O argumentista britânico Armando Iannucci, criador da elogiada série britânica e da sua versão americana "Veep", não precisa refletir muito para ilustrar a natureza surreal da política moderna.
Exemplo, segundo ele: o primeiro-ministro Boris Johnson, privado do seu café porque não pode ser visto com um copo descartável.
De facto, no congresso anual do Partido Conservador em Manchester, dois auxiliares de Johnson foram filmados esta semana discutindo se o chefe de Governo deveria ser visto com um copo descartável.
A cena, partilhada milhares de vezes nas redes sociais, tem uma estranha semelhança com a popular sátira televisiva "The Thick of It", criada por Iannucci e exibida entre 2005 e 2012, que mostrava os políticos e os seus assessores como ineptos, infelizes e obcecados com a sua imagem.
"É quase como se agora fosse uma espécie de paródia ao contrário... eles assumiram as tramas, mas decidiram exagerar ainda mais", declarou à AFP o argumentista, produtor e realizador de 55 anos.
Iannucci, que também criou a série americana "Veep", vencedora de vários prémios Emmy, e a sátira cinematográfica britânica "Em Inglês, S.F.F." (2009), considera que, com o surgimento de líderes controversos como Johnson, "nada mais parece real".
"Não consigo acreditar que Boris Johnson é o primeiro-ministro, acho que ninguém consegue acreditar nisso", disse Iannucci à AFP.
Iannucci, que passou mais de duas décadas criando comédias de sucesso para TV antes de se aventurar no cinema, ressalta que a política atual está a mudar a forma como os argumentistas de sátiras abordam o trabalho.
"Os comediantes que são mais eficazes são os que se transformam numa espécie de jornalista", disse, ao citar John Oliver, o britânico que apresenta um popular programa semanal nos Estados Unidos.
"Não se trata apenas de piadas, mas é sobre se os políticos não vão lidar com os factos, então cabe aos comediantes fazer isto", explica.
Iannucci fez as declarações antes do seu filme mais recente, uma adaptação peculiar do romance de Charles Dickens "The Personal History of David Copperfield", abrir o Festival de Cinema de Londres na quarta-feira.
Ele decidiu adaptar a história semiautobiográfica sobre as façanhas de um jovem na Grã-Bretanha vitoriana por amar o livro e pelo desejo de fazer algo diferente da sua comédia histórica de 2018 "A Morte de Estaline".
Mas admite que a atual política do país, dominada pelo Brexit, provavelmente desempenhou um papel "subconsciente" na sua escolha.
"O debate nos últimos dois ou três anos aqui foi bastante negativo e tóxico", lamenta.
"Queria fazer algo que fosse realmente uma celebração positiva do que define a Grã-Bretanha hoje. Não se trata apenas deste tipo de isolacionismo negativo, e sim do sentimento de vibração, vida, criatividade e diversão", acrescentou Iannucci, antes de afirmar que a adaptação do romance destaca a rica herança cómica e literária do país.
O filme tem um grande elenco, no qual vários atores não-brancos interpretam personagens que no livro são brancos, incluindo Dev Patel (de "Quem Quer Ser Bilionário?"), que dá vida a David Copperfield.
O Festival de Cinema de Londres exibirá este ano 229 longas-metragens de 79 países durante 12 dias e terá como filme de encerramento a nova obra de Martin Scorcese, "O Irlandês", protagonizado por Robert De Niro e Al Pacino.
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