O humor negro e a liberdade de expressão são temas que andam de mão dada e que, face aos trágicos acontecimentos recentes em Paris, voltaram a estar no centro do debate. O SAPO On The Hop fez a mesma pergunta a 12 humoristas portugueses: "Somos (todos) Charlie, aceitamos bem o humor negro?". Não impusemos nem número mínimo, nem limites de caracteres. Demos-lhes liberdade total.

Charlie Hebdo

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É Schopenhauer que diz que "o bom humor é a única qualidade divina do homem". É óbvio que não podemos esperar que os medíocres a soldo das falsas divindades o possam tolerar.

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Eu, claro que sim. Não só o humor negro mas todos os tipos de humor, desde que seja bom. Há humoristas clean que eu adoro, alguns portugueses. E também é importante que se diga que não são só os humoristas negros que recebem ameaças ou censura. Elas existem para todos e é por isso que a luta pela liberdade de expressão no humor devia ser de todos. Infelizmente, não é. Tem sido por estes dias, porque parece bem.

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Acho que a afirmação, “je suis Charlie” não tem a ver com o facto de “aceitar” ou não o humor negro. Se tivermos em conta que o verbo aceitar pode ser entendido como “receber o que foi oferecido”, “estar conforme com” ou “receber com agrado”, acho que ninguém é obrigado a ficar agradado com humor (negro ou não, que choque de frente com as suas convicções (sejam elas quais forem). Agora, não tem é legitimidade para: a) responder a esse humor com violência, ou b) querer proibir esse humor. Muitas vezes ouvimos dizer que “amor com amor se paga”. Podemos fazer a adaptação para “humor com humor se paga”. Num mundo ideal, seria assim, mas num mundo ideal todos os seres humanos viriam com sentido de humor incluído no seu equipamento de série. Se utilizarmos o verbo aceitar com o stricto sensu de “admitir”, aí sim, temos que admitir o humor negro, e não só. Qualquer tipo de humor. Até o dos Malucos do Riso. Acho que não devemos reduzir a discussão deste assunto ao território do humor negro. Quando falamos de terroristas com os que chacinaram a equipa da Charlie Hebdo, qualquer humor que meta o seu profeta ao barulho é altamente ofensivo, imperdoável, e merecedor de pena de morte. Mesmo que seja uma anedota do tipo “estavam um alentejano, uma loira e Alá...”.

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Não, não aceitamos. E aqui a questão não está apenas no humor negro. Está na liberdade de expressão e nos famosos "limites do que se pode ou não dizer" que tantos gostam de apregoar.
Não deve nem pode haver limites para uma piada ou para uma opinião. O limite tem de ser sempre auto-imposto pelo bom senso e bom gosto de quem escreve a piada. O dia em que um humorista se auto-censurar porque tem medo de represálias por causa de uma piada, é o dia em que ele deixa de ser humorista e passa a ser mais um que segue o rebanho em silêncio com o olhar fixo no chão e envergonhado com a falta de coragem que tem.
Hoje (ontem) todos dizem que são o Charlie porque é "cool" estar do lado da liberdade de expressão, do lado dos que morreram a defendê-la, mas no momento em que forem colocados perante uma piada de que não gostem, vão ser os primeiros a disparar.

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Não, não aceitamos todos bem o humor negro.
E ainda bem: é assim mesmo que deve ser. Assim é que deve ser com qualquer comédia genuína, seja negra, amarela ou cor de rosa. As piadas que não suscitam algum incómodo são apenas gracinhas. Todo o humor deve incomodar. Tem a obrigação disso, porque o humor só existe sobre coisas incómodas. Não se fazem boas piadas sobre coisas cómodas e positivas. Não há nada de errado em gostar ou não gostar de uma piada, e o comediante sabe que há gente que não lhe acha graça nenhuma.
Esta é a natureza da comédia e a essência da liberdade. Temos o direito de nos sentirmos incomodados, porque temos o direito de incomodar, e não há nada melhor que incomodar. Pessoalmente, sempre detestei o comodismo.
E é bom que isto fique claro: uma publicação como a Charlie Hebdo não pretende que gostemos dela. Hebdo não é um panfleto pelos afetos e pela aceitação. É precisamente o inverso. É pelo direito de profanar, satirizar, hostilizar. Pelo direito de incomodar.

