Do dramaturgo francês Michel Vinaver (1927), “um dos maiores autores do século XX”, segundo a companhia das Caldas da Rainha, “O Pedido de Emprego” é um texto crítico dos atuais mecanismos do trabalho e dos índices de produtividade conexos, atirados para cima dos 'quadros', no ambiente da “cultura empresarial concebida como marketing”, lê-se na apresentação da obra.

Esta peça é também reveladora da destruição, por dentro, de um universo familiar nuclear, conjugal, da pequena burguesia, na sequência da perda de emprego e de tudo o que isso arrasta, prossegue a apresentação.

A ação "concentra-se sobre a intrincada malha estruturada de uma conversa familiar", e sobre "uma entrevista questionário de recrutamento para um emprego", escreve o Teatro da Rainha.

"Entre a desagregação da família (desempregado, mulher de desempregado, filha) e a crueldade do diálogo com o empregador, as palavras que se trocam não têm outra função que não seja a de manter um espaço do qual a matéria desapareceu: o amor (familiar) e a competência (profissional)", acrescenta a companhia.

Após a situação de desemprego do gestor, Fage, um fluxo de acontecimentos trágicos assola a sua família, que "procura preservar a sua estrutura". Mas "os laços reais são substituídos pelo seu simulacro".

A filha de Fage, ainda adolescente, engravida e quer a criança só para ter a experiência, a senhora Fage, uma doméstica convencional, converte-se às leis do marketing e arranja um emprego de vendedora que a consome enquanto o marido desempregado fica preso a noções patriarcais de poder.

Numa entrevista de emprego, Fage acaba por descobrir que, para obter o lugar, necessita de renunciar a si próprio e de entregar a “alma” à empresa.

A entrevista "é um verdadeiro diagnóstico do sistema – o desempregado é a figura pura da vítima -, dos modos de exclusão quando as pessoas atingem certa idade", lê-se na página do Teatro da Politécnica, sede dos Artistas Unidos, em Lisboa, que recebe a encenação a partir do próximo dia 04.

"Nestes lugares de horror -- prossegue --, o trabalho é exercido segundo regras de 'marketing' que obrigam as pessoas a ser peças de uma engrenagem de sedução tacanha, impondo-lhes 'texto', comportamentos e olhares para com os clientes" que, por sua vez, "também não são pessoas, mas entidades 'financeiro-contabilísticas', 'pessoas-cartão-de-crédito', 'criaturas-lucro' com pernas", mas não seres humanos.

Fage descobre então, também, que o capitalismo devora os seus, explorando-os, e, quanto mais proclama o seu respeito pela privacidade dos “colaboradores”, mais os trata como peças suplentes numa engrenagem sem valores nem princípios.

Num texto de apresentação da edição britânica da obra, em 1989, o escritor, Michel Vinaver, recordou que "O Pedido de Emprego" foi escrito em 1970, dois anos após o Maio de 68 e os acontecimentos políticos subsequentes.

A dúvida, porém, mantém-se viva: "Que sociedade é esta que trata os seus como descartáveis?", conclui a apresentação da peça, no 'site' dos Artistas Unidos, que recebem a obra, em Lisboa.

"Um texto maior de um dos maiores autores do século XX, Michel Vinaver", garante a companhia.

Com tradução de Christine Zurbach e Luís Varela, “O Pedido de Emprego” marca a estreia na encenação de António Afonso Parra, que também compôs a música de cena.

A cenografia é de Ana Gormicho e, a fotografia, de Margarida Araújo e Paulo Nuno Silva.

A interpretar estão José Carlos Faria, Inês Fouto, Nuno Machado e Mafalda Taveira.

A primeira representação em Lisboa realiza-se às 19:00, de dia 4 de março (quarta-feira) e, as três seguintes, até dia 7 (sábado) às 21:00.

"O Pedido de Emprego" teve estreia no início de novembro, no Teatro da Rainha, nas Caldas, onde ficou em cena ao longo desse mês.