Da multidão de escritores que se posicionaram contra os fanatismos em geral, religiosos em particular, poucos terão mais propriedade do que Salman Rushdie em povoar a sua coletânea de ensaios com referências à liberdade e reiteradas lembranças de quanto os artistas sofrem censura em todo o mundo.
Em agosto de 2022 pareceu que, finalmente, a ordem de assassinato lançada contra ele por um governante fundamentalista (Aiatolá Khomeini, em 1988) por considerar o seu livro “Os Versículos Satânicos” blasfemo, esteve perto de se concretizar. Rushdie foi brutalmente atacado às portas de uma conferência que faria em Nova Iorque por um jovem de ascendência libanesa - aparentemente por motivações religiosas depois de ter regressado de uma viagem ao Médio Oriente. O escritor, de 75 anos, sobreviveu, mas perdeu um olho e os movimentos de uma das mãos no processo.
Neste sentido, o capítulo dedicado ao artista chinês Ai Weiwei, atualmente a viver em Portugal, é dos mais elucidativos. Em 2011 as autoridades mantiveram-no 81 dias preso sem acusação, invadiram os seus escritórios e os seus computadores foram retidos. A partir daí, Rushdie lista uma série de outros artistas vítimas de procedimentos semelhantes (ou piores) na China (num outro capítulo fala da forma como o massacre de Tiananmen foi esquecido e o seu significado distorcido pelas autoridades).
“Linguagens da Verdade” está dividido em quatro partes: na primeira, Rushdie debate-se sobre um dos grandes temas do livro – a arte de contar histórias, o facto de a necessidade que sentimos delas ser “tão grande quanto de comida”, a beleza do mundo das crianças e a tristeza dos adultos que as perdem.
“As crianças apaixonaram-se muito facilmente por histórias e viviam também em histórias, todos os dias inventavam histórias”. Quando adultos, afastam-se delas. “São pessoas tristes, devemos ter pena delas e tentar não pensar que nada mais são do que uns estúpidos filisteus falhados e enfadonhos”.
A segunda parte é especialmente dedicada aos seus favoritos - neste caso, os ocidentais. O escritor indiano criado no seio de uma família liberal e cujos estudos foram completados em Inglaterra debate-se sobre uma diversidade de autores - de Shakespeare a Cervantes.
A terceira parte é bastante heterogénea e, talvez, das mais reveladoras de toda a sua justa antipatia em relação aos fanáticos. O escritor utiliza vários textos para mencionar a PEN International (sigla de Poets, Essayists and Novelists), organização a nível mundial que defende a liberdade de expressão dos autores.
Na quarta e última parte, Rushdie introduz o leitor ocidental no mundo das letras orientais, algo que vinha fazendo parcialmente ao longo de todo o livro - revelando um verdadeiro universo de novas e aliciantes histórias.
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