"Ser Charlie" não é concordar ou discordar de vozes como as do jornal Hebdo, é perceber que qualquer voz tem tanto direito a exprimir-se como a minha.
É saber que vozes se enfrentam com vozes e não com mordaças.
É usar a palavra e a ideia contra a violência e a cobardia.
É saber que a paz e vitória não se alcançam pela força ou pelo sangue, mas pelo entendimento.
E entender implica saber ouvir, mesmo o que não se gosta.
Implica o direito de nos sentirmos indignados e a obrigação de nos fazermos exprimir. A obrigação de nos aceitarmos uns aos outros não apesar das diferenças mas COM as diferenças.
Por isso, temos que ser Charlie. Porque num mundo tão complexo como o nosso, é pelo que nos distingue e pelo que nos diferencia que nos temos que unir.

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O humor negro é um estilo que baralha o nosso cérebro porque mexe com muitos dos ideais que a sociedade nos incutiu. Noto que, sem dúvida, cada vez tem mais público em Portugal e a prova é a nova geração de humoristas desta vertente. Para os mais distraídos, há uma série com uma grande dose de humor negro que chega à televisão portuguesa há mais de uma década com uma enorme legião de fãs: Family Guy. Tem excelentes exemplos do que é fazer bom humor negro, já me levou às lagrimas com músicas que falam de HIV, piadas de cancro, morte e toxicodependência. Acho que todos os fãs da série entendem na perfeição o que estou a dizer. É ofensivo? Não, são apenas piadas e das boas. Se devemos brincar com estes temas? Porque não? Ao fim ao cabo, todo o humor visa alguém ou alguma coisa. Um exemplo: podemos fazer piadas sobre sacos de plástico, à partida, é um tema inofensivo. Mas se pensarmos bem, há quem já tenha morrido sufocado com um saco de plástico, e agora?

O que se verifica é que o humor negro envolve um risco maior para o alcance do sucesso. É como uma onda de 12 metros. Se alguém pega na prancha e a consegue surfar é um herói, se cair, a coisa pode ficar muito feia... Um comediante que diga uma piada boa sobre a sida e que faça rir é o maior porque fez gargalhar com um tema muito sensível. Um comediante que faça uma piada má sobre a sida pode passar por ser apenas um injurioso ultrajante que está a gozar com pessoas em sofrimento. Aliás, como todos os comediantes sabem, e como se viu neste episódio aterrador do Charlie Hebdo, no humor negro, a piada pode ser boa e o comediante passar na mesma por um injurioso ultrajante, tudo depende dos olhos de quem a vê. Depende dos gostos, da sensibilidade, da cultura e do estado espirito. E, infelizmente, como diz a minha avó: há malucos para tudo. Todos os profissionais do humor negro, infelizmente, já passaram por episódios desagradáveis que passam por insultos, ameaças ou recusas de trabalho mas uma coisa é certa: O humor negro tem de continuar, sem sombra de dúvida. Assim como humor clean, humor ordinário, humor mórbido, humor corriqueiro, etc. Tem de haver de tudo. E só a esticar as pontas de cada um é que se anda para a frente. E como disse o Jon Stewart: "fazer humor não pode ser um ato de coragem". Em nome da liberdade de expressão, não nos podemos vergar. Jamais.

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Ser Charlie não tem a ver com humor negro. Tem a ver com a revolta em vivermos num mundo onde a discórdia se resolve com balas. É a revolta de vivermos num mundo onde há pessoas que dizem "deviam ter cuidado com o que dizem e com o que escrevem" - essas pessoas pegaram na arma também. É triste, é revoltante, é a Prisão de Expressão administrada pelo Medo. É a AK47 contra o Lápis nº2.

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Associar o caso do Charlie Hebdo ao humor negro, penso que é bastante redutor. Até porque a especialidade do jornal é a sátira política e social, nem sempre explorada pelo ângulo negro mas o que o torna um alvo tão apetecível como ele. A questão essencial é esta: o que assusta as pessoas não é o tipo de humor em si, mas sim a liberdade de dizer coisas, muitas vezes, tal qual elas são.

