena muiscal fadista, afirmou: “Há muita gente, até com qualidade, mas ressalvo que os músicos, guitarristas, têm muito talento, têm muito afinco e trabalham com paixão”.
Todavia, o músico considera que os projetos musicais na área do fado “não têm nada de novo, é muito ‘déjà vu’, não há nada que a Amália Rodrigues não tivesse alguma vez feito”.
Paulo Bragança afirmou que pode ser arrogância sua, mas considera que os artistas estão “um bocadinho perdidos e há um deslumbramento".
"Devia haver mais seriedade estética no que se faz, e obedecer àquilo que se é. No panorama atual, apesar de haver muita gente, acho que há um deslumbramento, e não é de ir por aí. Acho que deviam procurar ser mais genuínos, mas eu não sou dono de verdade nenhuma”.
O criador de "Fado Mudado" defendeu que, em termos de composição musical, “há uma linha, e que muitas vezes o menos é mais”.
“Atualmente faz-se um 'guisado' com tudo, peixe, batatas, massa, arroz” e, sublinhou, “não é pelo facto de se colocar um acordeão, uns ferrinhos, umas vozes, ou algo mais pop, que se muda, ou se torna novo ou contemporâneo, mas sim pelo que é verdade, pois fala por si”.
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