Editado pela Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, que está a publicar a obra escrita deste escritor que se afirmou como autor de contos e poesia, mas também professor e pintor, o romance vai ser lançado no próximo sábado, dia 12 de outubro, na Casa da Achada, em Lisboa, com a participação da professora Cristina Almeida Ribeiro.

Desde a sua fundação, em 2009, a Casa da Achada tem estado a editar a obra escrita de Mário Dionísio (1916-1993), que até 2023 teve a coordenação da escritora e dramaturga Eduarda Dionísio (1946-2023), filha do escritor, contando hoje com mais de duas dezenas de títulos publicados.

Agora chega a vez do único romance do escritor, “Não há morte nem princípio”, cuja primeira edição, pelas Publicações Europa-América, data de 1969.

“É um romance que teve vida discreta apesar da relevância que lhe foi atribuída, à época e mesmo mais recentemente, por críticos e escritores como Álvaro Salema, João Gaspar Simões, Alexandre Pinheiro Torres, Augusto Abelaira, Júlio Conrado, Urbano Tavares Rodrigues e Manuel Gusmão”, destaca o centro cultural dedicado a Mário Dionísio.

O novo volume de “Não há morte nem princípio” inclui um texto crítico de Manuel Gusmão (1945-2023) - já antes publicado em “Mário Dionísio – Vida e Obra” -, como nota introdutória a esta segunda edição.

O próprio Mário Dionísio referiu-se várias vezes ao seu romance, atribuindo-lhe a devida importância dentro da sua obra.

A este propósito, costumava citar a frase “cada vez o romance me parece mais a forma possível de uma realização completa”, uma afirmação com reminiscências de Boris Pasternak (igualmente poeta de um só romance), que dizia que é no romance que tudo cabe.

Mário Dionísio também batalhou sempre pela sua modernidade e pertença a um novo realismo livre e sem fronteiras, tendo chegado a afirmar em tom algo provocatório: “Este romance é o meu texto mais neo-realista”.

O escritor José Manuel Vasconcelos escreveu sobre Mário Dionísio que este autor “afastava claramente qualquer entendimento redutor de realismo, qualquer estreita (e falsa) ideia de objetividade, conferindo ao criador o direito de voltar as costas ao imediato”, por forma a poder captar os traços constitutivos de um real “bem longe dos estereótipos mais comuns de um realismo apressado e ingénuo”.

Duas comunicações para uma leitura atualizada desta obra, feitas no congresso internacional comemorativo do centenário de Mário Dionísio, em outubro de 2016, colocavam o seu romance entre os mais marcantes da viragem que ocorreu na literatura portuguesa em finais da década de 1960, a par das obras de outros escritores como José Cardoso Pires, Maria Velho da Costa, Nuno Bragança, Almeida Faria e Augusto Abelaira.

Numa dessas comunicações, José Manuel Vasconcelos classificou-o como um “romance inteligente que exige leitores inteligentes”, e descreveu-o como sendo um romance “contra certos hábitos instalados de leitura, contra uma ideia cristalizada de romance, subsidiária de um realismo precipitado e estafado, com raízes no século XIX”.

Também “contra a evasão que muitas vezes se procurava na leitura, exigindo uma atitude determinada e de aderência permanente, aquilo a que hoje se poderia chamar uma instância interativa”, acrescentou, reconhecendo que essa exigência, a par de leitores entorpecidos e de uma diminuta atenção crítica, pode explicar “o seu pouco êxito comercial”.

As mesmas razões explicam também – na opinião de José Manuel Vasconcelos – as reticências de alguns setores ideologicamente próximos do escritor, que chegou a ser acusado de “formalismo”, a que também não terá sido alheio o tom pessimista do romance, característica que na altura era “propícia à qualificação como decadente”.

Na outra comunicação, da autoria da professora especialista em estudos românicos Maria Eduarda Keating, é destacado o facto de neste romance nada ser o que parece, como as repetições que afinal não o são exatamente.

A progressiva “abstratização” das personagens põe em evidência uma “transformação” que ultrapassa o universo romanesco, construindo uma imagem pictórica “a lembrar os quadros do pintor Mário Dionísio”, considerou a especialista, acrescentando que, provavelmente, “Não há morte nem princípio” é um romance com o olhar de um pintor, que também é o autor de "A Paleta e o Mundo", obra de história, biografia e abordagem analítica da arte.

A Casa da Achada afirma-se convicta de que esta nova edição possa colocar o romance na mão de novas gerações de leitores exigentes, “cumprindo o destino desejado pelo seu autor: inquietar, revelar, despertar”.

Além da sessão de lançamento, esta edição, que conta com o apoio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) de Lisboa e Vale do Tejo, vai ter também sessões de apresentação marcadas para 19 de outubro, na ARAL – Associação de Residentes do Alto do Lumiar, e para 7 de novembro, na Associação José Afonso.

Nascido em Lisboa, em 1916, Mário Dionísio licenciou-se em Filologia Românica, em 1940, foi professor do ensino secundário e, após o 25 de Abril, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Na sua obra literária destacam-se os contos, a poesia ("Solicitações e emboscadas", "O riso dissonante", "Memória dum pintor desconhecido", "Terceira idade"), o romance ("Não há morte nem princípio"), a escrita pessoal e biográfica ("Passageiro Clandestino", "Autobiografia").

Escreveu para Seara Nova, Vértice, Diário de Lisboa, Mundo Literário (1946-1948).

No âmbito das artes plásticas, além de um volume sobre "Vincent Van Gogh" e de "A Paleta e o Mundo, é também autor de "Conflito e unidade da arte contemporânea".

“Mário Dionísio era acima de tudo do gigantesco ‘A paleta e o mundo’”, escreveu o encenador Jorge Silva Melo (1948-2022), seu antigo discípulo, na introdução da "Poesia completa", publicada pela Imprensa Nacional; era o autor de “Memória de um pintor desconhecido”, "um poema nos limites da poesia, nos limites da prosa, nos limites do ensaio, um longo poema verdadeiramente experimental”.