Em relação ao humor negro, pela minha experiência, já consegui identificar três tipos de pessoas:

As que não o entendem, mas que dizem que sim e que gostam, achando que humor negro é, simplesmente, dizer que as meninas da Casa dos Segredos são meretrizes. As que dizem que não gostam e que criticam ferozmente quem o faz, possivelmente devido a resquícios da nossa educação de moralzinha católica, com comentários muito curiosos como "devias ter cancro e morrer atropelado até teres os orgãos de fora" ou com "esta piada foi de mau gosto", depois de terem postado nos seus perfis vídeos do funeral do filho da Judite.

E, final e felizmente, as poucas que gostam, mesmo que o riso seja "envergonhado", e as que o sabem fazer.

Generalizando, acho que temos muito medo, enquanto sociedade portuguesa, de dizer certas coisas em voz alta. A minha mãe, por exemplo, não gosta que eu faça piadas com mortes ou doenças porque acha que agoira. São os tais resquícios de uma democracia demasiado jovem como a nossa. Portugal é um país demasiado pequenino que vive do medo, em que toda a gente se conhece e que portanto, tens de ser politicamente correcto para teres uma vida santa. E a realidade é que, infelizmente, é muito verdade.

Comparando, por exemplo, com os Estados Unidos, Portugal, nesta questão, ainda está na Idade Média. Prova disso é vermos uma Joan Rivers na década de 70, em primetime, na televisão nacional americana, a dizer aquelas coisas. Hoje em dia, ainda seria praticamente impossível, acontecer o mesmo em Portugal..e não é por falta de talento. É por falta de espaço mediático e por falta de coragem, mesmo dos que ontem disseram que eram o Charlie. É um humor de nicho, e ainda bem. A diferença é que um nicho nos E.U.A são milhões e em Portugal são poucos milhares. Na moda dos gins e dos bolos do caco, felizmente, vão também aparecendo uns quantos Joãos Sem-Medo, no qual humildemente me incluo, que tornam este estilo humorístico numa tendência cada vez mais popular.

Só com liberdade de expressão é que a democracia, em qualquer lado do mundo, poderá funcionar. Mesmo que não concordemos com o que é dito. Porque a mim também me irrita ver a Isilda Pegado a falar de Deus... e não me atiro para cima daquelas manifestações com fotos de embriões em potes.

Como disse o outro, "Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo." E isto é uma frase que muita gente devia tatuar no hipotálamo.

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Não, não aceitamos. Uns são Charlie, outros são só solidários espontâneos. Acima de tudo, tem sido claro que não somos todos Charlie pela quantidade de pessoas que se tem manifestado em favor do "eles puseram-se a jeito". São as mesmas pessoas que se ofendem com qualquer piada que toque num assunto minimamente sensível. Nem é preciso chegar ao humor negro puro.

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Não, não somos todos Charlie, não o somos quando não dizemos o que pensamos, de quem pensamos, quando nos auto- discriminamos apenas e só com medo do que os outros possam pensar. Não o somos quando as nossas barreiras passam mais pelos valores daqueles que nos rodeiam do que os nossos próprios valores. Eu não quero ser assim, eu quero ser Charlie e poder dizer aquilo que os outros não querem ouvir.

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Todo o humor que é bem feito é bem aceite e quanto mais abrangente melhor. O humor negro não se enquadra neste estilo. É um humor para uma fração de consumidores mais reduzida.
Pessoalmente eu aprecio mas tento ter bastante cuidado quando, como e onde o faço.

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O que se passou com o Charlie Hebdo é sobre muito mais do que divisões de categorias dentro do humor - e, honestamente, acho que tornar isto numa quintinha do humor negro é nem sequer perceber muito bem o que está aqui em causa, que é uma pessoa (qualquer pessoa) poder exprimir a sua opinião. É algo que deve fazer reflectir e, se possível, unir humoristas e jornalistas, que devem sempre poder exprimir aquilo que em consciência acham que devem exprimir. O resto são detalhes que se esmagam com facilidade perante a importância da liberdade de pensamento, de fala e de julgamento.